Acórdão nº 02777/15.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 01 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução01 de Julho de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO GA, solteira, de nacionalidade paraguaia, titular do passaporte n.º 9…, válido até 15 de Dezembro de 2016, emitido pela República do Paraguai, NIF 2…, residente na Avenida …, intentou providência cautelar de suspensão da eficácia de acto administrativo contra o SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS - DIREÇÃO GERAL DO NORTE, com sede na Rua …, com vista a obter a suspensão da eficácia da decisão do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que determinou o seu afastamento coercivo do território nacional e a interdição de nele entrar pelo período de três anos, com fundamento na sua permanência ilegal em Portugal.

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi indeferida a providência cautelar.

Desta decisão vem interposto recurso.

Em alegação a Requerente concluiu o seguinte: I. O despacho do Senhor Diretor Nacional do SEF é nulo, nos termos da alínea d), do n.º 2, do art.º 161º do CPA, por ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, como seja o de residir em território Português com o seu companheiro cidadão português, em situação análoga à dos cônjuges.

II. A ação para reconhecimento da união de facto deve ser interposta no tribunal cível (artº 3º da Lei 37/81), assim, por força do disposto no art.º 15º do CPTA, o Tribunal a quo poderia sobrestar na decisão até pronúncia do tribunal competente para reconhecer da união de facto; III. A expulsão da aqui recorrente do território português inelutavelmente destruirá a sua relação familiar com um cidadão português; IV. O art.º 36º da CRP, limitou-se a reconhecer o direito à livre constituição de família, não distinguindo a escolha desse direito dos cidadãos, logo não atribuindo mais ou menos efeitos ou direitos jurídicos à opção escolhida entre o casamento ou a simples união; V. O artigo 36.º da CRP, ao consagrar o direito à constituição da família e o direito de contrair casamento, tutela todas as relações familiares – quer estas tenha origem no casamento ou na união de facto –, pretendendo, na sua primeira essência, uma tutela da família, independentemente da sua origem e configuração (cfr. CANOTILHO, J.J. Gomes/MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 561, 567-568 e 856-857); VI. Nos termos do artigo 37º, do CPTA, segue a forma de ação administrativa o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas, que pode ser proposta a todo o tempo (cfr. art.º 41º do mesmo diploma legal).

VII. Não ocorreu qualquer caducidade do prazo para intentar o processo principal, porquanto a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e, se promovido pelo Ministério Público, os atos anuláveis têm o prazo de um ano (cfr. art.º 58.º do CPTA); VIII. Acresce que a requerente e o seu companheiro português AJSL manifestam que pretendem contrair casamento, tendo para o efeito requerido, no Paraguai, a documentação necessária com vista a casarem urgentemente; IX. Basta que «no processo principal seja provável que a pretensão formulada ou a formular venha a ser julgada procedente» para que a providência cautelar possa ser concedida; i.é que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal (artº120º do CPTA, alterado pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10); X. Danos de difícil reparação são “aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente”.

NOS TERMOS ADUZIDOS E NOS MAIS QUE SERÃO SUPRIDOS, DEVE A DECISÃO DE INDEFERIMENTO SER REVOGADA E, EM CONSEQUÊNCIA, PROSSEGUIR A PROVIDÊNCIA CAUTELAR COM A PRODUÇÃO DA PROVA REQUERIDA, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.

A Entidade Requerida ofereceu contra-alegação, concluindo que: -1.ª-É ostensivo, que a ausência da ação principal conjugada com impossibilidade legal da sua propositura (art. 89.º/1-h) do CPTA) conduz à ora intransponível caducidade da providência, sob a égide do art. 123.º/3 do CPTA.

- 2.ª -Mais, ainda que assim não se verificasse, sempre se constataria que a sindicância do veredito a quo não parte de qualquer pressuposto válido, assenta sim na ignorância calamitosa evidenciada pela recorrente, do legalmente estatuído quanto a esta matéria.

- 3.ª -Acresce, a ostensiva falta de rigor ou desrespeito no que tange à redação da lei processual aplicável, e, pasme-se, culminando, adrede, na aberrante afirmação de que o acto do requerido «ofendeu o conteúdo essencial de um direito fundamental – art. 36.º da CRP.»- 4.ª -Não assiste de todo razão à recorrente, conforme elucidado na presente e bem assim em sede de oposição, pelo que se reitera o aí vertido de que a decisão de afastamento coercivo não tem, nem pode, nos termos imperativamente fixados pelo art. 145.º, fundar-se senão na permanência irregular, nem o tribunal afirma coisa diversa;- 5.ª -É pois inequívoca a legalidade insindicável da decisão de afastamento coercivo, proferida nos termos dos arts. 134.º, n.º 1, al. a) ex vi do artigo 181.º, conjugados com o preceituado nos artigos 145.º a 150.º, da Lei 23/2007, republicada pela Lei nº 29/2012, em moldes tão clarividentes que determinou a existência de fumus malus iuris e a improcedência da providência, como julgado.

Destarte, desde já se impetra o reconhecimento do respetivo efeito, conforme estatuído no n.º 3 do citado art. 123.º do CPTA, i.e., a caducidade da providência cautelar.

No entanto, e sem prescindir, e para a eventualidade (que só hipoteticamente se admite) de tal não se verificar, deve o presente Recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença ora recorrida.

O MP, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

A este respondeu a Recorrente, requerendo que o recurso prossiga conforme alegações oferecidas, assim se fazendo JUSTIÇA.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na sentença foi fixada a seguinte factualidade: 1. A Requerente GA é cidadã de nacionalidade paraguaia – cfr. doc. a fls. 15 a 19 dos autos.

  1. A Requerente entrou, em 2007, no espaço Schengen (Espanha), porque tinha familiares em Sevilha.

  2. Em 2012, a Requerente viajou para Portugal, permanecendo, até à data de entrada da presente providência, na cidade da Lixa, concelho de Felgueiras.

  3. A Requerente trabalhou, a tempo parcial, para a sociedade “I..., LDA.”, como empregada de balcão, de 20 de Março de 2014 a 20 de Setembro daquele ano – cfr. docs. a fls. 20 a 27 dos autos.

  4. A Requerente foi inscrita na Segurança Social sob o n.º 12058188244 – cfr. doc. a fls. 28 a 34 dos autos.

  5. A Requerente registou-se como contribuinte, tendo-lhe sido atribuído o n.º 278187323 – cfr. doc. a fls. 35 e 36 dos autos.

  6. Findo o contrato de trabalho referido em 4, a Requerente abriu um estabelecimento comercial denominado “Café J....” 8. Em 02 de Outubro de 2014, a Requerente abriu actividade junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, com o CAE 56301 – “Cafés” – cfr. doc. a fls. 38 a 41 dos autos.

  7. A 15.09.2015, a Requerente vivia com AJSL, como se marido e mulher se tratasse, o que ocorria desde Julho de 2014 – cfr. doc. a fls. 132 dos autos.

  8. A Requerente solicitou à Entidade Requerida autorização excepcional de residência para exercício de actividade profissional subordinada, pedido registado sob o n.º 75814959 – cfr. doc. a fls. 42 e 43 dos autos.

  9. Na sequência de uma acção de fiscalização levada a cabo pela Entidade Requerida ao estabelecimento de diversão nocturna “K...”, na Lixa, concelho de Felgueiras, no dia 12 de Janeiro de 2014, a Requerente foi identificada e detida, por se encontrar irregularmente no território nacional – cfr. relatório elaborado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, junto aos autos a fls. 46 e 48.

  10. Uma vez detida foi constituída arguida e apresentada ao Tribunal Judicial de Felgueiras, no dia 13 de Janeiro de 2014, onde foi sujeita a primeiro interrogatório judicial que culminou com a aplicação das medidas de coacção de termo de identidade e residência e obrigação de apresentação mensal no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do Porto – cfr. doc. a fls. 46 a 48 dos autos.

  11. Por despacho da Directora Regional do Norte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, datado de 17 de Janeiro de 2014, foi instaurado à Requerente processo de afastamento coercivo do território nacional – cfr. doc. a fls. 46 a 48 dos autos.

  12. À data da detenção, a Requerente não possuía qualquer visto ou outro documento válido que lhe permitisse permanecer, residir ou trabalhar legalmente em Portugal – cfr. doc. a fls. 46 a 48 dos autos.

  13. Pela instrutora do processo de expulsão referido no ponto anterior, foi elaborado relatório, onde se conclui, para além do mais, que: “[...] Verificou-se ainda que a cidadã não se enquadra em nenhuma das situações previstas no art. 135.º da Lei 23/2007, de 4 de Julho, com a nova redacção dada pela Lei 29/12, de 09/08, onde se definem os limites ao afastamento de cidadãos estrangeiros de território nacional, nomeadamente: ter nascido em território português e aqui residir habitualmente; ter a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerça efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegure o sustento e a educação; que se encontre em Portugal desde...

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