Acórdão nº 00796/08.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Fevereiro de 2016
Magistrado Responsável | Frederico Macedo Branco |
Data da Resolução | 05 de Fevereiro de 2016 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A P... – Construção de Vias de Comunicação, Lda., devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, que intentou contra o Município de Miranda do Corvo, tendente à condenação deste no pagamento de 89.532,43€, da qual 4.080,43€ correspondente a juros moratórios vencidos, acrescida de juros vincendos”, inconformado com a Sentença proferida em 30 de Dezembro de 2014, no TAF de Coimbra, na qual se decidiu: “(…) julga-se procedente, por provado o pedido inicial, e, em consequência, condena-se o Réu Município de Miranda do Corvo a pagar à Autora a quantia de €84.135,02, a título de revisão de preços da empreitada “EN342 – Pavimentação entre Miranda do Corvo e Limite do Concelho da Lousã – Troço no concelho de Miranda do Corvo”, acrescido de juros de mora devidos pelo atraso no pagamento bem como de IVA à taxa aplicável.
Julgando procedente o pedido reconvencional condena-se a Autora a pagar ao Réu a quantia de €96.454,70, correspondente à multa contratual aplicada, acrescida de juros de mora legalmente devidos”, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, em 11 de Fevereiro de 2015 (Cfr. fls. 374 a 384 Procº físico).
Formula o aqui Recorrente/P...
nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 382 a 384 Procº físico): “1) A sentença recorrida decidiu (singelamente) a reconvenção, julgando-a procedente, em virtude da decisão que aplicou a multa não ter sido impugnada tempestivamente, segundo diz “nos termos do art. 58.º do CPTA, e porque não lhe é imputado qualquer fundamento de nulidade”, ou seja, para o Tribunal aquela aplicação de multa consolidou-se na ordem jurídica com a força de caso decidido, não havendo assim lugar à discussão da respetiva legalidade (dessa multa).
2) A sentença sofre de claro erro de julgamento, sendo aliás que afronta jurisprudência sedimentada a partir da prolação do Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 15-05-2002, proferido no proc. n.º 046106, que aqui se se considera devidamente reproduzida.
3) A decisão de aplicação de multa comunicada pelo ofício de 14/2/2008 da Câmara Municipal de Miranda do Corvo, não sendo, ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido, um ato administrativo que, autoritária e imperativamente, definiu, com a força de caso decidido, a situação jurídica subjacente a esta multa, não se consolidou na ordem jurídica e, assim, a discussão da sua legalidade pode ser levada a efeito no presente processo ao contrário do que foi decidido.
4) Como tal e ressalvado o devido respeito, a sentença viola também o disposto, entre o mais, no art. 20.º da CRP (princípio da tutela jurisdicional efetiva).
5) Depois e entre o mais, a aplicação da multa sempre seria ineficaz por não ter sido notificada à recorrente, nos termos do artigo 140.º, n.º 1 do RJEOP – cfr. Ac. do STA de 29/05/2001, proferido no processo 047340.
6) Depois, a pretensa multa sempre seria ilegal pelo facto de o R. não ter de todo em todo observado os termos da lei, já que não foi entregue à recorrente qualquer auto de notícia lavrado pela fiscalização, que necessariamente tem de preceder eventual aplicação de multa pelo dono da obra (cfr. art. 201.º, n.º 5 do RJEOP).
7) Mais ainda, a pretensa multa é ilegal, porque não foi a A. e recorrente notificada para, no curto prazo de oito dias deduzir a sua defesa ou impugnação, violando, por isso, crassamente o direito à audiência prévia da A., preterindo, assim, formalidade essencial, pelo que a pretensa multa não se considera nem pode considerar aplicada, nos termos do art. 233.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 59/99.
8) Assim, não tendo sido observados os condicionalismos legais, em franco desrespeito dos direitos de defesa da A. e ora recorrente, a decisão de aplicação da multa sempre seria ineficaz e inválida, razão pela, ao ter considerado procedente o pedido reconvencional, a sentença padece de erro de julgamento, por afronta ao disposto nos arts. 140.º, n.º 1, 201.º, n.º 5 e 233.º, n.º 3 do RJEOP, devendo ser revogada.
9) Atenta a manifesta simplicidade da questão da ilegalidade da decisão que aplicou a multa, temos que a mesma é também manifestamente ilegal, na medida em que afronta jurisprudência perfeitamente pacífica e nunca excecionada pelo Supremo Tribunal Administrativo, pois a mesma foi aplicada em 14/2/2008 e a receção provisória ocorreu em 23/11/2007.
10) Sendo que após a receção provisória da obra, não pode o dono da obra aplicar multa contratual – cfr. art. 233.º, n.º 4 do RJEOP e jurisprudência citada supra no corpo das alegações.
11) Pelo que ao ter considerado procedente a compensação, deduzida em reconvenção pelo R., a sentença recorrida padece, pois, de erro de julgamento, violando o disposto no art. 233º, n.º 4 do DL n.º 59/99.
Termos em que, deve ser considerado procedente o presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA!” O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 7 de Abril de 2015 (Cfr. fls. 398 e 399 Procº físico).
O Recorrido/Município, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 11 de Maio de 2015, concluindo (Cfr. fls. 406v a 408 Procº físico: “A. A Autora vem recorrer do segmento da douta sentença que julgou procedente o pedido reconvencional, condenando-a a pagar ao Réu a quantia de €96.454,70, correspondente à multa contratual aplicada, acrescida de juros de mora legalmente devidos, B. Sustenta que a sentença sofre de erro de julgamento, uma vez que afronta o teor do Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 15 de Maio de 2002.
C. O Decreto-Lei n.º 59/99, de 02 de Fevereiro, limitou-se a estabelecer, no seu art. 254.º, uma regra geral de que seguem a forma de ação todas as "questões" sobre a interpretação, validade ou execução do contrato, sem distinguir, de um modo expresso/literal, os atos administrativos das meras declarações negociais.
D. Essa lacuna legislativa levou a interpretações contraditórias quanto a saber se o meio processual adequado para impugnar uma multa aplicada no âmbito da execução de um contrato administrativo seria a ação administrativa comum ou a ação administrativa especial.
E. No entanto, o Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, revogou o Decreto-Lei n.º 59/99 e aprovou o Código dos Contratos Públicos (CPP) ainda vigente, sendo que a alínea c) do n.º 2 do seu artigo 307.º determina que a aplicação das sanções previstas para a inexecução de contratos públicos reveste a natureza de ato administrativo, devendo, em consequência, ser impugnado no prazo previsto no art. 58.º do CPTA.
F. Ou seja, o legislador deixou bem claro que considerava a aplicação de uma multa por inexecução de um contrato público reveste a natureza de ato administrativo, devendo, em consequência, ser impugnada no prazo de três meses previsto no art. 58.º do CPTA.
G. Ora, s.m.o, deve agora o intérprete dar maior preponderância ao pensamento legislativo com previsão expressa na letra da lei, ou como disse o STJ (no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 11 de Maio de 2009 (Proc. n.º 418/07.8PSBCL-A.S1, disponível em www.dgsi.pt), devem ser tidos em conta “argumentos novos, não considerados na decisão que fixa a jurisprudência, ou que, considerando a legislação no seu todo, a jurisprudência fixada se mostre já ultrapassada” H. Pelo que, bem andou o douto Tribunal a quo ao considerar que, na falta de impugnação tempestiva, e porque não lhe é imputado qualquer fundamento de nulidade, se consolidou na ordem jurídica, com a força de caso decidido, a aplicação da multa contratual, deixando de haver lugar à discussão da respetiva legalidade.
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Acresce que, mesmo que o Tribunal a quo tivesse considerado a impugnação tempestiva, da leitura da matéria de facto dada como provada não resulta qualquer das omissões/irregularidades que a Recorrente invoca nas suas alegações de recurso.
J. Considerando-se contudo que o prazo para a conclusão da obra não foi cumprido e que a multa foi comunicada em 20.03.2006 – pontos 5 e H da matéria de facto dada como provada.
K. Pelo que, forçoso será de concluir que no caso dos autos, a multa foi devidamente aplicada.
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser julgado improcedente o recurso interposto e mantida a decisão decretada pelo Venerando Tribunal a quo, Assim se fazendo JUSTIÇA!” O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 29 de Maio de 2015 (Cfr. fls. 417 Procº físico), veio a emitir Parecer em 11 de Junho de 2015, no qual concluiu que: “1) Deverá ser concedido provimento ao recurso jurisdicional no segmento relativo ao uso devido da ação administrativa comum e à sua tempestividade; 2) Deverá este Venerando TCA Norte conhecer, em substituição, das questões cujo conhecimento o TAF a quo julgou prejudicado e, fazendo-o, 3) Deverá julgar a reconvenção procedente, por provada, e, como decorrência, condenar a Recorrente no pedido reconvencional.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar Importa analisar e decidir o suscitado pela Recorrente/P... Lda., designadamente, os...
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