Acórdão nº 00102/14.6BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução21 de Outubro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo do Norte: I – RELATÓRIO STAL – SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL, EMPRESAS PÚBLICAS, CONCESSIONÁRIAS E AFINS, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pelo STAL, em representação e defesa dos seus associados, contra o MUNICÍPIO de VILA NOVA DE FAMALICÃO, tendente a obter a declaração de nulidade ou a anulação do Despacho de 27-11-2013, proferido pelo Presidente da Câmara do Município de Vila Nova de Famalicão, que procedeu à alteração do período normal de trabalho para 8 horas diárias e 40 horas semanais, nos termos da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto.

* Em alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “A)- Por despacho proferido no dia 11/05/2016, o Tribunal a quo decidiu julgar extinta a reclamação para conferência da sentença que julgou totalmente improcedente a acção apresentada pelo Autor no dia 11/09/2015 e passar a haver recurso da decisão que havia sido objecto daquela reclamação, determinando, para o efeito, a abertura do respectivo prazo de recurso com a notificação desse despacho.

B)- Apesar de discordarmos do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo de que a revogação do disposto do n.º3 art.º 40.º do ETAF pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, que entrou em vigor no dia 03/10/2015, conforme seu art.º 15.º, n.º4, é de aplicação imediata aos processos pendentes, por confrontar, no nosso entender, o disposto da regra geral transitória constante do art.º5.º, n.º1 do ETAF, que regula a competência dos tribunais em caso de sucessão de leis no tempo e determina que a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, assim, afinal, ao contrário do decidido, mantendo-se a competência e funcionamento dos tribunais colectivos nos processo pendentes, mas uma vez que o Tribunal a quo não se limitou sem mais a extinguir a dita reclamação para conferência, antes viabilizando o recurso da referida sentença em lugar dela, vem, então o presente recurso interposto da sentença proferida pelo senhor Juiz Relator do Tribunal a quo no dia 29/07/2015 que julgou totalmente improcedente a acção intentada pelo ora Recorrente, visando a sua reapreciação quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito; C)- O ora Recorrente intentou a presente acção judicial visando a invalidade do despacho proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão no dia 27/09/2013, que alterou o período normal de trabalho diário e semanal de todos os trabalhadores do Município de Vila Nova de Famalicão de 7h/dia e 35h/semana para 8h/dia e 40h/semana e os respetivos horários de trabalho em conformidade, ao abrigo da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto, junto como doc.1 à petição inicial.

D)-Para lá do vício decorrente da inconstitucionalidade suscitada das normas constantes dos art.ºs 2.º e 10.º da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto e da interpretação correctiva efectivada pelo Tribunal Constitucional quanto ao sentido e alcance das mesmas - e na qual o referido Tribunal Constitucional viria a alicerçar-se, como se alicerçou, para fundamentar e decidir as não declarar inconstitucionais no seu Acórdão n.º 794/2013, de 21/11/2013-, foi também imputado ao aludido acto administrativo, que constitui objecto da presente acção, o vício de forma decorrente do não cumprimento por parte do Réu das formalidades essenciais imperativas constantes do n.º2 do art.º 135.º do Regime do Contrato em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 59/2008, de 11/09 (adiante abreviadamente designada por RCTFP), conforme resulta do articulado no art.º 6.º da petição inicial.

E)- A respeito deste último vício de forma por preterição de formalidades essenciais constantes do dito n.º2 do art.º 135.º do RCTFP, o Exmo Senhor Juiz Relator do Tribunal a quo confinou as exigências contidas no referido preceito legal à audição dos trabalhadores e dos seus representantes, concluindo, desta feita, em face da matéria de facto que considerou provada e não provada, totalmente carecido de suporte legal o referido vício, julgando a acção improcedente também nesta parte.

F)- É dessa parte da sentença que se discorda e vem interposto o presente recurso. Salvo o devido respeito, o Exmo Senhor Juiz Relator do Tribunal a quo ao ter decidido, como decidiu, não fez uma correcta interpretação do direito aplicável e consequentemente não fez uma correcta apreciação da matéria de facto em discussão, assim também não aplicando correctamente o direito atinente.

G)- Da análise do disposto do n.º2 art.º 135.º do RCTFP resulta que o legislador não estabelece apenas como formalidade essencial ao procedimento da alteração dos horários de trabalho a prévia audição dos trabalhadores afectados e dos seus representantes. Reza assim o cit. disposto do n.º2 do art.º 135.º do RCTFP no que ora releva: Artigo 135.º Alteração do horário de trabalho (…) 2 - Todas as alterações dos horários de trabalho devem ser fundamentadas e precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade.

- o negrito é de agora.

H)- Como se pode verificar do supra transcrito art.º 135.º, n.º 2 do RCTFP, além do dever de prévia e impreterivelmente ouvir os trabalhadores e os seus representantes (comissão de trabalhadores ou as comissões sindicais ou intersindical ou aos delegados sindicais), o legislador faz ainda impender sobre a entidade empregadora pública que pretenda alterar o horário de trabalho dos seus funcionários o dever de fundamentar essa alteração do horário de trabalho.

I)- Estes deveres imperativos de prévia auscultação e fundamentação têm uma razão de ser fundamental: é que se, por um lado, o poder de organização dos tempos de trabalho constitui um instrumento fundamental de gestão da empresa que, regra geral, pertence ao empregador, por outro lado, o horário de trabalho é também, simultaneamente, uma referência fundamental da organização da vida de um trabalhador que goza outrossim de assento constitucional.

J)- O que faz elevar os referidos deveres imperativos de auscultação e fundamentação ao patamar das denominadas formalidades essenciais – cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos in “Direito Administrativo Geral – Actividade Administrativa – Tomo III”, Dom Quixote, 1.º edição (Fevereiro de 2007), pág. 156, parágrafo 197.

K)- O vício de forma por preterição de formalidades essenciais é susceptível de gerar a nulidade do acto administrativo sempre que essa preterição envolva a violação de direitos fundamentais nos termos do art.º 133.º, n.º2 do Código de Procedimento Administrativo – cfr. ibidem, pág. 163, parágrafo 214.

L)- No que o dever de fundamentação da alteração do horário de trabalho, in casu, impõe-se, com particular acuidade, atento o cenário de privação que o mesmo comporta no exercício dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

M)- Assim o reconhece o cit. Acórdão n.º 794/2013 do Tribunal Constitucional, na sua alínea F) da fundamentação: (…) Na verdade não pode negar-se existir efectivamente, uma óbvia diminuição do salário/hora com implicações (também) no que respeita à remuneração do trabalhão extraordinário, já que sofrerá cerca de uma redução de 14% segundo o cálculo dos requerentes.

(…) Não se ignora que o aumento do período normal de trabalho diário possa originar despesas adicionais para os trabalhadores (relacionados com transportes, com o cuidado de ascendentes e descendentes, etc.), mas em todo o caso há ter presente que o grande prejuízo que as normas impugnadas lhes trazem é de tempo: o tempo disponível para si mesmos, para as suas famílias e para o conjunto de direitos fundamentais consagrados na Constituição (direito ao livre desenvolvimento da personalidade, liberdade de criação e fruição cultural, liberdade religiosa, liberdade de aprender e ensinar, liberdade de associação, entre outros), que se reconduzem a dimensões importantes na vida.

(…) N)- Os direitos que gozam de garantia constitucional só podem ser restringidos nos casos e termos expressamente previstos na lei, conforme disposições combinadas dos art.ºs 17.º e 18.º ambos da Constituição da República Portuguesa.

O)- Do que se conclui que, independentemente dos art.ºs 2.º e 10.º da lei n.º 68/2013 não terem sido julgadas inconstitucionais, dada a restrição que a aplicação desta nova lei importa para os referidos direitos fundamentais, como o próprio tribunal constitucional admitiu, qualquer alteração do horário de trabalho de incremento aos novos limites máximos, como é o caso, há-de inexoravelmente que ser necessária e exigível pelos interesses públicos cuja actividade administrativa visa prosseguir, como os sacrifícios dos trabalhadores, vindos de arrazoar, hão-de ser adequados e proporcionais a essa alteração/finalidade, o que tudo há-de resultar da fundamentação do acto ou da norma administrativa que altera o horário de trabalho.

P)- Revertendo ao caso dos autos, foi a seguinte a matéria de facto dado como provada e não provada conforme ponto III FACTOS PROVADOS da sentença de que se recorre: Factos Provados: 1) Em 27 de Setembro de 2013, o Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão proferiu o seguinte despacho (doc. 1 junto com o requerimento inicial) 2) O despacho proferido em 27.09.2013, foi precedido da audição dos trabalhadores assim como das estruturas sindicais representativas destes (STAL e SINTAP) – cfr. doc. a fls. 42 do suporte físico dos autos.

3) A petição inicial deu entrada, via correio electrónico, em 15 de Janeiro de 2014.

Factos não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT