Acórdão nº 00224/10.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Junho de 2016
Magistrado Responsável | Lu |
Data da Resolução | 17 de Junho de 2016 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
OFPS (Rue …) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, que julgou improcedente acção administrativa comum sob a forma ordinária intentada contra Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, E.P.E (Avª …).
A acção, intentada pela recorrente, por si e como cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu pai, JFPB -com intervenção principal dos também herdeiros HMP e MASB-, visou efectivar responsabilidade civil extracontratual, na decorrência de situação de defenestração daquele José Francisco quando estava aos cuidados do réu.
A recorrente, após convite para aperfeiçoamento, formulou as seguintes conclusões de recurso:1. O presente recurso vem interposto do douto acórdão do TAF de Coimbra, o qual julgou totalmente improcedente a ação intentada pela A. ora Recorrente, e onde constam como intervenientes os restantes herdeiros, na qual se peticionava, a condenação da R., ora Recorrida, no pagamento da quantia de €58.614,13, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, a título de indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos por si e pelos seus irmãos em consequência omissão do dever de vigilância que o R. era obrigado, e que ao não cumprir resultou num acidente sofrido pelo seu pai, durante um internamento no Hospital Réu 2. O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de julgar a ação improcedente, por não provada, essencialmente por considerar inexistente o pressuposto relativo à ilicitude, fundamentando a sua decisão dizendo que “Atento o probatório supra, é possível adiantar-se, desde já, que o fundamento no qual, na essência, a Autora estrutura o seu pedido, no que tange ao comportamento dos serviços, que considera na origem da queda em altura de seu pai, ocorrida nas instalações hospitalares, não é passível de considerar-se ilícito.” 3. Não conformada com a decisão, vem a Recorrente interpor recurso, pugnando pela procedência da ação na medida em que tal decisão, surge em clara oposição com os fundamentos de facto e a prova constante nos autos, mostrando um total desprezo por todos os elementos factuais e jurídicos constantes no processo, pois apenas por manifesto erro na apreciação da prova produzida se pode dizer que “a A. não logrou demonstrar que o estado mental do seu Pai, bem como os comportamentos que foram sendo descritos no registo clínico do doente, fosse suficiente para justificar a imobilização forçada do doente ou uma vigilância mais “apertada”.
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Basta proceder à leitura de toda a documentação clínica, que o próprio R. juntou ao processo, a qual foi analisada no decorrer da audiência de julgamento, para concluir que não existem quaisquer dúvidas sobre a existência de motivos suficientes para que fossem providenciadas todas as medidas de segurança para o utente, quer através da aplicação do procedimento de “imobilização” o qual estava indicado na terapêutica a administrar ao doente e foi por diversas vezes aplicado, quer mediante a restrição do utente em espaços reduzidos do serviço, com maior vigilância sobre o mesmo.
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O Recorrente invoca para demonstração de tal factualidade os seguintes documentos clínicos juntos aos autos: a) documento nº 1 a fls 115 da contestação denominado “Plano de Cuidados” elaborado pelo Serviço de Enfermagem em 27/04/2007, no qual resulta referido expressamente que fosse “monotorizada a confusão do doente, providenciando medidas de segurança” b) documento nº 1 de fls.1 a 113 junto com a contestação, denominado “Folhas de Enfermagem” elaborado pelo Serviço de Enfermagem, que constitui, salvo melhor opinião, a prova cabal da falta de coerência de critérios da R. para a aplicação de medidas de contenção ao doente em causa, e confirmar definitivamente a errada valoração da prova pelo tribunal a quo.
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A conclusão não poderá ser outra senão que o próprio tribunal a quo se contradiz, errando no seu julgamento da matéria de facto, quando escreve que “ao Réu hospital não é exigível restringir a liberdade de movimentação dos doentes internados - nem admissível, por violar o núcleo essencial deste direito fundamental - para além do limite mínimo, consubstanciado na exigência de que permaneçam no serviço onde se encontram internados, cuidando em assegurar-lhe aí, o tratamento da patologia que motivou o internamento, bem como condições de segurança e bem-estar.” quando o Réu hospital usou e abusou do procedimento de “imobilização”, com exceção daquele dia fatídico.
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Não pode pois a Recorrente condescender com o Tribunal a quo quando refere que “da verificação da existência de qualquer acto inadvertido do doente, passível de previsão e prevenção por parte dos serviços do Réu”, pois bastava considerar todos os factos provados, nomeadamente, a documentação clínica junta aos autos para, por parte do ente público réu, lhe ser exigível o dever de representação do perigo de o Pai da A. – e não um outro doente qualquer – tentar a fuga.
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Assim sendo, contrariamente à interpretação da lei sufragada pelo Tribunal a quo, sendo a culpa do R. aferida nos termos do art. 487º do Código Civil («ex vi» do art. 4º do DL n.º 48.051, de 21/11/67), e impondo o circunstancialismo do caso e as regras de uma sã prudência que o ente público adotasse uma conduta diversa, semelhante aquela que já havia praticado anteriormente e que praticou depois da queda do utente, forçoso é concluir que o réu praticou uma omissão culposa, ou seja, agiu ilícita e culposamente; de modo que, se verificaram esses essenciais requisitos da responsabilidade civil.
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Face ao exposto, padece a sentença recorrida de erro de julgamento de facto por equívoco de interpretação, valoração e consideração da prova produzida nos autos, nomeadamente nos factos dados como provados e descritos nos números G, H, I, J, K dos factos provados, e dos números 1 a 9 e 17 a 20 dos factos provados na sequência dos depoimentos prestados pelas testemunhas oferecidas e do relatório da perícia médico-legal.
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Isto posto, o acórdão recorrido fez uma incorreta interpretação do artigo 2° e 6º do Decreto-Lei n.º 48.051 de 21 de Novembro de 1967 e violou as normas do Código Civil que regulam a responsabilidade civil (art. 483° e seg.) e o direito à indemnização (art. 562° e segs.).
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Assim sendo, apurados todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual, resta saber agora quais os prejuízos a indemnizar e quantificar as várias parcelas indemnizatórias.
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Dito isto, o R. está obrigado a indemnizar o prejuízo que causou a situação aqui em causa – art.º 798.º, do Código Civil -, traduzindo-se a indemnização na reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação - art.º 562.º, do Código Civil. Na impossibilidade de proceder a esta reconstituição, a indemnização é fixada em dinheiro – 566.º,n.º1, do Código Civil.
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Tendo em conta todos estes fatores, é de concluir que o quantitativo peticionado pela A. e intervenientes principais, é justo e razoável, tendo em conta tudo o aqui referido: A) Indemnização relativa ao valor pago a titulo de mensalidade e valências (medicação), aos serviços do lar da ADFP, no valor de €25.114,13(doc.9 da PI).
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- indemnização em valor nunca inferior de €25.000,00, pelas dores e dano estético e sofrimento psíquico e físico sofridos pelo Pai da A.; C) - indemnização de €7.500,00 pelas dores e sofrimento dos filhos, aqui A. e intervenientes;14. Impõe-se assim a revogação da sentença recorrida, que devia ter julgado a ação procedente e, consequentemente, devia ter condenado o réu a indemnizar a A. e intervenientes pelos danos causados a seu Pai, substituindo-o por outro que acolha as pretensões da ora recorrente, conforme o peticionado.
Face ao exposto e sintetizando:
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Padece a sentença recorrida de erro de julgamento de facto por equívoco de interpretação, valoração e consideração da prova produzida nos autos, nomeadamente nos factos dados como provados e descritos nos números G, H, I, J, K dos factos provados, e dos números 1 a 9 e 17 a 20 dos factos provados principalmente quando a aplicação do procedimento de imobilização foi efetuado por diversas vezes no utente, antes e depois da queda, sendo inadmissível a conclusão de que “da verificação da existência de qualquer acto inadvertido do doente, passível de previsão e prevenção por parte dos serviços do Réu”, havendo assim nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão (alínea c) do nº1 do artº 615º do CPC).
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Padece a sentença de erro de julgamento de direito quando vem considerar inexistente o pressuposto relativo à ilicitude quando o circunstancialismo do caso e as regras de uma sã prudência impunham que o ente público adotasse uma conduta diversa, semelhante aquela que já havia praticado anteriormente e que praticou depois da queda do utente, sendo forçoso concluir que o réu praticou uma omissão culposa, ou seja, agiu ilícita e culposamente; de modo que, se verificaram esses essenciais requisitos da responsabilidade civil; C) Normas jurídicas violadas: artigo 2°, 4º e 6º do Decreto-Lei n.º 48.051 de 21 de Novembro de 1967, art. 483°, 487º, 494º, 496º, 562°, 566º, 798º do Código Civil, art. 94º e seguintes do CPTA e art. 607º e 615º c) do NCPC D) Princípios violados e erroneamente aplicados: maxime o principio da legalidade, in igualdade, proporcionalidade.
O recorrido contra-alegou, concluindo: 1) A presente Resposta reproduz a sentença do tribunal a quo, que julgou totalmente improcedente o pedido da Demandada e ora Recorrente, e consequente absolvição da Ré Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, EPE.
2) Não ficou provado que a Recorrida tivesse agido, por si e por meio dos seus agentes, de forma ilícita para com o já falecido pai da Recorrente, desde a sua entrada nas Urgências atá ao momento da sua alta.
3) Nomeadamente, resulta da matéria de facto provada por documento e dos depoimentos prestados em sede de discussão e julgamento que o acompanhamento, abordagem e decisões levadas a cabo pela...
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