Acórdão nº 00647/07.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelEsperan
Data da Resolução18 de Março de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte 1. Relatório MUNICÍPIO DO PORTO interpõe recurso jurisdicional do acórdão do TAF do Porto, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa especial intentada por PLATEIA – ASSOCIAÇÃO DE PROFISSIONAIS DAS ARTES CÉNICAS contra o Recorrente e, como contrainteressado, FLF, e, em consequência, anulou os atos impugnados, referentes ao procedimento de adjudicação da concessão do Teatro Municipal Rivoli à empresa do contrainteressado.

O Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso: a. A acórdão em crise veio julgar parcialmente procedente a ação, anulando da deliberação da Câmara Municipal do Porto, de 22 de Dezembro de 2006, pela qual foi decidido celebrar com o contrainteressado FLF um contrato de gestão do Teatro Rivoli e, bem assim, anulando todo o procedimento que o antecede.

b. Os vícios assacados pelo acórdão aos atos são dois: falta de fundamentação da escolha prévia do tipo de procedimento e o vício de violação de lei, traduzido em a entidade demandada não ter seguido nenhum dos procedimentos administrativos elencados no Decreto-lei n.º 197/99.

c. O Tribunal a quo concluiu tratar-se o contrato em causa de contrato administrativo, do tipo “prestação de serviços para imediata utilidade pública” (cfr. artigo 178.º, n.º 2, alínea h) do CPA).

d. Não pode nenhum destes vícios proceder, nem tampouco pode proceder a qualificação do contrato como administrativo.

e. Andou mal o Tribunal a quo ao qualificar o contrato em causa nestes autos como contrato administrativo: não considerou que as prestações contratuais do contrato sob análise respeitassem ao conteúdo da função administrativa (porque referentes ao funcionamento de serviços, ao exercício de atividades públicas, à gestão de coisas públicas, ao provimento de agentes públicos ou à utilização de fundos públicos; nem verificou que o clausulado contratual do contrato em questão previsse ou impusesse situações jurídicas ativas ou situações jurídicas passivas exorbitantes ou prerrogativas de autoridade para o Município do Porto.

f. O Tribunal a quo deduziu que o contrato dispunha de natureza administrativa porque o seu objecto, “(…) visa um interesse de utilidade pública (…)” traduzido em “(…) prestar serviços de natureza cultural para fins de utilidade pública (…)”, sendo só nisso que radica e fundamenta a qualificação como administrativo do contrato em apreço nos autos, o que se revela manifestamente insuficiente.

g. É num só parágrafo, e de uma penada, que o Tribunal a quo vota e justifica no sentido da administratividade do contrato e a partir de tal parágrafo, dando por assente a administratividade do contrato, já só cuida de saber se o contrato redunda nalgum dos tipos previsto no n.º 2 do artigo 178.º do CPTA.

h. É óbvio que o Tribunal a quo não especifica fundamentos de facto atinentes ao contrato em análise que viabilizem a sua qualificação como administrativo, falta essa que torna o acórdão nulo por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPTA, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.

i. O acórdão recorrido faz por subsumir o objecto do contrato a fins de utilidade pública, mas, verdadeiramente, nada subsume, pois que não é identificada no acórdão recorrido uma só qualidade ou característica específica do contrato em análise que justifique e imponha a conclusão de que o objecto se reporta a fins de utilidade pública, nem o acórdão sequer menciona quais sejam esses especiais fins que tem em mente.

j. A assimilação do contrato à categoria de contratos administrativos não se consubstancia - como deveria - numa verdadeira subsunção, mas traduz-se numa conclusão, numa simples e só conclusão, sem mais. É porque é! k. Tal que é equivalente à tentativa de demonstração de que alguém é alto porque é alto, baixo porque é baixo ou careca porque é careca e não – como seria necessário para verdadeiramente o atestar – afirmar que alguém é alto ou baixo porque mede uma certa e determinada altura, donde, relativamente à média da altura humana, é possível inferir a correção da qualificação de alto ou baixo desse alguém.

l. Na argumentação do Tribunal a quo o contrato é administrativo porque prossegue fins de utilidade pública e prossegue esses fins porque o seu objecto é prestar serviços de natureza cultural para fins de utilidade pública.

m. O facto de referir que é de índole cultural não permite, só por si, concluir nada quanto à natureza, administrativa ou privada, do contrato, pois que privados podem celebrar um contrato com objecto cultural e daí não resulta que o contrato celebrado entre ambos seja administrativo.

n. A fundamentação do acórdão é notoriamente escassa e claramente incapaz de sustentar a conclusão que almeja alcançar quanto administratividade do contrato, o que a fere de nulidade.

o. Consciente de que não fora antes tão rigoroso como deveria, o Tribunal a quo, muito mais à frente no acórdão, parece querer regressar à questão da administratividade do contrato, aludindo a que “a própria caracterização do bem e as suas qualidades (Teatro) inculcam a conclusão que desempenha um papel importante na prossecução das atribuições do Município do Porto, no âmbito cultural”, mas daí também não resulta evidenciada qualquer nota concretizadora da administratividade do contrato.

p. O Tribunal a quo não refere quais as particulares características e qualidades do bem em causa (ou do respectivo contrato) em que se baseia para a aludida afirmação, nem identifica quais as atribuições incumbidas ao Município do Porto que estariam supostamente a ser prosseguidas por via do referido contrato.

q. A singela circunstância de o contrato ter por objecto um Teatro, por maior dignidade que nos mereçam esses espaços, não possibilita a conclusão ou a inferência imediata de que está, e estará, em causa um contrato administrativo, tanto mais quanto o Tribunal a quo aceitou que o mesmo constitui um bem do domínio privado municipal.

r. O tribunal não diz claramente que o Teatro constitui bem do domínio privado indisponível, nem – muito menos – fundamenta porquê.

s. O Tribunal a quo sustenta-se, mais uma vez, no chavão dos “fins de utilidade pública”, mas nunca concretiza que facto concreto o legitima a pressupor que o mesmo está afecto a fins de utilidade pública, que também aqui não são deslindados.

t. Todo o enquadramento feito pelo Tribunal a quo faz-se no seio de um jogo de suposições e de conclusões, que se apoiam uns nos outros, e só uns nos noutros, mas os pressupostos de tais suposições e conclusões nunca chegam a ser cabalmente esclarecidos, a ponto de nunca se estar em condições de perceber que fundamentos e razões concretas do contrato impeliram o Tribunal a quo para a conclusão de que ele institui uma relação jurídica administrativa, pelo que das considerações adicionais do acórdão quanto à administratividade do contrato não resulta posta em causa a conclusão da nulidade do acórdão por falta de fundamentação.

u. Sem conceder, nem prescindir, o acórdão recorrido ao dar por demonstrado o que não logrou demonstrar - declarando que o contrato (sem materializar em quê especificamente) prossegue fins (que também não revela) de utilidade pública suficientes para o caracterizar como administrativo – incorre em julgamento, violando o artigo 178.º, número 1 do CPA, que dispõe que “contrato administrativo é o acordo de vontade pelo qual se constitui, modifica ou extingue uma relação jurídica administrativa”.

v. Não é ao acaso que o Tribunal a quo não foi capaz de afirmar e justificar a natureza administrativa do contrato: é que tal natureza não se verifica no contrato em apreço.

w. O Teatro Rivoli tem estado arredado de qualquer relação jurídico-administrativa, tendo sido, pelo contrário, objecto inúmeras relações jurídico-privadas, o que só se mostra possível por não se tratar de um bem dominial, não pertencente sequer ao domínio privado indisponível do Município, pois que não só inexiste lei que assim o classifique dessa forma, como o mesmo chegou às mãos da Administração por “mera ocasionalidade”.

x. A escritura de compra e venda pela qual o Município adquiriu o imóvel e estabelece um direito de preferência do particular vendedor no caso de alienação do imóvel ou destinação deste a um fim diferente, pelo que o ónus que impende sobre o Teatro resulta da própria escritura de aquisição do edifício pelo Município, quando determina que o Município crie um teatro visando “a promoção do nível cultural e de bem-estar da população do Porto.

y. O Teatro foi objecto de um contrato de comodato entre o Município e a Culturporto, associação de que o Município era associado e que durante vários anos assegurou a gestão do teatro, em moldes puramente privados.

z. A própria Recorrida, como todas as outras entidades, foi variadíssimas vezes contratada para apresentar peças e espetáculos em espaços do Teatro e foi-o sempre em moldes jurídico-civis.

aa. O contrato de exploração e cedência do Teatro é um contrato cujo objecto é perfeitamente compatível com uma regulação de direito privado, constituindo o contrato em causa um contrato inominado, complexo, por isso mesmo insusceptível de ser enquadrado numa tipologia de contrato determinada, especificamente, um contrato que cria uma relação paritária entre as partes, relação jurídica privada e não pública.

bb. Nada obsta a que as entidades públicas se sirvam de meios jurídico-públicos ou jurídico-privadas, desde que dentro do princípio da especialidade dos seus fins estatutários e do princípio da legalidade.

cc. Nada no contrato (ou protocolo) em causa – faz indiciar uma natureza administrativa, o apelo a uma regulação pelo direito administrativo, sendo que as cláusulas contratuais que o compõem não são privativas dos contratos administrativos e podem perfeitamente ser acordadas entre privados.

dd. Não é pelo facto de ser celebrado por uma entidade pública...

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