Acórdão nº 00467/10.9BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução04 de Março de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A CGA – Caixa Geral de Aposentações, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por MAHM, tendente, em síntese, a impugnar o Despacho da Direção da CGA, de 15 de Julho de 2010 que indeferiu o seu pedido de aposentação por incapacidade, inconformada com o Acórdão proferido em 15 de Dezembro de 2011 no TAF de Mirandela, que julgou a Ação procedente, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão para este TCAN.

Formulou a então Recorrente/CGA nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões: “

  1. A decisão recorrida deve ser revogada, por violação do princípio de separação e interdependência a que os tribunais como órgão de soberania se encontram sujeitos ínsito no artigo 3.º, n.º 1, do CPTA, o que determina a nulidade do Acórdão nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 1.º do acima aludido CPTA.

  2. Os factos vertidos nos artigos 1.º a 16.º da douta PI da ora recorrida não carecem de impugnação, por nada comprovarem, dado o seu conteúdo se reportar apenas à descrição histórica das vicissitudes por que a ora recorrida terá passado desde o momento em que começou a padecer das maleitas que vieram a dar lugar à instrução do processo administrativo para habilitação a pensão de aposentação até ao veredicto final da Junta de Recurso realizada em 6 de Julho de 2010.

  3. Por outro lado, o que a Entidade Demandada pretende é contrariar com objetividade as afirmações efetuadas pela ora recorrida, de todo incorretas, através dos elementos objetivos constantes do processo instrutor, ao contrário do que o douto Acórdão recorrido afirma que a “Ré apenas impugna vícios formais que a A. atribuiu ao parecer da Junta Médica (…)”.

  4. Quanto às afirmações efetuadas pela ora recorrida em sede de direito (ou melhor, II. O DIREITO – a partir do artigo 17.º da PI), carecem de ser concretizadas, não bastando invocar o padecimento de uma certa doença, ainda que clinicamente diagnosticada, para que se conclua, de imediato, sem mais, que, por si só, já determina incapacidade total e permanente para o exercício de suas funções.

  5. De qualquer forma, nada na lei exige que a Junta Médica da Caixa se pronuncie sobre cada facto evidenciado pela ora recorrida, nomeadamente sobre a falta de força no braço direito; sobre o facto de não conseguir conduzir um veículo automóvel; de não conseguir escrever durante mais que um curto espaço de tempo, nem que seja ao computador; sobre a dificuldade de desenvolver projetos na sua área de atuação; etc., etc.

  6. O parecer da Junta Médica que o Tribunal “a quo” considera ser insuficiente para contradizer os factos aqui descritos, bem como todos os outros que se consideraram provados, antes pelo contrário, ainda que sintético, encontra-se devidamente fundamentado, indicando sucintamente as motivações que conduziram ao veredicto final de indeferimento, tal como acima discriminadamente se evidencia.

  7. Ora, convém, sublinhar que os exames efetuados pelas juntas médicas da Caixa Geral de Aposentações correspondem a uma atividade inserida na chamada discricionariedade técnica, uma vez que traduzem a aplicação de princípios e critérios extrajurídicos, de natureza técnica, próprios das ciências médicas, como, aliás, tem sido expressamente reconhecido pela jurisprudência referente a tais juntas.

  8. Na verdade, a tecnicidade e especialização dos conhecimentos aplicados conduz a que a fiscalização jurisdicional sobre o conteúdo das soluções atingidas se restrinja a casos-limite, a situações excecionais em que se torna patente mesmo a um leigo – como é o juiz – o carácter ostensivamente inadmissível, grosseiramente erróneo, dos resultados que a Administração afirma estarem fundados em regras técnicas.

  9. Só nestes casos extremos é que o juiz se imiscuirá no exercício da discricionariedade técnica da Administração, anulando os correspondentes atos administrativos com fundamento em "erro manifesto de apreciação" (cfr., de entre uma jurisprudência - numerosa e constante, os Acórdãos do STA de 16/1/1986, processo n.º 20.919; de 22/3/1990, processo n.º 18.093; de 16/2/2000, processo n.º 38.862; e de 30/1/2002, processo n.º 47.657).

  10. Porém, o Tribunal “a quo” partindo da análise das duas posições técnicas distintas intervenientes nos autos, por um lado, e por outro, de os atos médicos carecerem de idêntica fundamentação da exigida, por lei, para os atos jurídicos, prossegue no raciocínio erróneo que havia anteriormente iniciado, incorrendo, assim, no erro de fazer juízos de mérito médico-científicos ao comparar os referidos pareceres antagónicos.

  11. Com esse fundamento o Tribunal “a quo” esquece-se de que, face ao disposto no artigo 96.º, n.º 2, do Estatuto de Aposentação, apesar da existência de outros exames oficiais, pareceres médicos, perícias clínicas, etc.…, o parecer da Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações é sempre independente, ou seja, prevalece sobre os emitidos por qualquer dos médicos que, embora intervindo no processo, dela não constituam parte integrante.

  12. Na verdade, abonando-se para o efeito numa longa e consolidada orientação jurisprudencial e doutrinária relativa às matérias da discricionariedade técnica, a lei atribui à Ré prorrogativas de valoração e decisão sobre a matéria da perícia (cfr., v. g., os artigos. 89.º e 97.º do Estatuto da Aposentação).

  13. Nesta conformidade, pelos motivos aduzidos, o Acórdão recorrido, em clara flagrante violação dos princípios de separação de poderes (por usurpação de competências), fez errada aplicação e interpretação da lei, devendo ser considerado nulo, e por isso revogado.

    Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, mantendo-se o ato por ela anulado.” A então Recorrida/MAHM veio apresentar contra-alegações de Recurso, onde se concluiu: “1ª Por força da patologia dada por provada pelo Tribunal a quo, estão preenchidos os requisitos – a criação de uma situação de facto consumado ou geradora de prejuízos de difícil reparação – de que o nº 3 do artº 143º do CPTA faz depender a atribuição de efeito devolutivo, pelo que, para acautelar a saúde da ora recorrida e para impedir que alguém que foi reconhecido judicialmente como absoluta e permanentemente incapaz para trabalhar possa ter de estar a curar da “causa pública”, deve ser atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso interposto pela CGA.

    2ª O objeto do recurso jurisdicional é delimitado pelas conclusões das alegações (v., por todos, o Acº do TCASUL de 28/5/2002, Proc. nº 6447/02), pelo que, não impugnando a recorrente jurisdicional a matéria de facto dada por provada pelo Tribunal a quo, apenas importa curar da violação do princípio da separação de poderes e do alegado erro de julgamento por se ter invadido a esfera da discricionariedade técnica sem que alegadamente houvesse um erro manifesto por parte da Administração. Porém, 3ª Atualmente é pacífico que “julgar a administração é ainda julgar” e que os Tribunais administrativos são tribunais dotados de plena jurisdição (v. AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, CPTA Comentado, 2005, págs. 31 e 32), pelo que o princípio da divisão ou da separação de poderes não implica que haja uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra do juiz condenar, dirigir injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos à Administração (v., nestes sentido, o Acº do TCANORTE DE 27/5/2010, Proc. nº 240/08BEPNF; v. igualmente o Acº do mesmo Tribunal de 1/10/2010, Proc. nº 514/08.4BEPNF e ainda SÉRVULO CORREIA, “Direito Contencioso Administrativo”, volume I, pág. 777).

    4ª Do âmbito da jurisdição administrativa apenas fica o controlo dos juízos de conveniência ou oportunidade da atuação administrativa, o que seguramente não é o caso da determinação da capacidade ou incapacidade absoluta e permanente para o trabalho, uma vez que esta não está dependente de qualquer oportunidade ou conveniência mas antes da comprovação médica de uma realidade e de um juízo do foro científico que pode e deve ser controlado pelo Tribunal. Por isso mesmo, 5ª Não assiste a menor razão à recorrente jurisdicional quando sustenta que o Tribunal a quo violou o princípio da separação de poderes ao reconhecer que a A. estava absoluta e permanentemente incapaz para o serviço e ao condenar a CGA a aposentá-la, uma vez que os Tribunais administrativos são tribunais dotados de plena jurisdição e podem controlar a materialidade dos factos em que assentou a decisão administrativa, pelo que não estando em causa qualquer juízo de conveniência ou oportunidade da decisão administrativa não há qualquer intromissão da função judicial na função administrativa. Acresce que, 6ª Em virtude de serem Tribunais de plena jurisdição e em virtude da consagração do princípio da tutela judicial efetiva, também nos domínios da discricionariedade técnica o Tribunal não se pode limitar a um controlo formal e restrito ao erro ostensivo ou grosseiro, antes abrangendo o controlo da materialidade e existência dos factos invocados e da justiça da decisão (v. ROGÉRIO SOARES, Administração Pública e Controlo Judicial, Rev.Leg.Jur., Ano 127, nº 3845, pág. 233 e PAULO VEIGA E MOURA, A Privatização da Função Pública, 2004, págs. 68 e 69, nota 188).

    7ª Consequentemente, o aresto em recurso não incorreu em erro de julgamento ao considerar que a A. estava absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, pois, perante a prova documental que foi junta, perante a ausência de impugnação da factologia constante da p.i. por parte da entidade demandada, o Tribunal limitou-se a exercitar o princípio da livre apreciação e valoração da prova que lhe assiste (v. artº 665º do CPC), dando por provados factos que comprovam um estado de incapacidade absoluta e permanente da A. para o...

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