Acórdão nº 02723/12.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução04 de Março de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório BVS, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Município do Porto, tendente, em síntese, a impugnar “o despacho que determinou a cessação do direito de utilização do fogo … que o Autor ocupa” proferido por Vereadora da Câmara Municipal do Porto, de 18 de maio de 2012, inconformado com o Acórdão proferido em 18 de Dezembro de 2014 (Cfr. fls. 63 a 87 Procº físico) que julgou a ação “totalmente improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula o aqui Recorrente/BVS nas suas alegações de recurso, apresentadas em 2 de Março de 2015, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 104 a 115 Procº físico): “A decisão posta em crise que culminou com a improcedência da ação administrativa especial proposta pelo Recorrido enferma do erro de julgamento.

Isto porque no douto acórdão recorrido diz-se que o A. deveria ter alegado na PI quais as rendas que deixou de pagar ao recorrido e que o Recorrido apenas se sentiu compelido a fazer algo, quando foi notificado da decisão de cessação da utilização da sua habitação.

E mais adiante refere que o fundamento apresentado pelo recorrido ["por viver do rendimento mínimo e não ter dinheiro para tratar e entregar os documentos'] não pode ser aceite pois aquele tem o 6.° ano de escolaridade e soube interpretar a decisão de cessação de utilização. E termina o seu raciocínio: “Se o Autor não cumpriu com as suas obrigações informativas junto do Réu quando para tanto foi notificado, foi porque assim se auto determinou. “.

Por último, nem o internamento do Autor por doença no período entre os dias 17 de julho de 2012 e 23 de julho de 2012 nem a declaração médica de dia 03 de outubro de 2012, pode ser fundamento do incumprimento do Recorrido [pois que são factos reportados a data muito posterior à decisão sob impugnação].

Não pode pois o Recorrente concordar com tais juízos pois o recorrente apenas tinha que provar que no período de rendas em falta (Janeiro de 2010 a Janeiro de 2012) se encontrava em situação de desemprego, auferindo um rendimento mensal que não garantia a sobrevivência de qualquer pessoa, e por consequência, liquidar a renda que era devida.

E logrou provar isso pois tal decorre da matéria dada como provado nos itens 8,10,13 e 14 acima descritos.

Acresce que, nesse período de falta de pagamento das rendas, o mesmo recorrente sofria de pancreatite crónica estando para isso a ser medicado, ou seja, padecia de doença que o impossibilitava de trabalhar mas também de tratar dos procedimentos burocráticos indispensáveis à resolução da sua situação.

Aliás, não se esqueça que o Recorrente vivia sozinho sem ninguém a quem recorrer para reagir a tal situação.

Igualmente, parece ter sido olvidado pelo tribunal a quo que a doença de que o requerente sofria já se verificava em momento anterior (cf. Ponto 14 da matéria assente) não sendo descabido assumir que tal episódio de urgência resultou de um estado de doença anterior que vinha sofrendo há mais tempo.

Mas tal “ineficácia probatória” não significa que não seja verdade, nem que não seja admissível aceitar por parte do tribunal a quo como elemento fundamental de contextualização da situação em análise pois tais situações são de muito difícil prova a posteriori.

Se o Recorrente fosse um cidadão com outro nível cultural e económico ou que não vivesse sozinho, enfrentando os episódios de doença e dificuldade isolado, teríamos, com certeza, vários episódios de urgência privada/pública a que se tivesse deslocado, vários registos médicos de consultas da especialidade ao longo desse tempo de doença, ou mesmo, um médico que pudesse confirmar esse acompanhamento e, por último ou em alternativa, várias testemunhas que pudessem corroborar a dor e sofrimento que impossibilitava o recorrente de, simplesmente, levar uma vida normal. Mas não esse o caso do aqui recorrente BVS.

E não se diga que tal conclusão é meramente conveniente ao Recorrente pois este raciocínio não dá um salto maior que o do tribunal a quo ao dizer que o recorrente ao não pagar as rendas o fez porque assim se autodeterminou.

Ora essa “autodeterminação”, nas circunstâncias apuradas nos autos, é, no mínimo, estreita, pois o contexto do Recorrido é de uma situação de caminho para exclusão iniciado com uma doença, que resulta no desemprego e na dificuldade de pagar a renda.

E por esse ponto de vista entende o recorrente que andou mal o acórdão quando refere que a doença provada em data posterior à decisão sob impugnação não justifica o incumprimento das obrigações para com o recorrido.

Igualmente o Recorrente não pode aceitar que só se tenha compelido a fazer algo quando teve conhecimento da decisão da Recorrida tendo a escolaridade.

Refira-se, para contestar esta afirmação, que o acesso ao apoio jurídico para esclarecer e entender tais decisões depende do acesso a um advogado (porquanto a leitura dos textos que constam do processo administrativo são de uma complexidade assinalável) mas antes passam por saber que existe essa possibilidade de apoio o que apenas sucedeu aquando da decisão final.

E a decisão judicial ainda vai mais longe referindo que à invocada ofensa do seu direito à habitação, e que, sendo despejado, não tem outro recurso que não seja viver na rua, seja uma mera alegação conclusiva. Diga-se que tal resulta dos fatos provados: o Recorrente vive sozinho, é doente, sem emprego, auferindo como RSI o valor de 143,16€.Que outra solução será possível que não seja viver na rua? Aliás, o tribunal de seguida aponta uma linha raciocínio inexplicável ao referir que “deve (o Autor) prover por uma outra forma/meio de habitação, designadamente junto de instituições de solidariedade social, …” Afirmação essa, que descansa a consciência de quem a tomou, revela desconhecimento da realidade de apoios sociais efetivos para quem cai nestas situações limite, mais valendo afirmar, sem paliativos, que o recorrente deve ser penalizado com o despejo administrativo por incumprimento contratual.

Daí que, ao contrário, do que entende o acórdão, reafirma-se que o ordenamento jurídico português sempre se preocupou em proteger o direito à habitação.

Nesse sentido, mesmo quando se verificam incumprimento do arrendatário no pagamento de rendas a lei prevê situações de salvaguarda atendendo ao direito em causa. (Decreto 35.106 de 1945 que manda atender à “alteração sensível nas possibilidades económicas dos moradores”, e da lei nova – Lei 21/2009 – que se refere às...

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