Acórdão nº 00008/05.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelH
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: AAC Recorrido: Município da Lousã Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que na supra identificada acção administrativa especial absolveu o Réu Município da Lousã do pedido de declaração de nulidade ou anulação do acto do seu órgão executivo, de 19/08/2002, que licenciou ao contra-interessado JMSS a construção de um edifício para habitação colectiva, e consequente condenação do Réu a demolir o edificado.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “1 - Sendo rigorosos do ponto de vista dogmático, temos que o requerente, ao ter aceite o indeferimento projectado, conformou-se com essa declaração de vontade administrativa, sendo assim que o procedimento inicial se extinguiu com essa aceitação (aceitação esta que é como todos sabemos uma das fontes de estabilização das relações jurídico-administrativas), tendo-se pois aberto forçosamente, em 2002, um novo procedimento a que se tem de aplicar a lei nova.

2 - Logo, o acórdão recorrido sofre de erro de julgamento, na medida em que a lei aplicável, com efeitos, entre o mais, no que concerne às declarações de responsabilidade, não é o RJLMOP, mas sim o RJUE que entrou em vigor em Outubro de 2001.

3 – Acresce que a peritagem refere que o edifício do contra-interessado, além de duas caves e duas lojas independentes no rés-do-chão, integra duas unidades habitacionais igualmente independentes servidas de acesso comum ao exterior, não existindo dentro do espaço considerado outro, com idênticas características ” – sublinhado nosso.

4 - Logo, não podem restar dúvidas de que o acto de licenciamento do edifício do contra-interessado viola o art. 36.º, n.º 3 do PDM da Lousã, sofrendo assim o acórdão recorrido de erro de julgamento, na medida em que, segundo a sua disciplina normativa, “ as edificações deverão respeitar as características urbanísticas da zona… (…) e construções nas propriedades contíguas”.

5 - Acresce que a circunstância de se falar em margem de liberdade não tolhe a conclusão pericial e a ilegalidade que daí directamente deriva, pois, para além de nesta matéria não se poder falar pelas razões invocadas em margem de liberdade, “ (…) os tribunais administrativos podem e devem, (…) revisar completamente as apreciações técnicas – em caso necessário com a intercalação de peritos -.” cfr. Hartmut Maurer, Direito Administrativo Geral, trad. brasileira de L. Afonso Heck, Manole, S. Paulo, 2006, p. 161.

6 - Ou seja, temos pois que, no nosso caso, os peritos, tendo sido unânimes em considerar que a habitação colectiva de que cuidamos é a única que tem as características que se apontou, colocaram a questão claramente no domínio vinculado e, assim, a revisão jurisdicional, ao contrário do que foi dito, é possível, devendo, no caso, ser a acção ser provida, ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido.

7 - Na situação vertente o conceito jurídico (características urbanísticas da zona) é de natureza técnico-urbanística e a apreciação que foi feita foi, com suporte numa detalhada avaliação fáctica, pacífica, pericial e neste domínio técnico-urbanístico, não se divisando, pois e assim, qualquer razão que impeça que se dê consequência jurisdicional a esta avaliação pericial, quer se equacione o erro manifesto, quer, como deve, se equacione o simples erro de facto.

8 - Sendo que este argumento jurisdicional da margem de liberdade (aliás já limitado na sua origem, segundo a melhor dogmática) interpretativamente ancorado nos arts. 36.º, n.º 3 do PDML e 3.º, n.º 1 e 71.º, n.º 2 do CPTA, redunda, isso sim, numa demissão de controlo jurisdicional dos actos praticados pela administração pública, contrária à Constituição da República Portuguesa, mormente ao que vem estatuído no art. 268.º, n.º 4.

9 - Mesmo que fosse de entender contra o que vimos de concluir, desmerecendo a conclusão pericial e afirmando a não revisibilidade da decisão administrativa quanto a este aspecto, ainda assim se deveria concluir que o estatuído no sobredito normativo do PDML e o estatuído no art. 121.º do RGEU são violados, ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido, posto que a parametricidade legal, revisível que claramente é, foi até, ostensiva e claramente, violada.

10 – Assim mesmo, quer se utilize o critério pericial, quer se utilize um critério mais amplo, de um lado mais pragmático e empírico e, de outro, teleológico, dúvidas não podem existir em como os sobreditos normativos foram, na sua zona de certeza ou até na sua evidência, claramente violados, na medida em que se trata da única habitação colectiva destinada a habitação comércio, essencialmente citadina e com vários pisos, inserida numa zona de habitações unifamiliares em zona com características semi-rurais.

11 – Por outro lado, quanto à cércea dominante, como é bom de ver, a motivação aduzida no acórdão recorrido a este respeito, nada tem a ver com o conceito de “cércea dominante”, que até foi fixada pericialmente, pelo que o julgado encerra erro de julgamento, aqui sem necessidade até de equacionar a margem de liberdade, porquanto a decisão não equaciona, pura e simplesmente, aquela cércea dominante.

12 – Por outro lado ainda, quanto aos afastamentos laterais, importa referir o completo desacerto interpretativo das normas em questão, posto que a norma do PDM pretendeu, claramente, que existisse uma relativa uniformidade dos afastamentos laterais entre as distintas edificações na zona, facto que foi provado não se verificar, porquanto a edificação do contra-interessado é a única que não respeita o afastamento lateral dominante que nunca é inferior a 3 metros – e isto mesmo vale independentemente do que o RGEU refira (ou não, porque a maioria da jurisprudência entende não existirem até afastamentos laterais) a este propósito.

13 - Ademais, não se vislumbra qualquer ilegalidade, nem a mesma é referida no acórdão recorrido, decorrente do facto de a habitação unifamiliar do A. se estender até o limite do seu lote, facto que se deve à circunstância da construção em causa, diga-se pois e até, ser anterior ao RGEU.

14 - Pelo que, também quanto a este aspecto o acórdão recorrido erra, em violação dos sobreditos normativos, afirmando-se mais uma vez que a desconformidade do licenciamento com este parâmetro legal especificado no PDML é, assim, como elemento densificador das características urbanísticas a que se refere esse normativo do PDM, ilícita.

15 – No que se refere ao volume, que se prova ser substancial e manifestamente até superior relativamente às duas edificações a Norte e a Sul em relação à do contra-interessado, os peritos fizeram bem o seu trabalho e referiram-se ao volume da construção em causa visível, sendo assim que, porque o que interessa é a integração do volume traduzível em impacto visual, as considerações feitas pelo acórdão recorrido são perfeitamente erradas, de nada relevando, a este propósito do volume, o aspecto simulado ou não da edificação, facto que, aliás, não foi dado como assente ou sequer releva ainda, o que o PDM não proíbe especificamente, na medida em que a disciplina legal a seguir consta deste normativo.

16 - Acresce que, como vimos, se esse volume se conjuga também com a cércea, e com os afastamentos, pelo que alegámos, mais uma vez, ressalta que a falta de integração volumétrica do edifício, neste complexo de considerações, é, até num plano do que é palmar, um facto indesmentível.

17 - Pelo que, também quanto a este aspecto o acórdão recorrido erra, em violação dos sobreditos normativos, afirmando-se mais uma vez que a desconformidade do licenciamento com este parâmetro legal volumétrico é, assim, como elemento densificador das características urbanísticas a que se refere o normativo do PDM, ilícita.

18 – Para terminar importa assim referir que, quer atendendo a cada um dos parâmetros que sobretudo o art. 36.º, n.º 3 do PDM refere, quer atendendo à globalidade dos mesmos como integradores das características da zona a que se refere este mesmo normativo, se verifica que a decisão sofre de erro de julgamento, devendo como tal ser revogada.

Termos em que, Deve o presente recurso ser julgado procedente, com todas as consequências legais.

”.

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, pronunciou-se, em termos que se dão por reproduzidos, pelo não provimento do recurso, acompanhando as razões e fundamentos desenvolvidos no acórdão recorrido.

As questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece de erro no julgamento quanto à matéria de direito, nas vertentes que adiante se identificarão.

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte: 1. O pedido de licenciamento e seu projecto deram entrada na Câmara Municipal da Lousã, em 10/09/2001 (artigo 23.º da P.I.); 2. Consta do ofício n.º 08166, datado de 15 de Novembro de 2001, dirigido ao C/interessado, subscrito pelo Presidente da Câmara (fls 40 do P.A.): “Reportando-me ao assunto mencionado em epígrafe, cumpre-me informar V.Ex:º que a Câmara Municipal na sua reunião ordinária de 05 de Novembro de 2001, deliberou por unanimidade manifestar a vontade de indeferir o projecto de acordo com as informações técnicas anexas.

(…) Mais se informa que tem o prazo de 10 dias úteis a contar do dia seguinte ao da recepção do presente ofício para proceder à respectiva reclamação, de acordo com os artigos 100 e 101 do Código do Procedimento Administrativo.” 3. O contra interessado dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal da Lousã, com data de 21 de Novembro de 2001, recebido na Câmara Municipal no dia 23 seguinte, um requerimento, com referência ao recebido no ponto anterior, que terminou da seguinte forma...

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