Acórdão nº 01290/14.7BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Setembro de 2016
Magistrado Responsável | Ana Patroc |
Data da Resolução | 29 de Setembro de 2016 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório CASA…, LDA, contribuinte n.º 5…, com sede na Rua…, Espinho, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 29/02/2016, que julgou verificada a excepção de caso julgado, absolvendo a Fazenda Pública da presente instância de Impugnação judicial deduzida contra o indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de liquidações de IVA de 2003, 2004 e 2005, no valor total de € 610.668,65.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1.- A Recorrente foi objeto de uma ação inspetiva à sua escrita, abrangendo os exercícios de 2003 a 2005, que se dirigiu à análise da taxa de IVA aplicada quando está em causa o comércio de “sementes” para alimentação de aves ou, simples mistura das diversas espécies de sementes.
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- Durante os anos de 2003, 2004, 2005, a Recorrente adquiriu “sementes” à taxa reduzida de IVA que depois revendeu aplicando igualmente a taxa reduzida.
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- Da ação inspetiva resultaram liquidações adicionais de IVA dos anos de 2003, 2004 e 2005, na sequência das quais foram efetuadas correções, por erro na aplicação da taxa.
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- A Recorrente reclamou graciosamente das liquidações adicionais e impugnou contenciosamente essas liquidações, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, processo n.º 1171/10.3BEAVR e para o Supremo Tribunal Administrativo processo n.º 701/12.
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- A reclamação graciosa e a impugnação contenciosa foram julgadas totalmente improcedentes.
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- Essa reclamação administrativa e essa impugnação contenciosa limitavam-se a por em crise a liquidação de IVA à taxa normal referente às sementes transacionadas pela Recorrente destinadas à alimentação de aves canoras, ornamentais e de fantasia.
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- O tribunal “a quo” julgou existir caso julgado material quanto às impugnações impugnadas, com identidade dos sujeitos, pedido e causa de pedir com referência ao processo judicial n.º 1171/10.3BEAVR.
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- A Recorrente contudo apenas impugnou parcialmente o ato tributário de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios dos anos de 2003, 2004 e 2005, no montante de 610.668,65€.
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- Entende a Recorrente existir violação de lei, pois não existe identidade de causa de pedir senão vejamos: a) O volume de vendas referente da alimentação de aves canoras, ornamentais e de fantasia corresponde a 25% do total de vendas da Recorrente.
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Enquanto 75% do volume de vendas refere-se a vendas de sementes destinadas à alimentação de pombos.
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No processo n.º 1171/10.3BEAVR a Recorrente reclamou graciosamente das liquidações adicionais e impugnou contenciosamente essas liquidações, referente a vendas de sementes destinadas à alimentação de aves canoras, ornamentais e de fantasia que correspondem a 25% do seu volume de negócios.
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No tribunal “a quo” a Recorrente impugnou contenciosamente liquidação adicional de IVA e juros compensatórios dos anos de 2003, 2004 e 2005, no montante de 610.668,65€.
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- A Recorrente não impugnou no processo judicial n.º 1171/10.3BEAVR, as vendas de sementes destinadas à alimentação de pombos, que correspondem a 75% do volume de vendas.
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- Pelo que erra de direito a douta sentença do tribunal “a quo” quando considera verificada a exceção de caso julgado material sofrendo do vício de nulidade.
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- Em consequência do processo judicial n.º 1171/10.3BEAVR, verifica-se existir caso julgado material parcial no respeitante a 25% do total de vendas da Recorrente, vendas referentes à alimentação de aves canoras, ornamentais e de fantasia.
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- A exceção de caso julgado material parcial no tocante a 25% da vendas, sendo que o IVA calculado nas liquidações adicionais, encontra-se já transitada em julgado sendo devido IVA à taxa normal conforme resulta da douta sentença n.º 1171/10.3BEAVR do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e do douto acórdão proferido no processo n.º 701/12 do Supremo Tribunal Administrativo.
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- Mas não se verifica a existência de caso julgado material referente a 75% das vendas, concretamente no IVA calculado nas referidas liquidações adicionais e referente às sementes e misturas vendidas para a alimentação de pombos.
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- A causa de pedir no processo n.º 1171/10.3BEAVR não incluía a liquidação adicional de IVA na alimentação para pombos.
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- A douta sentença do processo n.º 1171/10.3BEAVR apenas se pronuncia sobre as sementes e misturas (alimentação) para aves ornamentais, de coleção e até de competição, mas que não se destinam à alimentação humana.
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- A douta sentença do tribunal “a quo” labora em erro de direito quando considera que os pombos se incluem na classe das aves ornamentais, de coleção ou de competição.
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- A carne de pombo é utilizada para alimentação humana 19.- A redução de taxa será possível se os animais que a utilizam servirem para alimentação humana, (verba 3.3 da lista I do CIVA).
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- A questão fulcral será apurar se a carne de pombo é utilizada para alimentação humana, e o “códex alimentarius”, (documento que tem por objetivo proteger a saúde dos consumidores e assegurar práticas justas relativamente ao comércio de alimentos), onde está relacionado o pombo como sendo utilizado para consumo humano.
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- A verba 3.3 da lista I anexa ao Código do IVA, em vigor em 2015, por força da aprovação do Orçamento de Estado, tem a seguinte redação: “Farinhas, cereais e sementes, incluindo misturas, resíduos e desperdícios das industrias alimentares, e quaisquer outros produtos próprios para alimentação de gado, de aves e outros animais, referenciados no códex alimentarius, independentemente da raça e funcionalidade em vida, incluindo os peixes de viveiro, destinados a alimentação humana”.
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- Com a nova redação da verba 3.3 da lista I anexa ao Código do IVA, podemos concluir que se duvidas interpretativas a existirem ficam dissipadas.
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- Em termos europeus vigora a Diretiva Comunitária 77/388/CEE, também conhecida por sexta diretiva, (uniformidade de tratamento de situações idênticas dentro do espaço comunitário) comprometendo por isso o princípio da neutralidade do imposto.
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- O Tribunal de Justiça da União Europeia tem proferido diversos acórdãos onde são julgadas situações de violação do princípio da neutralidade do imposto, concluindo-se assim pela jurisprudência existente que o sentido de decisão deverá apontar para a igualdade de atitudes dos países membros. (Acord. De 20 de Junho de 1996, Weelcome Trust, procº. C-155/94, colect.., P. I-3013, nº38; Acord. De 7 de Setembro de 1999, Gregg, procº . C-216/97, colect., P. I-4947, nº 20).
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- Uma vez que nos outros países comunitários onde está criada a taxa reduzida, as sementes para a alimentação de pombos está sujeita à taxa reduzida de IVA.
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- A aplicação da taxa normal de IVA viola o princípio da igualdade uma vez que os concorrentes da Recorrente ficam apenas sujeitos ao pagamento de IVA à taxa reduzida enquanto a Recorrente terá de pagar ao Estado IVA à taxa normal sem o ter recebido dos seus clientes.
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- Traduzindo-se igualmente distorções de concorrência que o direito comunitário proíbe e concretamente a Sexta Diretiva (Acórdão do TJUE de 7 de Setembro de 1999, caso GREGG cit., nºs 19 e 20 de 26 de Maio de 2005, Caso Kingscrest Associates e Montecello, cit. , nº 29 de 28 de Junho de 2007).
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- Ora, porque esta interpretação da verba 3.3 da lista I anexa ao código do IVA efetuada pela Autoridade Tributária apenas foi aplicada à Recorrente e a um dos concorrentes, o que origina violação do princípio Constitucional da Igualdade consagrado no art.º 13º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
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- As verbas 3.3 e 3.5 da lista I anexas ao código do IVA são materialmente inconstitucionais por violarem o disposto no art.º 13º da CRP, face à interpretação que lhe é data pela Administração Tributária, como anteriormente foi explanado.
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- Acresce, que o entendimento da Autoridade tributária viola o disposto no artigo 100º do Código de Procedimento e Processo Tributário, a “dúvida” sobre o “facto tributário”, deve ser resolvida a favor do contribuinte e a taxa de IVA a aplicar ser a taxa reduzida.
Nestes termos e nos mais de direito e com o mui douto suprimento de V.ª Exa., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta decisão do tribunal a quo, como é de JUSTIÇA.” ****Não houve contra-alegações.
****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
****Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
****II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar verificada a excepção de caso julgado.
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Fundamentação 1. Matéria de facto Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Foram suscitadas, em sede de contestação, a caducidade do direito de acção e o caso julgado, pelo que cumpre apreciar.
E para tal, fixa-se a seguinte factualidade relevante, extraída dos documentos constantes dos autos:
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A Impugnante foi alvo de acção inspectiva, relativa aos anos de 2003, 2004 e 2005, constando do relatório da inspecção tributária o seguinte: - imagens omissas - Cfr. teor de fls. 196 a 221 dos autos (p.f.).
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Foram emitidas então as respectivas liquidações de IVA, que foram impugnadas judicialmente no processo nº 1171/10.3BEAVR, que correu termos neste Tribunal, com o seguinte teor: MERITÍSSIMO JUIZ DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE AVEIRO PROCESSO Nº 1 417 595 Recurso Hierárquico “CASA…, LDA, pessoa colectiva NIPC 5…, colectado no Serviço de Finanças de Espinho, com sede na Rua…, 4500-361 ESPINHO vem, ao abrigo do...
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