Acórdão nº 02374/06.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução29 de Setembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 31/10/2012, que julgou procedente a oposição deduzida por P…, contribuinte fiscal n.º 1…, com domicílio na Urbanização…, freguesia de Moreira da Maia, concelho da Maia, contra a execução fiscal nº 1821200101046500 (e apensos), instaurado primitivamente contra “I…, S.A.”, por dívidas relativas a Imposto sobre o Valor Acrescentado, referente aos anos de 1999 a 2002; Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, referente aos anos de 1999 a 2001 e Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, referente aos anos de 2000 e 2001, no montante global de € 451.261,72 A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A. “A douta sentença sob recurso julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida contra o PEF com o nº 1821200101046500 e apensos, pendente no SF de Matosinhos 1, contra a executada originária I..., SA e no qual foi concretizada a reversão contra a aqui oponente, com fundamento na ilegitimidade da oponente por falta de exercício da gerência de facto e a caducidade do direito à liquidação.

B. Concluiu o Tribunal a quo pela procedência daquela oposição, por ilegitimidade da oponente, considerando que “[i]mpendia sobre a Administração Tributária alegar e provar factos concretos que permitissem concluir pelo exercício da gerência de facto (pressupostos primeiro da responsabilidade subsidiária), sendo suficiente à Oponente que criasse a dúvida ao Tribunal do seu não exercício para que a seu favor a ação fosse decidida” e que, C. “não só a Administração Tributária não fez o que lhe competia como, ao invés, a Oponente carreou elementos probatórios, documentais e testemunhais, que infirmam ter sido administradora de facto Não obstante esta conclusão final, afigura-se, face à decisão tomada, que estaremos perante um erro material, de escrita, resultante de lapso manifesto, que importa retificar, em conformidade com o disposto no artº 667º do Código de Processo Civil (CPC) – sublinhado nosso.

”.

D. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, como a seguir se argumentará e concluirá.

E. A sentença de que se recorre considerou como provados os factos considerados como assentes nos pontos 13 e 14 do probatório, factos estes que entendeu corroborarem a conclusão de que a oponente se encontrava desligada dos destinos da sociedade.

F. Tal como resulta do douto parecer a fls. 321 e 321-v dos autos, “[p]ara além de estarmos perante processos de diferente natureza, a decisão final absolutória dos factos imputados ao arguido constitui, apenas, em quaisquer ações de natureza cível, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário” A este propósito veja-se o douto Acórdão do STA, de 2005/02/16, processo nº 08/05, disponível em www.dgsi.pt, embora se refira à relevância de um caso julgado formado em processo crime relativamente a um processo judicial de impugnação.

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G. Acontece que, o Mmo Juiz do Tribunal a quo não teve em conta estes factos, nem explicou por que motivo relevou as decisões proferidas em processo crime em relação a outros elementos tidos nos autos Importa salientar que da decisão referida no ponto 14 do probatório consta como data da renúncia da oponente como sendo o dia 2001/11/04 e dos autos resulta que a oponente renunciou em 2003/06/30 e não em 2003/05/26, como concluiu o Mmo Juiz do Tribunal a quo, tendo em conta o averbamento 3 à apresentação 11/20030630 constante dos registos da 3ª Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto, em conjugação com o disposto no artº 404º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), onde se prevê que “[a] renúncia só produz efeito no final do mês seguinte àquele em que tiver sido comunicada”, nos termos do nº 1 do mesmo preceito legal.

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H. A decisão de que ora se recorre dá ainda como assente o facto levado ao ponto 19 do probatório, o qual, com o devido respeito por melhor opinião, não é também submetido a qualquer análise crítica, desconhecendo-se porque motivo foi levado ao probatório, não obstante a referência, na fundamentação, no sentido de que “[n]ão se olvide que resulta provado que a Oponente era funcionária, desde 01.04.1996, a tempo completo, do Teatro Nacional S...(cfr. facto 19. do probatório) e que nunca procedeu a pagamentos aos funcionários nem lhes deu ordens”.

I. Porém, tal como vem sendo jurisprudencialmente entendido, o exercício da gerência/administração não implica uma atividade continuada e abrangente de todos os aspetos da vida de uma sociedade, exigindo apenas a lei que eles pratiquem atos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência/administração de facto Veja-se, por todos, o douto Acórdão do TCA Sul, de 2009/10/06, processo nº 03336/09, disponível em www.dgsi.pt.

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J. O facto da oponente exercer uma atividade por conta de outrem a tempo integral não é argumento decisivo para a apreciação da questão da responsabilidade subsidiária, porquanto tal circunstâncias não é, como não foi, impeditiva da prática pela oponente de atos de administração da sociedade, como se constatará.

K. Aliás, é a própria sentença sob recurso quem esclarece que “o exercício de gerência não se esgota na prática de atos externamente visíveis” e que “a condução de uma sociedade passa pela prática de atos internos, invisíveis a terceiros”, devendo a tónica na gerência de facto ser dada “a quem tomou as rédeas da empresa ainda que não esteja (ou possa) vincular a sociedade externamente, ou seja, quem tem em si mesmo o processo decisório”, não tendo a gerência/administração de uma sociedade que ser exercida em todas as áreas em que se desenvolve a atividade da empresa.

L. Como se constatará, foi a aqui oponente quem teve em si o processo decisório da devedora originária, de 1999/01/14 a 2003/06/30, data em que renunciou ao cargo de administradora da mesma, agindo em nome e representação da sociedade, exteriorizando perante terceiros a vontade social, enquanto órgão representativo, através do concreto exercício de funções, razão pela qual é patente ser-lhe imputável a prática de atos de gestão/administração, consubstanciados na exteriorização da vontade da sociedade e vinculação da mesma perante terceiros.

M. A douta sentença sob recurso dá ainda como assente o facto levado ao provado no ponto 4, o qual, com o devido respeito por melhor opinião, não é submetido a qualquer análise crítica, nem sequer é tido em conta para efeitos da decisão tomada, aludindo-se apenas na fundamentação e aquando da apreciação do exercício da gerência pela oponente, a fls. 17, que “[a] oponente foi, desde a constituição da «I...» em 07.01.1999 até à renúncia em 26.05.2003, administradora (de direito ou nominal) daquela sociedade ”.

N. Não obstante os factos elencados, terem sido levados ao probatório, o certo é que a douta sentença sob recurso não os valora devidamente, nem efetua qualquer análise, muito menos crítica, dos mesmos, tendente a que se possa aferir qual o iter cognoscitivo e valorativo que justifica a concreta decisão jurisdicional no sentido de que tais factos corroboram a conclusão de que a oponente não exercia, de facto, a administração da sociedade, O. o que lhe era imposto pelo princípio da livre apreciação das provas ou da prova livre, no sentido de exercer sobre todas as provas produzidas a sua atividade crítica e mover-se, na sua apreciação, com inteira liberdade e sem outros limites que não sejam os que lhe são impostos pela sua convicção íntima ou pelo seu próprio juízo, pelo que enferma de erro de julgamento de facto, por violação do disposto no artº 659º, nº 3 do CPC.

P. Acresce que, não basta ao Tribunal indicar as provas que serviram para formar a sua convicção, sendo necessário efetuar uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado, antes se lhe impondo que da sentença resulte qual o processo lógico-mental que serviu de suporte ao conteúdo da decisão tomada.

Q. Sempre com o respeito devido pelo que vem decidido pelo Tribunal a quo, o certo é que não resulta da douta sentença sob recurso por que motivo, tendo em conta a decisão tomada a final, foram considerados provados os factos levados ao probatório e não outros, resultantes dos elementos tidos nos autos.

R. Entende, pois a Fazenda Pública que enferma ainda a douta sentença sob recurso de nulidade, por falta de exame crítico das provas, o que implica a sua falta de fundamentação, em conformidade com o disposto nos artºs 125º, nº 1 do CPPT e 668º, nº 1, al. b) do CPC.

S. pelo conspecto dos elementos tidos no presente processo constata-se que a dívida exequenda se reporta aos anos de 1999 a 2002 e que a AT carreou para os autos documentos que nos permitem aferir que de 1999/01/14 a 2003/06/30, a aqui oponente exerceu a gerência, a saber: - a outorga da escritura de constituição da sociedade, em 1999/01/14, na qual a aqui oponente aceita a sua designação como presidente do conselho de administração da sociedade; - a declaração de inicio de atividade da sociedade devedora originária, assinada pela oponente e entregue junto dos serviços da AT em 1999/01/18; - a ata nº 2, lavrada em 2000/01/05, por via da qual a sociedade, reunida em assembleia-geral, delega noutro administrador, os poderes de gestão que ali melhor se discriminam e para onde se remete, por desnecessidade de repetição, intervindo a oponente na qualidade de presidente do conselho de administração.

T. Se é certo que, como bem conclui o Tribunal a quo, inexiste qualquer presunção legal da gerência de facto, cabendo à AT o ónus da alegação e prova do efetivo exercício da gerência pelo...

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