Acórdão nº 00302/10.8BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução03 de Junho de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO CV... SOCIEDADE DE PLANTAS, LDA, interpôs recurso jurisdicional do Acórdão proferido no TAF de Viseu que julgou improcedente a acção administrativa especial proposta contra o IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP (antigo IFADAP) para impugnação de acto do Vogal do Conselho Directivo do IFAP, de 17.03.2010, que procedeu à modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas celebrado com o Demandado ao abrigo do Programa Agro – Medida 1 e determinou o reembolso/reposição do montante de 52456,18€ (de capital e de juros), visando a declaração da respectiva nulidade e/ou anulação.

* A Recorrente nas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: “I. Faturas n.ºs 100013 e 100014 de Estufas Metálicas F..., Lda e as faturas 16571 e 16661 da B..., Lda foram consideradas inelegíveis, uma vez que os meios de pagamento utilizados foram emitidos em data posterior à entrega da documentação comprovativa ao IFAP, bem como em momento posterior à emissão da respetiva autorização de pagamento.

  1. E uma parcela do valor gasto foi considerado inelegível porque foi pago em numerário e, não obstante não haver dúvida do seu pagamento, porque refletido na conta corrente do fornecedor, não resultou à evidência o momento em que a mesma foi paga.

  2. Por essa razão, considerou o IFAP o montante proporcional de 45.093,04€, acrescido de juros desde a data da disposição das ajudas, até à elaboração do ofício supra, perfazendo o capital e juros em divida o montante total de 52456,18€, não elegível, por não ser cumprida a Regra n.º 1 – Despesas efetivamente pagas – do Regulamento (CE) n.º 1685/2000 da Comissão de 28 de Julho de 2000, com a última redação dada pelo Regulamento (CE) n.º 448/2004, da Comissão de 10 de Março.

  3. Fazendo assim tábua rasa da circunstância de, no que à execução financeira diz respeito, o projeto não apresentar quaisquer irregularidades que justifiquem que as mencionadas faturas, sejam consideradas não elegíveis.

  4. E isto porque, não obstante os meios de pagamento utilizados terem sido emitidos em data posterior à entrega da documentação comprovativa ao IFAP, bem como em momento posterior à emissão da respetiva autorização de pagamento; VI. O certo é que os pagamentos efetuados pelo IFAP foram efetivamente empregues no fim a que se destinavam, não tendo desta forma ocorrido qualquer prejuízo ao Instituto.

  5. E isto é que é verdadeiramente relevante, independentemente de os documentos de despesa terem sido apresentados como se de reembolsos se tratassem.

  6. A Autora desconhecia que para solicitar o adiantamento da despesa teria de adotar um diferente procedimento, desconhecendo assim quais os procedimentos específicos aplicáveis; IX. Sendo aliás o contrato de atribuição de ajuda, CFR Doc 1, no seu clausulado, totalmente omisso quanto a esta questão, no tocante às obrigações do beneficiário, onde se pode ler tão só o seguinte; X.

    Por outro lado, nunca tal questão foi clarificada por qualquer técnico do IFAP, não tendo, em momento algum, sido suscitada a questão de que, para se pedir uma quantia adiantada, ter-se-ia de adotar diferente procedimento; XI. Não havendo assim qualquer destrinça entre reembolso e adiantamento, sendo seguro que a Autora cumpriu pontualmente a execução do projeto e a ajuda nas finalidades concedidas.

  7. Além disso, apenas em Agosto de 2005, ou seja, em data posterior à emissão das faturas acima identificadas, é que, através de despacho normativo n.º 37/2005 de 2 de Agosto de 2005, ficou devidamente clarificada a forma de requerer adiantamentos, estabelecendo-se a diferença entre estes e o reembolso.

  8. Ou seja, até Agosto de 2005, o adiantamento era tratado como se de um verdadeiro reembolso se tratasse, não existindo assim qualquer irregularidade.

  9. E assim, não obstante ter existido, em concreto, um adiantamento, a situação deverá ser tratada como se de um reembolso de tratasse, à semelhança do que, aliás, aconteceu até Agosto de 2005, data do despacho normativo.

  10. Além disso, nunca poderá o despacho ter efeitos retroativos, não podendo o mesmo ser aplicado a situações anteriores à respetiva publicação.

  11. Por outro lado, o que é mais importante para o presente recurso é que, nos termos do ponto D2 das Condições Gerais do Contrato de Atribuição de Ajuda ao Abrigo do Programa Agro medida 3 (documento n.º 1 que acima se juntou), pode o IFAP, no caso de incumprimento, proceder à modificação unilateral do contrato, desde que tal se justifique face às condições concretamente verificadas na execução do projeto ou à falta ou insuficiência de documentos comprovativos.

  12. Ou seja, ainda que se verifique qualquer incumprimento por parte do beneficiário, a modificação unilateral do contrato não opera imediata e automaticamente.

  13. A modificação unilateral do contrato é uma faculdade que o IFAP tem, ponderadas as condições concretamente verificadas na execução do projeto ou a falta ou insuficiência de documentos comprovativos.

  14. E por isso, não podemos concordar com a afirmação contida na fundamentação do douto acórdão recorrido onde se diz: “No caso em apreço, a administração encontra-se no domínio da atividade vinculada, subordinada ao interesse público e ao princípio da legalidade pelo que, perante uma situação de irregularidades no procedimento não podia ter atuado de outra forma”.

  15. É isto que a recorrente não pode compreender nem aceitar que, em face das razões invocadas e da factualidade assente, se possa considerar que o incumprimento ocorrido por parte daquela, justifique uma modificação unilateral do contrato em termos que impliquem da parte do particular uma devolução de um valor correspondente a cerca de 80 % do total das ajudas concedidas, sem que isso implique uma violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da boa fé ínsitos no artigo 6.º-A do CPA e no artigo 266.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa.

  16. Convém mais uma vez pôr em evidência que, em momento algum, foi posto em causa que a autora tivesse efetuado efetivamente as despesas que disse ter feito, no valor que disse ter feito, ou que tivesse usado o valor que lhe foi entregue a título de ajudas no âmbito do programa para um fim que não o do projeto tido em vista com o contrato.

  17. Por isso, o exercício pela entidade recorrida do seu poder de modificar unilateralmente o contrato e exigir dessa forma a devolução de cerca de 80% das ajudas concedidas afigura-se-nos violadora dos referidos princípios e autentico abuso de direito.

  18. O abuso do direito pressupõe a existência do direito (direito subjetivo ou mero poder legal), constituindo o seu carácter típico no facto de o seu titular na utilização que faz de tal poder contido na estrutura do direito realiza a prossecução de um interesse que exorbita o fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in: "Código Civil Anotado", 4.ª edição revista e atualizada, vol. I, pág. 300, nota 7). Nas palavras de Vaz Serra constitui o mesmo uma “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante" (in: BMJ n.º 85, pág. 253).

  19. Nessa medida, trata-se duma cláusula geral, duma válvula de segurança, para obviar ou obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico inoperante em que redundaria o exercício de um direito.

  20. Daí que existirá abuso de direito quando, admitido em tese geral o mesmo como válido, todavia em concreto surge exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.

  21. E por isso continuamos a entender que o Ato Administrativo, consubstanciado na Decisão proferida no n.º do Processo IRV 1640/2009, Projeto n.º 2003330015284 pelo Vogal do Conselho Diretivo do IFAP, na parte em que considerou inelegíveis, por vícios ocorridos na vertente financeira, 87.862,82 Euros (com os fundamentos das als. d), e) e f) da dita decisão administrativa), viola os princípios da proporcionalidade, da justiça, da boa fé estatuídos no artigos 5.º, 6.º e 6.° A do CPA e no artigo 266º n.º 2 da CRP, configurando-se, nessa parte, o exercício do direito pela entidade recorrida um autentico “abuso de direito”.

  22. Da mesma forma que entendemos que o Tribunal recorrido, ao julgar improcedente o pedido formulado em d) da petição inicial, e ao não julgar procedente a ação, não anulando o ato administrativo impugnado na mesma, também ele violou os referidos normativos legais quando articulados com a norma do artigo 334.º do Cód. Civil, nos termos feitos anteriormente.

    Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e, em seu lugar, ser proferida outra em que se julgue procedente à ação nos termos peticionados em d) do respetivo petitório”.

    * A Recorrida veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso concluindo: A. “Vem o presente recurso interposto do acórdão de 28/4/2014, no entendimento que a decisão impugnada padece de erro nos pressupostos de facto e de direito alegando para o efeito que, bastava que os pagamentos efetuados pelo IFAP, I.P. tivessem sido efetivamente empregues nos fins a que se destinavam, para que não tivesse ocorrido nenhum prejuízo para o Instituto.

    B. Salvo melhor opinião, não lhe assiste razão, pois a decisão final impugnada nos autos, radica de uma ação de controlo, onde se constatou que pela recorrente não foram cumpridas obrigações legais e contratuais de índole financeiro-contabilístico face à constatação da não elegibilidade de algumas despesas por si apresentadas a co-pagamento.

    C. A Medida 1 - Prevenção e Restabelecimento do Potencial de Produção Agrícola do Programa AGRO é paga no âmbito do antigo Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola, (FEOGA-Orientação) sendo-lhe aplicável a...

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