Acórdão nº 02716/15.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução20 de Maio de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO MSAMAL, residente na Rua …, requereu contra o Centro Hospitalar de São João, E.P.E., com sede na Alameda …, o decretamento de providência cautelar de intimação para uma conduta, consubstanciada na atribuição à Requerente, até à decisão definitiva do processo principal, do horário flexível por si requerido e sobre o qual incidiu o parecer da CITE, ou seja, um horário compreendido entre as 8 horas e as 19 horas diárias, de segunda a sexta-feira, com expressa exclusão de trabalho ao sábado, domingo e dia feriado.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgado procedente o pedido cautelar e intimado o Requerido a atribuir à Requerente, até à decisão definitiva do processo principal, o horário flexível por esta requerido, ou seja, um horário compreendido entre as 8 horas e as 19 horas diárias, de segunda a sexta-feira, com expressa exclusão de trabalho aos sábados, domingos e dias feriados.

Desta decisão vem interposto recurso.

Nas alegações o Centro Hospitalar de São João, E.P.E.

concluiu assim: 1 – Em sentido contrário ao referido pelo Tribunal a quo, a ora Recorrida não alegou – com o mínimo de concretização – os factos relativos a eventuais prejuízos que possam vir a ocorrer no futuro face à demora inerente à decisão definitiva da ação principal.

2 – A Recorrida limitou-se a expor alegados prejuízos já ocorridos (cfr. arts. 79º a 86º da p.c.) na sequência da recusa do Recorrente em atribuir-lhe o horário flexível.

3 – A Recorrida, do pouco que alegou (cfr. arts. 87º e 89º da p.c.), não logrou concretizar os factos subjacentes ao periculum in mora, como sejam a impossibilidade de acompanhar a infância do filho, e de que modo é que essa impossibilidade se manifestará em concreto, no futuro, enquanto não terminar o processo principal – maxime, de que forma o presente horário de trabalho da Recorrida dificultará ou impossibilitará esse acompanhamento.

4 – Na sequência, o Tribunal a quo não poderia ter retirado conclusões sobre a verificação do periculum in mora sem qualquer suporte factual, incorrendo numa violação dos poderes de cognição, nos termos do art. 5º e 615º n.º1 d) do CPC.

5 – Mas ainda que se considerasse a suficiência de alegação dos referidos factos, então o Tribunal a quo teria que submeter tais factos à produção de prova testemunhal, pois do conjunto de documentos juntos aos autos e no processo administrativo, nada se extrai quanto à eventual impossibilidade ou dificuldade da Recorrida em acompanhar a infância do seu filho, e de que modo é que essa impossibilidade ou dificuldade se manifestará, no futuro, na pendência da ação principal.

6 – Por último, não foi dado como provado qualquer facto que seja pressuposto da verificação do requisito periculum in mora – maxime, factos que revelem que a “…demora inerente à decisão definitiva no processo principal impedirá a Requerente de gozar ou tirar proveito, durante um determinado lapso temporal da infância do filho, das vantagens subjacentes à concessão da flexibilidade de horário.” – citação da sentença em crise.

7 – Não se verifica, no caso concreto, o requisito do periculum in mora.

Termos em que deve revogar-se a sentença, ora recorrida, e declarar-se a improcedência da providência cautelar.

A Requerente juntou contra-alegações e concluiu que: 1 - Julga-se ser irrepreensível a sentença, 2 - Dado que, foi concretamente alegado pela requerente e resulta, ainda, da factualidade provada, factos, actuais e que, por força das contingências concretas da vida profissional e familiar da requerente, são futuros, subsumíveis ao preenchimento do requisito posto em causa pelo recorrente.

3 - Entende-se existir periculum in mora quando “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízo de difícil reparação para os interesses que o requerente “ visa assegurar (alínea b) ou pretende ver reconhecido (alínea c) no processo principal.

4 - Ora, ocorre uma situação de facto consumado previsto no artº120º nº1 al.b) do CPTA quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar fique inutilizada ex ante”, 5 - E danos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.

6 - Ao nível do periculum in mora o que importa é o juízo que o Juiz deve fazer ao analisar este pressuposto.

7 - O juiz deve-se transportar para o futuro de forma a concluir se existem motivos para temer que a sentença proferida no âmbito do processo principal venha a ser inútil.

8 - Mas este não tem de ser um juízo de certeza mas apenas um juízo de probabilidade.

9 - Como dizia, o Prof Alberto dos Reis “(…) um conhecimento completo e profundo é incompatível com a urgência do processo cautelar.(…)”.

10 - Isto, claro está, sempre por respeito ao princípio da livre apreciação da prova – seja ela testemunha e ou documental, pelo qual o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

11 - Sabe-se, com Castanheira Neves, que o “objecto de uma determinada apreciação ou qualificação jurídica nunca é o facto puro, o acontecer fáctico em seu carácter imediato, mas uma imagem representativa já performada pela consciência, que se funda em percepções (do próprio julgador ou de outrem) mas que para além disso está já ordenada em categorias e interpretada em conformidade com a experiência. (…) Só é recolhido no relato, e afinal na situação de facto a julgar, aquilo que na opinião do julgador ou relator, apresenta alguma relação com o núcleo do acontecimento e está submetido a uma apreciação jurídica” - In “A Distinção entre a Questão-de-Facto e a Questão-de Direito e a Competência do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de revista, Digesta, vol. I, pp 483-530”.

12 - “O periculum in mora não é um perigo genérico de dano, pelo contrário, é o prejuízo de ulterior dano marginal que deriva do atraso da providência definitiva resultante da inevitável lentidão do processo ordinário.

Este periculum in mora é em regra qualificado pelo legislador e aferido numa perspectiva funcional: só tem – ou devem ter – relevância os prejuízos que coloquem em risco a efectividade da sentença proferida no processo principal.

O periculum in mora traduz, por conseguinte, um tipo de urgência.

É, portanto, uma urgência: somente se atende pela tutela cautelar à urgência referente à demora do processo principal.”- Isabel Fonseca, in “O Debate Universitário, pág.343.

13 - “O primeiro dos requisitos de que, segundo o disposto no nº1, alíneas b) e c) do artº120º, depende a atribuição das providências cautelares traduz-se no periculum in mora – isto é, no fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis…Se não falharem os demais pressupostos de que depende a concessão das providências, elas devem ser concedidas quando o fundado receio se reporte à ocorrência de um dos tipos de situações que se passam a enunciar: em primeiro lugar, quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à restauração natural, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade…; as providências cautelares também devem ser concedidas quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente” - Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, in CPTA, págs. 704 e 705).

14 - Escreve Miguel Prata Roque que “o fundado receio de reconstituição de facto consumado exigirá a adopção de uma providência cautelar, de forma a evitar a impossibilidade total de reintegração da situação jurídica conforma ao Direito (risco da improdutividade)” - Miguel Prata Roque, in “Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo, pág588”.

Termos em que deverá ser sindicada a sentença posta em crise, Por assim ser de Justiça.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

A este respondeu o Recorrente, concluindo nos mesmos termos do recurso interposto.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi dada como provada a seguinte factualidade: 1)A Requerente exerce funções, com a categoria profissional de Enfermeira e sob o n.º mecanográfico 9..., no Serviço de Obstetrícia do Requerido desde 01/06/2009, tendo por base um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado (cfr. doc. de fls. 36 do suporte físico do processo).

2)A Requerente tem uma carga horária semanal de 40 horas e aufere o rendimento mensal líquido de € 1.040,65 (cfr. docs. de fls. 36 e 37 do suporte físico do processo).

3)A Requerente exerce funções, desde 01/01/2014, nas unidades de Puerpério e Medicina Materno-Fetal e na Urgência de Obstetrícia e Ginecologia, cujos horários de funcionamento, por turnos, se compreendem dentro das 24 horas...

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