Acórdão nº 02449/15.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCristina da Nova
Data da Resolução12 de Maio de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO M..., na qualidade de cônjuge do falecido C…, vem recorrer da sentença que julgou improcedente o recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário relativamente a contas e documentos bancários, de que é titular relativamente ao ano de 2010.

Formula, a recorrente, nas respetivas alegações (cfr. fls. 314-344) as seguintes conclusões que se reproduzem: «A. Conclusões Em face do que se alegou, demonstrado ficou que: i.

Sem prejuízo de a Recorrente reiterar todo o anteriormente exposto em sede de petição inicial do recurso judicial da decisão de derrogação do sigilo bancário em apreço, importa salientar o seguinte: A. Da matéria de facto a.

Dos empréstimos realizados pela S... SGPS ao seu acionista C… e do pagamento do empréstimo ii.

A sociedade S... SGPS emprestou ao seu acionista C…, ao longo do ano de 2010, várias quantias, o que perfez o montante total de €21.535.000,00; iii.

Os movimentos foram todos contabilisticamente registados pela S... SGPS na conta apropriada de acionista; iv.

Por sua vez, C… pagou à S... SGPS o dinheiro que lhe tinha sido emprestado, no próprio ano de 2010; v.

Em termos que adiante se tornarão evidentes para a correta subsunção dos factos, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o acionista C… recebeu de empréstimo da S... SGPS o montante total de € 21.535.000,00 e que restituiu integralmente a quantia emprestada; B. Do Direito a. Da falta de fundamentação da decisão de derrogação do sigilo bancário vi.

Estamos perante um especial dever de fundamentação de um ato, cujo resultado - o levantamento do sigilo bancário - é suscetível de lesar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, em particular o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26°, n.° 1, da CRP); vii.

De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, este direito constitucional é, como qualquer outro direito, suscetível de restrição nos termos do n.° 2 do artigo 18° da CRP; viii.

Restrição essa que deve obedecer ao princípio da proporcionalidade, em todas as suas dimensões (proporcionalidade strictu sensu, adequação e necessidade); ix.

A investigação e fundamentação dos pressupostos legais que legitimam e facultam à AT o acesso ao sigilo bancário deve partilhar da mesma exigência que conduziu à restrição do direito constitucionalmente protegido, conforme preceituado no n.° 4 do artigo 63°-B da LGT; x.

A AT limitou-se a descrever os movimentos financeiros registados na S... SGPS, com indicação da origem e destino dos mesmos (alíneas b), d) e), da Informação anexa à presente decisão administrativa), e a informar da instauração do processo de inquérito criminal ao de cujus e à sociedade S... SGPS; xi.

Para este efeito, a AT não correlacionou os alegados factos nas normas, nos termos e com os resultados acima melhor descritos; xii.

E, portanto, a fundamentação quando deficiente, como é o caso, equivale, nos termos do n.° 2 do artigo 153° do CPA, à falta de fundamentação; xiii.

Perante as deficiências da fundamentação aqui em apreço, ficou sobretudo prejudicada a ponderação prudente e consciente da AT da sua decisão e o controlo eficaz do mérito e da legalidade do ato, pois ficámos sem saber, nomeadamente, (i) quais as razões pelas quais a AT não qualificou os movimentos financeiros em apreço como empréstimos, o que afastaria a necessidade do presente procedimento, (ii) nem as razões (jurídicas) que levaram a AT a derrogar o sigilo bancário da Recorrente, com base num procedimento criminal (extinto) instaurado a outro sujeito passivo; xiv.

O acesso direto ao sigilo bancário de um terceiro (familiar ou terceiro que se encontre numa relação especial com o contribuinte), com fundamento na verificação dos pressupostos adjetivos previstos nas alíneas do n.° 1 do artigo 63°-B da LGT na esfera de outro sujeito passivo, apenas se poderá verificar se aquele terceiro participou, de alguma forma, na fattispecie aqui em causa; xv.

A entender-se em sentido contrário, tratar-se-ia de uma restrição absolutamente incomportável com o n.° 2 do artigo 18° da CRP, pois estaríamos a comprimir ilegitimamente os direitos de um sujeito passivo (um terceiro), do qual a AT não demonstrou qualquer indício de participação, responsabilidade ou culpa, apenas com base na alegada verificação de factos praticados por outro sujeito passivo (contribuinte visado); xvi.

Factos esses que alegadamente se verificaram na esfera do contribuinte visado, e dos quais o terceiro não tem conhecimento para se defender eficazmente, nos termos do n.° 1 do artigo 20° da CRP; xvii.

No presente caso, estamos perante um procedimento que permite a restrição desproporcional do direito à reserva da intimidade da vida privada de um sujeito passivo, com fundamento em factos que se verificam e que dependem de outro sujeito passivo, e, por conseguinte, limitam de forma grave e intolerável a possibilidade de defesa daquele sujeito passivo face aos alegados pressupostos que se verificam neste sujeito passivo; xviii.

Deste modo, podemos concluir que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, porquanto o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e aplicação dos ns.° 1 e 4 do artigo 63°-B da LGT, ao concluir que a AT cumpriu com o seu dever de fundamentação acrescido relativamente à presente decisão de derrogação do sigilo bancário; xix.

Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a este fundamento, e, por conseguinte, o pedido subjacente ao recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário em apreço deve ser julgado procedente, com todas as consequências legais; xx.

Sem prescindir, xxi.

O Tribunal ad quem deve declarar inconstitucional, nos termos do artigo 204° da CRP, o n.° 2 do artigo 63°-B da LGT na interpretação segundo a qual a AT pode aceder diretamente ao sigilo bancário da Recorrente, na qualidade de familiar ou terceiro que se encontre numa relação especial, com base na alegada verificação, na esfera do contribuinte visado, dos pressupostos previstos nas alíneas do n.° 1 do artigo 63°-B da LGT, sem que a AT tenha a necessidade de demonstrar a intervenção, ainda que mínima, da Recorrente nos factos que alegadamente são imputáveis a outro sujeito passivo, distinto da Recorrente, no âmbito de um procedimento já por si restritivo dos direitos e liberdades constitucionais, por (i) violação do principio da reserva da intimidade privada previsto no n.° 1 do artigo 26° da CRP, ao restringir indevidamente este direito nos termos do n.° 2 do artigo 18° da CRP, e por (ii) violação do princípio da proibição da indefesa, corolário do princípio do direito de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20°, n.° 1, da CRP); xxii. Por conseguinte, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a este fundamento; xxiii.

Se assim não se entender e sem prescindir, b. Da falta dos pressupostos legais para o levantamento do sigilo bancário previsto na alínea a) do n.° 1 do artigo 63°-B da LGT xxiv.

A AT não pode aproveitar, para efeitos de preenchimento da alínea a) do n.° 1 do artigo 63°-B da LGT, a existência de (alegados) indícios da prática de um crime em matéria tributária na esfera de um sujeito passivo – C… - para aceder às contas bancárias da titularidade de outro sujeito passivo; xxv.

Até por que, ficam prejudicados os direitos e garantias de defesa possivelmente invocados por aquele que já faleceu em relação aos referidos indícios da prática de crime em matéria tributária; xxvi.

A Recorrente está impedida de cabalmente exercer uma defesa justa e plena quanto aos fundamentos e indícios invocados pela AT, na previsão da alínea a) do n.° 1 do artigo 63°-B da LGT, porque tais (alegados) indícios da prática de um crime em matéria tributária têm componente pessoal que pertence unicamente ao de cujus; xxvii.

Se o procedimento de inquérito criminal extinguiu-se, ope legis, por morte do suspeito, em 9 de janeiro de 2015, não pode a AT, posteriormente, iniciar um procedimento de derrogação do sigilo bancário contra a Recorrente, nos termos do n.° 2 do artigo 63°-B da LGT, com base num pressuposto inexistente (alínea a) do n.° 1 do artigo 63°-B da LGT); xxviii.

A extinção do procedimento criminal não significa, obviamente, a extinção da responsabilidade fiscal pelas dívidas tributárias do de cujus, que passam a ser da responsabilidade dos herdeiros, nos termos do n.° 2 do artigo 29° da LGT xxix.

Mas, para que tal aconteça, será necessário lançar mão dos legítimos procedimentos de inspeção tributária e, se for o caso, de liquidação dos tributos, consagrados nos termos das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 54° da LGT e das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 44º do CPPT; xxx.

Não se pode aproveitar de forma manifestamente abusiva o processo de inquérito criminal, já extinto por morte do suspeito, para se aceder diretamente a informações e documentos bancários de um terceiro e, posteriormente, se for o caso, liquidar adicionalmente imposto; xxxi.

Deste modo, podemos concluir que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, porquanto o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e aplicação da alínea a) do n.° 1 do artigo 63°-B da LGT, ao concluir que a (i) AT pode aproveitar a existência de (alegados) indícios da prática de um crime em matéria tributária na esfera de um sujeito passivo – C… - para aceder às contas bancárias que são, agora, da titularidade de outro sujeito passivo, aqui Recorrente, e que pode utilizar um procedimento de inquérito criminal extinto para derrogar diretamente o sigilo bancário da Recorrente; xxxii. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo, quanto a este fundamento, e, por conseguinte, o pedido subjacente ao recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário em apreço deve ser...

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