Acórdão nº 01665/10.0BEBRG-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução08 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO JFV interpôs recurso jurisdicional do Acórdão proferido no TAF de Braga, no âmbito da acção administrativa especial por si proposta contra o MUNICÍPIO DE BARCELOS, mediante o qual foi julgada improcedente a Reclamação para a conferência deduzida contra o despacho saneador de procedência da excepção de caducidade do direito de acção de impugnação de acto praticado pelo Presidente da Câmara Municipal em 07/01/2010, absolvendo o Município da instância quanto ao referido acto, prosseguindo os autos quanto aos demais actos impugnados.

* Nas alegações de recurso, a Recorrente apresenta as seguintes conclusões que delimitam o objecto do recurso: “A.- A impugnação do acto de 7/1/2010 não é intempestiva, pois está em causa a nulidade do acto impugnado. Ao contrário do referido Acórdão não está apenas em questão a violação do direito ao trabalho consagrado no art. 58º do Constituição e dos direitos dos trabalhadores enunciados no art. 59º.

B.- O art. 59º/1/b) do Constituição garante a todos os trabalhadores, sem distinção de convicções políticas ou ideológicas, a organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal.

C.- Nesta disposição da Constituição está incluído um “direito económico, social e cultural” (direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes), mas reafirma-se, no que respeita aos direitos dos trabalhadores, o princípio fundamental da igualdade, nomeadamente a proibição de prejudicar os trabalhadores em função das suas convicções políticas ou ideológicas.

D.- No caso em apreço o que motivou o despacho impugnado, que determinou que o Autor passasse a exercer as suas funções nas instalações do Estádio Cidade de Barcelos, foi o programa radiofónico difundido 2 dias antes em que este criticou abertamente o executivo camarário.

E.- O despacho de 7-Janeiro-2010, que teve um conteúdo manifestamente punitivo (por causa do programa de 5/Janeiro/2010), foi proferido sem audiência prévia do Autor (art. 269º, nº 3, da C. Política), e, até, sem processo disciplinar prévio.

F.- O acto impugnado viola o núcleo essencial do princípio fundamental da igualdade e o art. 59º/1 da Constituição, na medida em que nega ao Autor direitos básicos dos trabalhadores por motivos ideológicos. Trata-se, por isso de um acto nulo, impugnável a todo o tempo.

G.- Se o tribunal a quo tinha dúvidas quanto aos factos motivadores do acto impugnado, deveria ter efectuado a selecção da matéria controvertida e submeter esta matéria à prova.

H.- Assim, o Acórdão Recorrido violou o princípio fundamental da igualdade, o art. 59º/1 da Constituição e o art. 133º/1/d) do CPA.

I.- O douto acórdão em apreço padece de erro de julgamento por não considerar o acto nulo: - o acto impugnado tem um conteúdo física e juridicamente impossível e consubstancia um crime de abuso de poder.

J.- O Acórdão não aprecia a existência da nulidade do acto administrativo por este consubstanciar um crime de abuso de poder por este vício não se mostrar expressamente invocado no articulado inicial.

L.- Violando o dever de conhecimento oficioso dos vícios que importem a nulidade do acto administrativo (art. 95º/1 CPTA) e o dever de identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas (art. 95º/2 CPTA).

NESTES TERMOS deverá ser revogado o acórdão em apreço.” *A Recorrida contra-alegou, pedindo que seja negado provimento ao recurso: “ 1. O art. 58º da CRP (direito ao trabalho) contém um direito fundamental que não é um DLG (portanto, um direito com natureza positiva ante o Estado e sem exequibilidade directa), consubstanciado num direito a obter emprego.

  1. O art. 59º da CRP (direitos dos trabalhadores à retribuição, à organização digna do trabalho e ao repouso) contém um direito fundamental que não é um DLG (portanto, um direito com natureza positiva ante o Estado e sem exequibilidade directa), um direito a trabalhar em certas condições ali previstas, v.g. a organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal. É um direito positivo perante o Estado. Não é um direito subjectivo.

  2. O conteúdo essencial de um direito fundamental visado no art. 133º CPA reporta-se ao núcleo duro de um DLG (ou à ofensa chocante e grave de um principio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária).

  3. Assim, os vícios elencados pelo A. não podem, manifestamente, caber no elenco das nulidades, motivo pelo qual bem decidiu o Tribunal ao absolver o R. por caducidade do direito de acção.

  4. Pela primeira vez, na conclusão D, o A. despe a capa cobarde da ambiguidade das palavras e assume que o programa radiofónico com o título “Nas próximas eleições vou votar nas prostitutas porque já foram eleitos os filhos” tinha por finalidade criticar o executivo camarário.

  5. As tarefas desempenhadas pelo A., não sendo tarefas políticas, são tarefas que podem, quando desempenhadas sem o necessário profissionalismo, ter profundas repercussões nesse campo.

  6. A gestão da comunicação do Município não tem que ser feita por fervorosos apoiantes do partido A ou B. Tem que ser feita por funcionários zelosos, que consigam desempenhar as suas funções de forma empenhada e isenta.

  7. Resumindo: o A. não foi discriminado pelas suas convicções políticas, e nem sequer foi praticado pelo Município qualquer acto que lhe fosse desfavorável (caindo assim por terra o argumento da falta de audição prévia, que também mais não é do que uma mera anulabilidade).

  8. O A. foi antes chamado a desempenhar funções que estão de acordo com as suas habilitações, mas menos susceptíveis de sofrerem interferência em razão da sua incapacidade de deixar a política de fora do seu trabalho.

  9. O acórdão não aprecia a questão do crime de abuso de poder porque, para além de não ser alegada inicialmente, representa, com o devido respeito, um disparate. Embora o dever previsto no art. 95º do CPTA exista, o seu cumprimento não obriga o tribunal a conceder “tempo de antena” a todos os caprichos das partes.

* A Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

* Cumpre apreciar e decidir.

** II – DO OBJECTO DO RECURSO As questões a apreciar e a resolver, nos limites das conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, resumem-se a saber se a decisão recorrida jugou erradamente ao (i) considerar verificada a excepção da caducidade do direito de acção de impugnação do...

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