Acórdão nº 00524/13.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelH
Data da Resolução07 de Outubro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: FNF; EMASF Recorrido: Município de Santa Maria da Feira Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou verificada a excepção da prescrição do direito de indemnização que o Autor pretendia efectivar contra o Réu, com consequente absolvição do Réu do pedido indemnizatório formulado.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “1.

No presente recurso, deseja-se colocar totalmente em crise a decisão proferida pelo Tribunal A Quo que julgou improcedente a totalidade da acção proposta pelos aqui recorrentes por considerar verificada a excepção peremptória de prescrição.

Desde logo, 2.

Deveria, ab initio, ter improcedido a aludida excepção de prescrição, pois a mesma nem sequer foi efectivamente peticionada, dado que, o recorrido apenas alegou a excepção de prescrição no seu dispositivo do articulado, contudo, não chegou a peticionar a mesma no seu petitório final do mesmo articulado, sendo certo que, a mesma não pode ser oficiosamente decretada pelo Tribunal mas antes deve ser alegada e peticionada a final (no petitório), pelo réu (aqui recorrido), o que não sucedeu.

Sem prescindir, 3.

A sentença recorrida faz, desde logo, uma presunção não suportada em qualquer facto (entre muitas), dado que, sem qualquer elemento factual, presume que ambos os recorrentes tiveram conhecimento da ocupação ilegal em 2008, contudo, aquela expressão refere-se à comunicação (informal) ao recorrente marido da intenção de permuta e não em relação à deliberação da Câmara.

  1. Existiu uma presunção, não suportada por qualquer prova, de que a recorrente mulher teve conhecimento na mesma altura, o que pode não ter sucedido.

  2. Obviamente que, tais factos apenas poderiam ser esgrimidos em sede de audiência de discussão e julgamento através de prova testemunhal, dado não existir qualquer suporte escrito e inequívoco para tal facto.

    Acresce que, 6.

    É manifestamente importante o facto de tal ocupação ILÍCITA, constituir um crime de usurpação de coisa imóvel, previsto e punido pelo artigo 215º do CP (Código Penal), bem como e eventualmente, um crime de abuso de confiança, tal como, o facto dos cadeados e aloquetes que colocados pelos recorrentes serem destruídos e estroncados.

  3. Não só o recorrido terá ocupado o imóvel (na parte do logradouro), com recurso à violência (estroncamento), como “vendeu/doou” coisa alheia (lugar de garagem).

  4. Configurando-se uma clara má-fé negocial por parte do recorrido e, bem assim, uma clara actuação em abuso de direito, com eventuais contornos criminosos.

  5. Não se olvidando, ainda, o crime de dano previsto e punido pelo artigo 212º do CP ou, eventualmente, dano qualificado (artigo 212º do CP) e o crime de roubo.

  6. Ora, constituindo a ocupação, a “venda/doação”, o dano, o roubo e o estroncamento factos ilícitos e constituírem crimes, aplica-se aqui o prazo de prescrição de tais crimes, ou seja, pelo menos 5 anos, nos termos e para os efeitos do art. 498º, nº 3 do CC (Código Civil).

  7. Razão pela qual, não se encontrava prescrito o direito de indemnização dos aqui recorrentes, aquando da entrada da competente petição inicial (mesmo que se “presuma” que ambos os recorrentes tiveram conhecimento da ocupação, “venda” e danos ilícitos, no ano de 2008).

    Sem prescindir, ainda 12.

    Não se concebe como pode a sentença recorrida “presumir”, sem qualquer produção de prova, o momento em que foram provocados e conhecidos todos os danos no imóvel, dado que, estes podem nem sequer ter ocorrido ou ser do conhecimento de ambos os recorrentes há mais 3 anos, aquando da instauração da acção.

  8. O mesmo sucede com referência ao momento da “venda/doação” do lugar de garagem, dado que, não existe qualquer produção de prova quanto a tal aspecto.

  9. Aliás, basta consultar o documento nº 34 junto pelos aqui recorrentes, para se poder verificar que nenhum dano é aí referido.

  10. Basta ler, “na diagonal” a petição inicial dos recorrentes para se verificar que são alegados e peticionados muitos outros danos, além da ocupação ilegal.

  11. Ora, onde está a prova de que tais danos tenham mais de 3 anos aquando da instauração da acção e que os mesmos eram já conhecidos de ambos os recorrentes há mais de 3 anos?! 17.

    Tais danos não necessitariam de uma ocupação ilícita para se produzirem, razão pela qual, sempre se deverão considerar independentes daquela, dado que, a ocupação poderia existir sem ter ocorrido qualquer daqueles danos.

  12. Aliás, o próprio recorrido menciona no seu artigo 24 da contestação que a prescrição apenas deveria importar a absolvição parcial do pedido, não podendo a sentença recorrida, oficiosamente, fazer operar a prescrição sobre a totalidade do pedido por lhe ser, manifestamente, vedado pela lei.

    Assim, 19.

    Haveria que ter improcedido, na sua totalidade, a alegada (mas não peticionada) prescrição ou, sem prescindir, ser apenas parcialmente procedente (conforme alegado pelo recorrido) ou, ainda sem prescindir, ser relegada a decisão quanto à prescrição da totalidade dos danos para fase posterior à produção de prova.

  13. Sob pena de ficar, totalmente, subvertidos os direitos dos recorrentes e haver uma clara ofensa do conteúdo essencial de direitos fundamentais dos mesmos pois, estão em causa direitos tão basilares de um Estado de Direito, como sejam, a posse e a propriedade.

  14. A decisão recorrida viola, assim e entre outras, as regras constantes dos artigos 303º e 498º, ex ui, CPTA NESTES TERMOS, dando-se provimento ao recurso, nos termos supra melhor expostos, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que dê provimento ao supra peticionado pelos recorrentes, fazendo improceder, na sua totalidade, a alegada (mas não peticionada) e inexistente prescrição (498º, nº 3 do CC) ou, sem prescindir, ser apenas parcialmente procedente (conforme alegado pelo recorrido) ou, ainda sem prescindir, ser relegada a decisão quanto à prescrição da totalidade dos danos para fase posterior à produção de prova, evitando-se assim uma clara injustiça, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!!! O Recorrido não contra-alegou.

    O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, em termos que se dão por reproduzidos.

    De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece dos erros de julgamento da excepção da prescrição do direito de indemnização, adiante pontualmente identificados.

    Cumpre decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA A matéria de facto a que se ateve a instância a quo é a seguinte: A) Os AA foram donos e legítimos proprietários de uma fracção autónoma com a letra "S" do prédio denominado "Edifício RB" afecto ao regime de propriedade horizontal sito no Lugar da C..., na Rua JP II, n.ºs 562, 572, 586 e 600, freguesia de A..., concelho de Santa Maria da Feira, consubstanciada em lugar de estacionamento, na Segunda Cave, com acesso a partir da Rua JP II, 562, com a área de 15,53 m2 e logradouro na traseira do edifício, com acesso a partir da Rua da I… e da Rua JP II, 562, com a área de 9.427,9 m2, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n° 12…1-S, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3…-S (facto admitido).

    B) Tal fracção autónoma foi adquirida pelos AA, em 2004, à sociedade Im... Construções Imobiliárias, Lda., Pessoa Colectiva n.º 50…, por compra, facto que foi registado na Segunda Conservatória do Registo Predial, em 23/01/2009, pela Ap. 3…. (docs. 1 a 5 juntos com a PI) C) A Câmara Municipal de Santa Maria da Feira foi dona e legítima proprietária e possuidora do Lote n.º 4, com a área de 700 m2, sito no Lugar de Az..., Freguesia de A..., Concelho de Santa Maria da Feira, titulado pelo Alvará de Loteamento n° 12/2001, daquela Câmara, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3… (doc. 6 junto com a PI).

    D) Os Autores alegam que em inícios de 2008, a Câmara contactou o A. marido no sentido da supra referida fracção e seu logradouro serem objecto de permuta com o lote referido em 3, acrescido de uma compensação financeira líquida no valor de € 20.000,00.

    E) Em Reunião Ordinária de 13/10/2008, sob o Ponto 3, sob proposta do Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, foi deliberado por unanimidade ''permutar o lote 4, propriedade da Câmara Municipal, com a área de 700 m2, sito no lugar de Az..., na freguesia de A..., titulado pelo alvará de loteamento n° 12/2001, juntamente com uma compensação financeira no valor de € 20.000,00, pela fracção "8" do prédio sito no lugar de C..., Rua JP II, n.ºs 562, 572, 586 e 600, na freguesia de A..., constituída por um lugar de estacionamento na segunda cave, com a área de 15,53 m2 e logradouro na traseira do edifício com a área de 9.427,9 m2, propriedade de "Im...-Construções Imobiliárias, Lda.

    , desde que, para efeitos da escritura de transmissão, a firma proprietária apresente certidão emitida pela competente Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, de todas as descrições e inscrições em vigor, bem como do cancelamento das respectivas hipotecas e ainda após obtenção de autorização de todos os condóminos para utilização plena do terreno." (doc. 7 junto com a PI).

    F) Na presente acção os Autores alegam que tal deliberação da Câmara, foi comunicada ao Autor marido e foi-lhe assegurado que a escritura de permuta e o pagamento da compensação financeira seriam realizados dentro do máximo de mês ou mês e meio.

    G) Acto contínuo, o Réu tomou posse da fracção autónoma e seu logradouro, mas sem o consentimento ou autorização dos Autores.

    H) Os Autores alegam que sempre que abordada pelos Autores, o Réu não desocupava o terreno; que o...

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