Acórdão nº 00231/10.5BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Março de 2016
Magistrado Responsável | Jo |
Data da Resolução | 04 de Março de 2016 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO Município de Ovar veio interpor recurso do acórdão pelo qual o TAF de Aveiro julgou procedente a presente acção administrativa especial instaurada por PD..., Comércio por Grosso de Materiais de Construção, S.A e anulou a deliberação proferida pela Câmara Municipal de Ovar, em 3 de Dezembro de 2009, nos termos da qual foi decidido resolver o contrato de prestação de serviços de extracção e retirada de inertes e accionar a garantia bancária no valor de 361.920 €.
Em alegações o RECORRENTE formulou as seguintes conclusões: 1.ª Através de ofício datado de 10.10.2008 (completado pelo de 15.06.2009), a Câmara Municipal de Ovar comunicou à A. o incumprimento da quantidade de retirada de inertes ajustada entre as partes e deixou inequívoco que considerava que esse incumprimento constituía causa de resolução do contrato.
2.ª Esse anúncio consubstancia a concessão à Recorrida da possibilidade de exercício do contraditório, tanto mais que o regime legal aplicável ao contrato não prevê as especiais exigências hoje consignadas no art. 308 do CCP.
3.ª Mesmo que assim não se considerasse e se entendesse que não foi assegurada uma verdadeira audiência prévia, sempre a omissão da formalidade teria de julgar-se degradada em não essencial (e, consequentemente, não invalidante do acto impugnado), uma vez que os fins visados por Lei se mostram atingidos (nemo damnare inaudita parte), não tendo o acto impugnado constituído, para a Recorrida, surpresa alguma.
4.ª «As circunstâncias de facto em que foi tomada a decisão de resolução do contrato demonstram que o interesse público envolvido na contratação desde há muito tempo impunha aquela medida», como bem assinalou oportunamente este Tribunal Central, pelo que, também por esse motivo, deve julgar-se a suposta ilegalidade degradada em irregularidade não invalidante.
5.ª Ao decidir em sentido diverso ao propugnado nas conclusões antecedentes, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente o preceito do art. 100 do CPA.
TERMOS EM QUE, no provimento do recurso, deve revogar-se a decisão recorrida e julgar-se a acção totalmente improcedente.
A RECORRIDA contra alegou e interpôs recurso subordinado, que foi admitido, tendo formulado as seguintes conclusões: 1ª O recurso independente é manifestamente improcedente quando sustenta que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente o vício de violação do princípio da audiência dos interessados, pois não só esta audiência era obrigatória no caso sub judicie – até por não ocorrer nenhuma das situações tipificadas no artº 103º do CPA – como é por demais notório que tal formalidade não foi cumprida, pelo que, não havendo qualquer fundamento que tenha sido oportunamente alegado e que permita com segurança afirmar que tal formalidade se degradou em não essencial, bem andou o aresto em recurso ao anular o acto impugnado por violação do princípio consagrado no artº 100º do CPA.
Na verdade, 2ª O direito de audiência prévia foi a principal inovação introduzida pelo CPA em 1992, sendo aplicável mesmo no âmbito de procedimentos especiais em que não haja disposição expressa nesse sentido (v. neste sentido FREITAS DO AMARAL, “ O Novo Código de Procedimento Administrativo “INA. 1992, pág. 26 e ESTEVES DE OLIVEIRA e OUTROS “Código de Procedimento Administrativo, pág. 523; v. igualmente o Acº do STA de 01/03/92, A.D. 399/253; v. JORGE ANDRADE SILVA, CCP Anotado, 2010, pág. 76, e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Os princípios gerais da contratação pública, Estudos de Contratação Pública, I Vol., Cedipre, 2008, págs. 101 e 102), pelo que só pode não haver lugar à sua realização nas situações taxativamente enunciadas no artº 103º do mesmo Código (v. Acº do STA de 01/11/94, A.D. 407/1157 e de 17/12/97, AD 437) 3ª No caso sub judice não ocorria nenhuma das situações previstas no citado artº 103º do CPA, pelo que bem andou o aresto em recurso ao anular o acto impugnado com fundamento na preterição daquele princípio fundamental, tanto mais que o ofício datado de 10 de Outubro de 2008 – que, aliás, não foi dado por provado como tendo sido recebido pela A. – não pode ser qualificado como um convite para tal audiência prévia, seja por dele não constar sequer tal convite, seja por dele não constar qualquer projecto de decisão de decretar a resolução do contrato, de acionar a garantia bancária e de dar um determinado destino à quantia adiantada pela A. ao Município por conta da extracção dos inertes, seja mais simplesmente por depois de tal ofício ainda se terem efectuado novas pretensões, proferidos novos despachos e realizadas novas diligências instrutórias (v. alíneas Q a S da matéria de facto assente).
Acresce que, 4ª Também não assiste a menor razão ao Município quando sustenta que o incumprimento de tal formalidade era irrelevante por não haver outra solução que não fosse a resolução do contrato e, como tal, a formalidade essencial se ter degradado em não essencial.
Com efeito, 5ª Não pode haver uma degradação da formalidade em não essencial sem que a Administração tenha provado que a decisão alcançada era a única possível de ser tomada - uma vez que isso representaria uma inversão do ónus da prova, onerando-se o particular que tinha direito a ser ouvido com a obrigação de ter de demonstrar que tinha esse mesmo direito de ser ouvido (v., neste sentido, ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES E PACHECO DE AMORIM, CPA Comentado, 2ª ed., pág. 454) –, pelo que, não tendo a entidade demandada demonstrado oportunamente que não realizava a audiência prévia por não haver outra decisão possível, bem andou o Tribunal a quo ao julgar procedente o vício de forma, tanto mais que é jurisprudência assente deste douto Tribunal que “A decisão de não proceder à audiência prévia deve ser expressamente fundamentada, sob pena de invalidade do acto em que culmine o procedimento no qual essa falta se verificou” (v. Acº do TCANORTE de 10/5/2012, Proc. nº 02450/11.8BEPRT).
6ª Em qualquer dos casos, é por demais notório não se poder afirmar que a única solução possível e legal passava pela resolução do contrato, o acionamento da caução e a eventual perda do adiantamento efectuado por conta dos inertes a extrair, não tendo este douto Tribunal elementos suficientes para concluir que se a audiência prévia se tivesse realizado essa era a decisão que, necessária e obrigatoriamente, tinha de ser tomada.
Com efeito, 7ª Seja por não estar provado o número de inertes que efectivamente foi retirado pela A. – e repare-se que nem o Tribunal a quo deu por provado tal número, o que era essencial para se começar a ajuizar de um eventual incumprimento contratual e da resolução contratual – e por a audiência da parte que efectivamente retirara tais inertes poder demonstrar que a autarquia estava errada no número que estava a considerar, seja por em causa estar o exercício de um poder discricionário – não determinando o eventual incumprimento a necessária e obrigatória resolução do contrato, podendo a audição da A. levar o Município a considerar aceitável a explicação que fosse apresentada -, seja por a resolução do contrato pressupor que haja uma impossibilidade definitiva de se cumprir o mesmo ou a perda de interesse na prestação em falta – não estando minimamente demonstrada essa impossibilidade ou a perda de interesse na prestação -, seguramente não se poderá afirmar com absoluta segurança que a resolução contratual era a única decisão que o Município poderia tomar e que a teria tomado se tivesse cumprido o princípio da audiência dos...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO