Acórdão nº 00607/15.1BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelCristina da Nova
Data da Resolução15 de Setembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO Á… e M… vêm recorrer da sentença que julgou improcedente o recurso da decisão de fixação dos rendimentos por métodos indiretos, por desconsiderar rendimentos declarados pelos Recorrentes, em sede de declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS no exercício de 2011, fixando-se um rendimento coletável de €183.152,80 para efeitos de imposto.

Formulam, os recorrentes, nas respetivas alegações (cfr. fls. 215-232) as seguintes conclusões que se reproduzem: «D. CONCLUSÕES i.

O presente recurso vem interposto contra a douta sentença a fls., nos termos da qual se manteve o entendimento da AT de desconsiderar os rendimentos declarados pelos Recorrentes, em sede de Declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, no exercício de 2011, e, por conseguinte, se fixou o montante de €183.152,80, por avaliação indireta, do rendimento coletável para efeitos desse imposto; ii.

Todavia, consideram os Recorrentes ter ficado inequivocamente provado, com relevância para a decisão final, que foi outra a fonte das manifestações de fortuna mobilizadas para o aumento de capital da sociedade “R…, Lda.”, de que são acionistas, no montante total de €200.000,00, o qual foi realizado em dinheiro; iii.

Acresce que a sentença ora recorrida não poderá manter-se na ordem jurídica, uma vez que os Recorrentes cumpriram com o ónus probatório que sobre si impendia e justificaram a fonte dos rendimentos utilizados; iv.

Manter a sentença recorrida no ordenamento jurídica irá traduzir-se numa desvirtuação do princípio do rendimento-acréscimo que subjaz ao conceito de rendimento tributário tida em consideração para efeitos de IRS; v.

Acresce que o regime das manifestações de fortuna não deve deturpar a definição legal de rendimento tributável, pois visa-se sempre conhecer o rendimento real dos contribuintes; vi.

Nesse sentido, a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro lei visou somente, de acordo com a doutrina mais visada, adotar medidas destinadas a combater a fraude e a evasão fiscal, mantendo, ainda assim, o respeito pelo princípio da verdade material e, de igual modo, preceituando sempre, mesmo em sede de avaliação indireta, a obtenção do rendimento real; vii, Acresce que esta presunção do valor do rendimento tributável é sempre ilidível, podendo o contribuinte provar factos que tornem compreensíveis as suas manifestações de fortuna; viii.

No caso em apreço, os Recorrentes lograram provar, tal como resulta da matéria probatória assente, que obtiveram rendimentos suscetíveis de efetuar a operação de aumento de capital, pelo que é o rendimento real declarado que deve ser considerado, e não o rendimento fixado através do recurso à avaliação indireta do rendimento coletável, para efeitos de IRS.

ix, Tal conclusão é aquela que melhor aplica o Direito aos factos dados como assentes, é aquela que se encontra em obediência dos princípios jurídico-tributários e constitucionais e é aquela que melhor fará Justiça, conforme de seguida se demonstrará; x.

Acresce que, no que se tange ao regime de repartição do ónus da prova deve atender-se ao n.º 1 do artigo 74º da LGT, nos termos do qual “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, que espelha a regra geral de distribuição do ónus da prova constante no artigo 342.º do Código Civil: xi.

No caso do regime das manifestações de fortuna, existindo algum dos fundamentos taxativamente elencados no artigo 87º da LGT, a AT pode, contudo, proceder à determinação da matéria tributável através de métodos indiretos; xii.

Caso em que se opera uma inversão do ónus da prova, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 74º da LGT; xiii.

Ora, ocorrendo a inversão do ónus, compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, sendo que, ao sujeito passivo, compete demonstrar o excesso nessa quantificação; xiv. Esta inversão do ónus da prova encontra a sua justificação na necessidade de desonerar a AT da prova de um facto negativo - a não plenitude das declarações dos contribuintes; xv.

No que respeita ao tipo de prova que recai sobre o sujeito passivo, entende-se que, para ilidir a presunção de evasão fiscal relativamente aos rendimentos declarados nesse caso, basta ao sujeito passivo comprovar que dispunha de rendimentos em montante suficiente para efetuar a manifestação de fortuna em causa; xvi. De acordo com esta posição, ao sujeito passivo cabe a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, tal como prevê o nº3 do artigo 89º- A da LGT (vide, a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte te 06.01.2011, processo n.º 03187/09.3BEPRT); xvii.

Nesse sentido propugnaram ainda os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 06.05.2008, processo n. 02284/08; de 13.01.2009, processo n.02821/08; e ainda de 09.06.2009, processo n.º 03204/09; xviii.

Sem prejuízo do exposto, é sabido que, posteriormente, a jurisprudência tem imposto ao sujeito passivo um ónus da prova acrescido - o da relação causal de certo rendimento a determinada manifestação de fortuna - e que é a esta posição que a sentença recorrida adere; xix.

Sucede que, salvo o devido respeito, tal entendimento não pode proceder; xx.

Em primeiro lugar, porque não encontra sequer eco na letra da lei; xxi.

De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, “Verificadas as situações previstas no nº 1 deste artigo, bem como na alínea f) do nº 1 do artigo 87.º cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada”.

xxii.

Nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9º do Código Civil, a interpretação não tem que se cingir à letra da lei, mas “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da leium mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; xxiii.

Assim, o elemento literal deve constituir o ponto de partida da Interpretação jurídica, afastando-se, desde logo, a Interpretação que não tenha apoio na letra da lei; xxiv.

Acresce que a doutrina mais versada sobre o tema da interpretação da lei considera que a Indagação do direito preater legem pode levar a aplicação de determinada norma a casos não previstos na sua letra, mas compreendidos no seu espírito (aplicação extensiva da norma) ou, no limite, a situações que já nem sequer são abrangíveis no seu espírito (aplicação analógica); xxv.

Ora, In casu, a interpretação do nº 3 do artigo 89.º A da LGT feita no sentido de recair sobre o sujeito passivo a prova da relação causal de afetação de determinado rendimento não pode, salvo o devido respeito, colher; xxvi.

De facto, a Interpretação feita nesses termos configura uma interpretação extensiva da norma, o que sempre seria de repudiar, porquanto não existe qualquer conexão com o enunciado da norma; xxvii.

Por outro lado, argumentar que a Interpretação nesse sentido configura uma aplicação analógica do preceito também não será de aceitar, uma vez que tal preceito consubstancia uma norma de incidência objetiva e, nesses termos, sobre ele impende o princípio da proibição da aplicação analógica plasmado no nº 4 do artigo 11º da LGT; xxviii.

Por fim, Importa mencionar que a adoção deste entendimento implica obstar o acesso do contribuinte a lei, porquanto não resulta da letra da mesma a necessidade de provar a mencionada relação causal; xxix.

Nestes termos, não só resultam prejudicadas todas as mais elementares garantias constitucionalmente consagradas do contribuinte, como o acesso a Justiça previsto no artigo 20.º da CRP; xxx.

Como, de igual modo, não se percebe como pode tal regime revestir-se de tamanha complexidade tendo em consideração, nomeadamente, que o recurso da decisão de aplicação das manifestações de fortuna previsto no artigo 146º B do CPPT pode ser interposto pelo próprio sujeito passivo; xxxi.

Dispensando-se, portanto, a subscrição por um advogado e, consequentemente, atribuindo a este tipo de recurso uma simplicidade e uma ausência de formalidades que, a final, não se coadunam com este tipo de interpretação levado a cabo pela jurisprudência vinda de citar; xxxii.

Assim, se a leitura da norma em apreço, feita por um homem médio, aponta no sentido de ser prova bastante a fonte das manifestações de fortuna e a demonstração dos meios financeiros suficientes, não se compreende como se pode pretender desvirtuar totalmente a norma e revesti-la de tamanha sofisticação, no sentido de obrigar à prova do nexo causal entre o concreto rendimento utilizado e o sinal exterior de riqueza; xxxiii.

Importa ainda mencionar que, em matéria fiscal, é o princípio da legalidade que deve vigorar, atento o n.º 2...

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