Acórdão nº 00228/02 - Coimbra de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução07 de Julho de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Recorrente, F…, Lda., impugnou parcialmente a liquidação de IRC do ano de 1999 e respetivos juros compensatórios, decorrentes do acréscimo à matéria coletável do montante de 128.783,29€.

A Recorrente / Impugnante não se conformou com a decisão proferida pelo tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, tendo interposto o presente recurso, formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: (…)

a) Na liquidação adicional de IRC, fundada nas denominadas “correcções técnicas à matéria tributável”, o ónus de prova de que os factos que subjazem aos documentos constantes da contabilidade não têm a substancialidade que o contribuinte, aqui recorrente, lhes atribuiu, para os considerar custos fiscalmente dedutíveis nos termos do art.º 23.º do CIRC, na sua declaração de rendimento a que alude o art.º 120.º do CIRC, cabe à administração tributária, por mor do disposto nos art.ºs 74.º, n.º 1, e 75.º, n.º 1, da LGT; b) O ónus de prova do Fisco abrange os elementos de facto com base nos quais se faz o juízo de prognose póstuma sobre a adequação da realização da despesa ao escopo social que deve ser prosseguido pelos órgãos da sociedade, a ser efectuado segundo o critério de um contribuinte médio agindo em condições de liberdade e de autonomia jurídica na prossecução desse escopo, da necessidade de realização das despesas ou encargos e da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou manutenção da fonte produtor, exigido pelo art.º 23.º do CIRC; c) Na verdade, nada autoriza a fazer-se uma interpretação restritiva do art.º 75.º, n.º 1, da LGT, a qual, enquanto restringente de uma garantia dos contribuintes, consubstanciada na presunção de “veracidade das suas declarações apresentadas nos termos da lei, bem como dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita”, ofenderia o princípio constitucional da máxima eficácia e efectividade dos direitos fundamentais, constante do art.º 18.º, n.ºs 2 e 3, e do princípio da justiça, equidade e da boa fé ínsitos no princípio material do Estado de direito constante do art.º 2.º, ambos da CRP; d) Não basta ao Fisco colocar em dúvida a veracidade dos elementos constantes da declaração do contribuinte e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, em caso de correcções de natureza técnica à matéria tributável, mas tem de provar qual a substancialidade dos factos subjacentes com base na qual entende que os custos em questão não são fiscalmente dedutíveis ao rendimento; e) No caso de o Fisco considerar, como aconteceu no caso dos autos, que os factos subjacentes aos documentos constantes da escrita do contribuinte, e cujos valores o contribuinte relevou como custos, têm uma substancialidade económica e fiscal que não lhes permite esse enquadramento, incumbe ao tribunal resolver a dúvida probatória, estabelecendo em sede de julgamento em matéria de facto qual a efectiva substancialidade desses factos; f) A decisão recorrida demitiu-se, ilegalmente, de formar o juízo probatório sobre a existência e a substância dos factos pressupostos pelo Fisco para, no caso concreto, desconsiderar como custos fiscais relevantes para o apuramento do lucro tributável os custos suportados com passagens aéreas para Gottenburg, Nova Iorque, Strasburg e Atlanta, com refeições e com a prestação de serviços externa efectuados pelos Srs. F… e R…, tendo-se contentado com a afirmação feita pelo Fisco da existência de dúvida sobre esses factos; g) Em face da presunção de veracidade de que goza a sua escrita e os dados nela inscritos, constante do art.º 75.º, n.º 1, da LGT, do ónus de prova dos factos constitutivos do direito de liquidação invocado pelo Fisco estabelecido no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, tem a dúvida probatória sobre a existência e substancialidade desses factos de ser resolvida a favor da Recorrente.

h) O Fisco não invocou prova documental e testemunhal da qual possa decorrer como estando provadas, segundo um juízo de verossimilhança adequado e plausível, as inferências que faz e sobre as quais repousa a desconsideração dos custos declarados pela Recorrente, como as despesas com passagens aéreas, refeições e prestação de serviços por banda de F… e R….

i) O facto de a Recorrente pagar subsídio de refeição aos seus colaboradores não obsta que possa pagar-lhes também refeições e de o valor das mesmas dever ser considerado como custos fiscais, de acordo com o art.º 23.º do CIRC.

j) Em face dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, Dr. C…, J…, I… e A…, cujos depoimentos acima se transcreveram na parte respectiva e que aqui se dão por reproduzidos, resulta provado que:1) as despesas com passagens aéreas e refeições discriminadas no relatório inspectivo foram realizadas pelo Dr. F… ou pelos seus colaboradores, por conta e no interesse da sociedade impugnante e 2) No ano de 1999 os filhos do sócio gerente da impugnante prestaram serviços a esta, especialmente de carácter administrativo que consistiam em datilografar relatórios de exames, organizar processos de doentes, arquivar credenciais e proceder à facturação, ou, ao menos, afasta como podendo considerar-se fundada a dúvida suscitada pelo Fisco sobre a substancialidade dos factos dos quais adveio a sua desconsideração dos custos declarados pela Recorrente.

k) Esclarecendo-se que a testemunha C… foi peremptório em afirmar que o colega, o falecido Dr. Is… também tratava dos aspectos administrativos que posteriormente foram efectuados pelos filhos do gerente da impugnante.

l) A sentença recorrida incorre em manifesta incongruência e contradição racional na realização ou elaboração do juízo probatório de facto no que se reporta à matéria das passagens aéreas, pois ao dar como provado, no ponto C do probatório da sentença, que “O Dr. F… e os colaboradores da impugnante deslocavam-se, em Portugal e no estrangeiro, nos seus contactos com fornecedores, entidades públicas e outras, conexionadas com a prática de clínica ambulatória”, não pode racional e congruentemente, sob a alínea b), o mesmo senhor juiz não poderia dar como não provado que “as despesas com passagens aéreas e refeições discriminadas no relatório inspectivo foram realizadas pelo Dr. F… ou pelos seus colaboradores, por conta e no interesse da sociedade impugnante”.

Termos em que e nos mais de direito deve a sentença recorrida ser revogada, provido o recurso e, consequentemente, julgada procedente a impugnação judicial, com todas as legais consequências.(…)” Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento aos recursos.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

  1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente/Impugnante as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações de recurso nos termos dos artigos 635º, nº4 e 639º CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, sendo as de saber se a sentença incorreu em: (i) erro de julgamento, quando julgou verificado o ónus da prova que recaia sobre a Adminsitração Fiscal [conlusões de a) a i)]; (ii) erro de julgamento, ao considerar válidas as correções efetuadas relativas às passagens aéreas, refeições e prestações de serviços [conlusões de h) a k)]; (iii) erro de julgamento da matéria de facto [conlusões j) a l)].

  2. JULGAMENTO DE FACTO No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: “Em face da prova produzida, com interesse para a decisão, julgam-se provados os seguintes factos: A) A impugnante foi alvo de um procedimento de inspeção que incidiu sobre IRC e IVA do ano de 1999, no âmbito do qual, em 28/01/2002 foi elaborado o relatório de fls. 11 a 26 do p.a., que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte: «(…) II.3 - Actividade exercida A empresa em análise é uma sociedade familiar, cujos sócios titulares da totalidade do capital social são os Srs. Dr. J… e seus filhos R… e F….

    A actividade exercida pelo sujeito passivo, nos seus consultórios de Coimbra e Leiria, é a prática de clínica ambulatória, nomeadamente ECG, ECO (modo M e bidimensional), doppler (clássico e a cores), holters e provas de esforço em tapete rolante, a que corresponde o CAE 85120.

    O sujeito passivo celebrou protocolos com a ARS de Coimbra e Leiria, bem como contratos de prestação de serviços com a Portugal Telecom, CTT, Caixa Geral de Depósitos, além do atendimento a particulares.

    Para prestar estes serviços, além do sócio gerente Dr. J…, a empresa recorre à prestação de serviços de terceiros.

    1. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL IV. 1 - Custos com deslocações e estados III.1.1 - Passagens aéreas Toda a actividade da empresa é desenvolvida no mercado nacional, nomeadamente nos consultórios de Coimbra e Leiria. No entanto, no exercício em análise, contabilizou custos com passagens aéreas para Gottemburg. Nova Iorque, Strasbourg e Atlanta, no valor global de PTE 502.575$00.

    Nos documentos constantes da contabilidade, não está arquivado qualquer bilhete de avião que permita verificar quem efectivamente viajou, nem qualquer comprovativo da frequência de congressos ou seminários.

    Assim, contactámos a agência de viagens T…, com escritório em Coimbra, onde nos afirmaram que as passagens aéreas emitidas por esta agência, referentes a ligações Lisboa - Strasbourg - Lisboa foram emitidas em nome do Sr. F…, e cujas facturas datam de 26/10/99 e 25/11/99. Nestas datas, de acordo com o anexo 1, o Sr. F… estaria a estudar em Strasbourg, logo, não poderia estar ao serviço da empresa F…. Lda, donde se depreende que estas viagens foram utilizadas para fins particulares.

    Juntamente com estas viagens, também o...

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