Acórdão nº 00576/16.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelH
Data da Resolução23 de Setembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: Px... Portugal gases, SA (Px...).

Recorrido: Instituto Português do Sangue e da Transplantação, IP (IPST, IP); A...

Gás, SA (A...).

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a supra identificada acção de contencioso pré-contratual, com absolvição do Réu do pedido, assim formulado: “(…) deverá a presente acção ser julgada provada e procedente e, por via disso, revogar-se a deliberação de adjudicação proferida no âmbito do concurso público internacional nº 1100115, tudo sempre com as legais consequências”.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “a. Através do Concurso Público Internacional n.º 1100115, pretendeu o Recorrido “INSTITUTO PORTUGUÊS DO SANGUE E DA TRANSPLANTAÇÃO, I.P.” adquirir, entre o demais e para o que releva nos presentes autos, azoto líquido concretamente destinado a: a. Congelação e conservação de amostras biológicas b. À área da criobiologia c. Criopreservação de tecidos humanos para aplicação terapêutica (Cfr. Doc n.º 6, Anexo I do C.E., Bens Objeto do Contrato, Posição 1 e alínea 3 dos factos provados) b. Por entender que, face a estas especificas finalidades, o azoto liquido em questão terá de ser azoto liquido classificação como dispositivo médico, e porque no Procedimento Concursal se adjudicou azoto liquido industrial, veio a ora recorrente instaurar a presente acção impugnando a decisão de adjudicação e o relatório final que a sustentou, sustentando que a mesma padece de ilegalidade por violação das normas vertidas nos arts. 2º n.º 1 e 2, art. 4º n.º 1 e anexo ix, grupo ix, grupo iii, regra n.º 2 do Decreto-lei 145/2009, de 17 de Junho.

c. O Mmo. Tribunal a quo considerou que não assistia razão à aqui recorrente, entendendo que inexiste no ordenamento jurídico nacional ou comunitário qualquer normas jurídica de caracter vinculativo que determine a obrigatoriedade de aquisição/utilização de azoto medicinal para as ditas finalidades.

d. Contudo, andou mal o Mmo. Tribunal a quo ao verter tal entendimento, na medida em que nem sequer atendeu ao disposto no DL 145/2009 na sua plenitude – pois que em parte alguma se refere às concretas normas nele constantes que versam sobre esta questão da classificação do azoto liquido para criopreservação de tecidos humanos como dispositivo médico.

e. Por outro, sempre se impunha salientar que, a considerar-se que não existe nenhuma norma que, de forma expressa, imponha a necessidade de utilização de azoto liquido medicinal para as finalidades pretendidas no procedimento concursal aqui em causa, então haveria que proceder à interpretação das normas vigentes, por forma a verificar-se se das mesmas decorre ou não, ainda que de forma não expressa, tal necessidade.

f. Exegese essa que o Mmo. Tribunal a quo não levou a cabo, como se lhe impunha que fizesse.

g. Adicionalmente, constata-se que na douta sentença recorrida faz-se um (sumário) enquadramento jurídico e uma clara distinção entre gás medicinal (stricto sensu, como medicamento) e gás industrial, sem se atender a um tercium genus especificamente gizado pelo legislador para finalidades como as que estão em causa no Procedimento Concursal, que é o gás classificado como dispositivo médico.

h. A classificação do azoto líquido objecto do presente procedimento como azoto líquido industrial, e atendendo às finalidades para as quais o mesmo é pretendido, é francamente violadora das disposições legais constantes do DL 176/2006, de 30 de Agosto, Deliberação 056/CD/2008 do INFARMED, Decreto-Lei 145/2009 e Directivas 93/42/CEE e 2007/47/CE.

i. Ilegalidade perpetuada na validação da Deliberação impugnada levada a cabo pela sentença recorrida, ou seja, na aceitação e graduação em 1º lugar da proposta da concorrente “A... GÁS, S.A.” na medida em que o bem que esta se propõe fornecer – azoto liquido industrial – não é o adequado para as finalidades indicadas no Caderno de Encargos e muito menos se encontra dotado da certificação legalmente exigida para a utilização de tais substâncias nas concretas finalidades visadas.

ISTO POSTO j. O Decreto-Lei 176/2006, e consequente deliberação n.º 056/CD/2008 do INFARMED, vieram regulamentar e definir os gases medicinais classificando-os como medicamentos ou como dispositivos médicos.

k. Por sua vez, o Decreto-Lei 145/2009, transpondo a Directiva 93/42/CEE, actualizada pela Directiva 2007/47/CE veio eliminar algumas incoerências nas regras de classificação dos dispositivos médicos.

l. Foi abrigo desse diploma – ou seja, do DL 145/2009 - que se veio determinar que são de incluir na noção de dispositivo médico e, portanto, sujeitos a tal diploma, os dispositivos não invasivos destinados a ser utilizados para o armazenamento ou o transporte de sangue ou de outros líquidos ou para o armazenamento e órgãos, partes de órgãos ou tecidos corporais.

m. Atenda-se ainda que das regras de classificação dos dispositivos médicos abrangidos pela Directiva n.º 93/42/CEE e n.º 2007/47/CE, transpostas para o ordenamento jurídico nacional pelo Decreto-Lei 145/2009, decorre que é a finalidade do dispositivo que determina a sua classificação.

n. É nesta perspectiva que tem de ser apreciada a questão sub judice – o que o Mmo. Tribunal a quo não fez.

o. E tendo em consideração este critério de classificação, urge enquadrar o azoto liquido objecto do Procedimento e previsto no Caderno de Encargos, Anexo I, Ponto 1, como dispositivo médico de Classe IIa, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei 145/2009, de 17 de Junho, art. 2º, art. 4º e Anexo IX, grupo III, Regra n.º 2 (“Dipositivo não invasivo destinado ao armazenamento de sangue, líquidos ou tecidos corporais”.) p. Fruto deste enquadramento legal, verifica-se que o entendimento consignado pelo Exmo. Júri no Relatório Preliminar de que o azoto industrial que a Contra Interessada A... se propôs fornecer ao abrigo do contrato que resultar do Procedimento Concursal será aceite para utilização em criopreservação de tecidos humanos para utilização terapêutica, criobiologia e congelação e conservação de amostras biológicas, e é absolutamente contra legem.

q. Sendo inelutável que a deliberação de adjudicação, nos termos sobreditos, levará a que o contrato a celebrar com aquela Contra Interessada viole as supra indicadas vinculações legais/regulamentares aplicáveis, face à desadequação do bem adquirido perante a finalidade da sua utilização.

r. Enfermando, pois, de gravíssima ilegalidade s. Urge, pois, considerar que a sentença recorrida, ao considerar que a Deliberação de Adjudicação, no sentido da aquisição de azoto industrial destinado a ser utilizado em congelação de amostras biológicas, criobiologia e criopreservação de tecidos para aplicação terapêutica, não se mostra ferida de qualquer ilegalidade, e ao preconizar que inexiste norma legal vinculativa que determine que o azoto liquido a adquirir para estas finalidades seja classificado como dispositivo médico, viola frontalmente as disposições supra elencadas e vertidas no Decreto-Lei 145/2009, designadamente os arts. 2º n.º 1 e 2, art. 4º n.º 1 e anexo ix, grupo ix, grupo iii, regra n.º 2 do Decreto-lei 145/2009, de 17 de Junho.

t. Normas estas que são, indubitavelmente, de carácter vinculativo, e que foram totalmente olvidadas na análise jurídica efectuada pelo Mmo. Tribunal a quo, e vertida na sentença recorrida.

u. Por tal motivo, deve a douta decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que, concedendo provimento à pretensão da aqui recorrente revogue a deliberação de adjudicação proferida no âmbito do Procedimento Concursal n.º 1100115, e com as legais consequências.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO DOUTO RECURSO INTERPOSTO E REVOGADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO MERITÍSSIMO TRIBUNAL A QUO, ASSIM SE FAZENDO, TÃO SOMENTE A HABITUAL E SÃ JUSTIÇA”.

O Recorrido IPST, IP contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, transcrevendo-se aqui a parte final da alegação, em síntese da tese que defende: 1. “Concluindo, a destinação dada por um fabricante ou distribuidor, como é o caso da Autora, não é só por si suficiente para considerar que determinado bem ou produto terá de ser necessariamente qualificado como dispositivo médico.

  1. Admitir tal possibilidade seria equivalente a permitir que, por esta via meramente formal, se pudesse tornar um produto relativamente corrente no mercado, como é o azoto líquido, num produto exclusivo ou único, gerando, artificialmente, isto é, sem mérito científico, um monopólio por parte de um fornecedor, que teria um efeito útil semelhante ao de uma patente industrial.

  2. Seria, pois, uma forma de inviabilizar toda a potencial concorrência dos demais produtores/distribuidores, sem acrescentar reconhecida valia científica ou qualitativa.

  3. Importa sobretudo ter presente que acima dos critérios científicos temos, nesta matéria, os critérios legais e como vimos já, com bastante detalhe, a verdade é que, mesmo para a utilização a que o IPST destinará o azoto líquido que pretende adquirir, não existe qualquer fundamento jurídico para o qualificar como dispositivo médico e, insista-se, nem sequer ao nível científico existe suficiente consenso relevante, ao nível das recomendações, ou orientações, que poderão, ou não, ser adoptadas pelas Autoridades Competentes (como será o caso do INFARMED).

  4. Ou seja, não existia qualquer fundamento legal que pudesse justificar a exclusão de qualquer concorrente, designadamente o concorrente A... GÁS, S.A. a quem veio a ser adjudicado o concurso público em causa nos presentes autos, com quaisquer supostos motivos relacionados com a suposta qualificação do azoto líquido a adquirir como um dispositivo médico, pelo que uma decisão dessa natureza por parte do IPST seria manifestamente ilegal e arbitrária e não encontraria qualquer fundamento, designadamente...

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