Acórdão nº 00339/15.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO A...- Ambiente e Sistemas de Informação Geográfica SA vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 7 de Novembro de 2015, que julgou improcedente a acção no âmbito do contencioso pré-contratual que intentou contra o Município de Penela, tendo como contra-interessada AIRC – Associação de Informática da Região Centro, e onde era solicitado que devia: a) Ser anulado o Despacho do Presidente da Câmara da entidade demandada que aprovou o relatório final do Júri, determinando a exclusão da proposta da A. e a adjudicação do contrato à contra-interessada AIRC; b) Ser a entidade desmandada condenada a aprovar novo Caderno de Encargos, sem reincidir nas ilegalidades detectadas e a praticar todos os actos e diligências subsequentes do concurso público; c) Ser fixado o prazo de 20 dias para o cumprimento das determinações contidas na sentença…” Em alegações a recorrente concluiu assim relativamente ao despacho de 24-09-2015 fls. 270 (processo físico) e que mandou proceder à elaboração de segunda perícia: 1. No despacho saneador, o Tribunal a quo fixou os temas da prova, ainda que não da forma explícita e formalmente correcta, com a nomenclatura adequada, ao indicar o objecto da perícia que, oficiosamente, determinou.

  1. Depois de realizada a perícia, o Tribunal determinou a realização de uma nova perícia com objecto totalmente diferente, sem qualquer correspondência com os temas da prova anteriormente fixados no despacho saneador como relevantes para a boa decisão da causa, o que viola, em consequência o caso julgado que dimana do despacho saneador.

  2. Acresce que uma segunda diligência de prova pericial para saber qual é o valor base para um contrato que assegurasse, além do objecto do concurso impugnado, a substituição integral dos sistemas de informação pré-existentes e, bem assim, se tal traria custos adicionais para o Município adjudicante, configura a determinação da produção de um meio de prova para a demonstração de factos não alegados pelas partes e nem sequer de factos complementares de algum dos factos alegados pelas partes.

  3. Ao ordenar esta segunda perícia, o despacho de fls. 338, incorre em violação do caso julgado que dimana do despacho saneador e viola o princípio dispositivo e o disposto nos arts. 5º, 410º e 596, nº1 do CPC, 87º, nº1, al. c) e 90º, nº1 do CPTA.

    No recurso quanto à decisão recorrida concluiu: 1. O facto 16 dos factos provados, ao contrário do que resulta da sentença recorrida não se encontra provado pelo primeiro relatório pericial produzido nos autos, que nada refere em relação ao seu teor.

  4. Não tendo sido objecto de qualquer outro meio de prova bastante, aquele facto 16 deve ser considerado não provado.

  5. Os factos 17 a 19 não foram alegados pelas partes, nem podem considerar-se factos complementares, mas sim factos essenciais à substanciação da excepção impeditiva (não alegada) do direito da A. consubstanciada na prevalência do princípio da eficiência administrativa, face ao dispêndio de recursos que exigiria o respeito pelas normas da contratação pública em sede de adjudicação dos bens e serviços submetidos a concurso.

  6. Assim sendo, a sua inclusão entre os factos relevantes provados viola o princípio dispositivo e o art. 5º do CPC ex vi do art. 1º do CPTA, razão pela qual deverão ser eliminados do elenco dos factos provados.

  7. A sentença recorrida considera que a única maneira de assegurar uma estrita igualdade de oportunidades dos concorrentes em matéria de condições de acesso e de adjudicação, era, com efeito, abrir um concurso para contratação do fornecimento e implementação de um novo sistema informático, de raiz, que abrangesse as utilidades ou aplicações e ferramentas já existentes e as novas, prescindido de todo o sistema informático já instalado.

  8. Esta conclusão não encontra fundamento na factualidade provada de onde não resulta, de todo, que esta conclusão tenha validade.

  9. Por outro lado, também não tem adesão à realidade material, já que o respeito pela igualdade e concorrência entre operadores se bastaria com a indicação dos modelos de dados dos sistemas de informação em uso, para que o novo contraente pudesse, ele próprio, desenvolver as ferramentas necessárias a assegurar a interoperabilidade daqueles com os novos sistemas a adquirir.

  10. Essa indicação seria certamente fácil de obter junto do fornecedor dos sistemas em uso, a AIRC, uma vez que esta não se trata de uma empresa em busca do lucro, mas de uma associação de municípios de fins específicos, a quem cabe, à semelhança do que sucede com a entidade demandada, a prossecução do interesse público.

  11. Toda a tese desenvolvida na sentença recorrida se baseia no errado pressuposto acima referido, da imprescindibilidade de substituição de todos os sistemas de informação em uso, que ficariam inutilizados, por um novo que integrasse aqueles e ainda as funcionalidades que se pretendem adquirir no âmbito do concurso sub judice.

  12. Faltando àquele pressuposto a imprescindível sustentação factual e técnica, é evidente que tal implica o erro de julgamento subsequente de toda a decisão recorrida.

  13. Ainda que assim não fosse, a sentença recorrida padece de graves erros de natureza jurídica que importa invocar.

  14. O art. 9º do CC contém uma directriz hermenêutica fundamental no sentido de que se determinada solução foi positivada na lei, devemos presumi-la como acertada.

  15. O que significa precisamente o contrário do que resulta da sentença recorrida, segundo a qual aquele preceito autorizaria o intérprete a afastar as soluções legalmente consagradas que reputasse como manifestamente desadequadas.

  16. Esta interpretação do art. 9º do CC é inconstitucional porque viola o princípio da separação de poderes, consagrado nos arts. 2º e 111º da CRP, na medida em que permite que o Tribunal se se substitua ao poder legislativo.

  17. O art. 10º do CPA apenas consagra um princípio disciplinador da organização e estruturação da Administração Pública, pelo que ao invocar aquele preceito como fundamento legal de um denso princípio regulador dos actos da administração que permite aferir e avaliar a respetiva eficiência económica e controlar a sua legalidade em função do respeito pelo dever de buscar as soluções mais económicas possíveis, a sentença recorrida faz dele interpretação errónea e sem o mínimo de respaldo na letra da lei.

  18. O que a sentença recorrida faz é afastar os efeitos de uma norma legal, o art. 49º, nº1 do CCP e dos princípios da igualdade de e da concorrência, também com consagração legal expressa no art. 1º, nº4 do CCP, em função de um juízo seu sobre a razoabilidade, em termos de eficiência económica, que a aplicação daquelas regras teria na situação da vida regulada.

  19. O que não é aceitável num Estado de Direito Democrático e viola de forma gritante o princípio da separação de poderes (arts. 2º e 111º da CRP), já que configura uma clara invasão da esfera do poder legislativo, democraticamente legitimado.

  20. Mas põe também em causa o fundamental princípio da legalidade (arts. 266º, nº2 da CRP e art. 3º do CPA, na versão aplicável), na medida em que legitima uma actuação administrativa desconforme com as normas legais aplicáveis, por razões de natureza e critério economicistas.

  21. Havendo uma norma expressa, o art. 49º, nº1 do CCP, considerada aplicável, não pode a mesma ser desaplicada com fundamento na sua antinomia, na situação concreta, com um princípio de fonte e hierarquia normativas idênticas, como é o caso do suposto princípio da eficiência económica (art. 10º do CPA).

  22. Acresce que os princípios da igualdade e concorrência, consagrados no art. 1º, nº4 do CPP, dos quais o art. 49º, nº1 do CCP constitui concretização, constituem princípios fundamentais especiais da contratação pública.

  23. Deste modo, no caso dos autos, em que está em causa a legalidade de um procedimento de contratação pública, seriam sempre prevalecentes, designadamente sobre o suposto princípio da eficiência económica.

  24. Errou, pois, gravemente a sentença recorrida ao decidir o contrário.

  25. A norma prevista no art. 49º, nº1 do CCP e os princípios da igualdade e concorrência consagrados no art. 1º. nº 4 daquele diploma têm lugar paralelo no Direito Europeu derivado que constitui a sua fonte, mais precisamente nas Directivas 2004/18/UE e 2004/24/UE.

  26. Assim sendo, ao fazer prevalecer o princípio da eficiência económica sobre normas e princípios de direito europeu, a sentença recorrida incorre em clara violação do princípio do primado do Direito Europeu e do art. 8º, nº4 da CRP.

  27. No juízo de ponderação da eficiência económica, a sentença recorrida pura e simplesmente ignorou factores relativos às perdas de eficiência e competitividade inerentes a uma adjudicação que perpetua a aquisição a um operador económico fora das regras do mercado, que se impõe como único adjudicatário possível, por dele depender a interoperabilidade com todos os sistemas de informação em uso na entidade adjudicante.

  28. Impedindo a entidade adjudicante de beneficiar das vantagens de aquisição em mercado concorrencial, no que respeita à diversidade de soluções, qualidade das propostas e competitividade dos preços.

  29. A omissão da ponderação destes factores redunda em erro de julgamento.

    O Recorrido apresentou contra-alegações quando ao recurso do Despacho de 23-09-2015, tendo concluído: I.

    O despacho saneador é de 3 de Junho de 2015, pelo que se impunha ao tribunal a quo o cumprimento dos artigos 87 nº 1 c) e 90 nº 1 do CPTA, na redacção aplicável aos autos, ou seja, a redacção anterior à entrada em vigor do DL 214-G/2015 de 02.10, diploma que alterou o CPTA (artigo 1º do CPTA e 15º do DL 214-G/2015 de 02.10).

    II.

    Os artigos 87 nº 1 c) e 90 nº 1 do CPTA, na redacção aplicável aos presentes autos, não determinavam ao tribunal a indicação de temas de prova nos termos exactamente previstos nos artigos 410º e 596 nº 1 do...

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