Acórdão nº 00803/16.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução09 de Setembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO ACV intentou processo cautelar contra o Ministério da Administração Interna, ambos já melhor identificados nos autos, pedindo a suspensão da eficácia do despacho da Senhora Ministra da Administração Interna, de 19 de fevereiro de 2016, que o puniu com a pena de demissão, o que lhe foi notificado em 11 de março de 2016.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a providência cautelar.

Desta decisão vem interposto recurso.

Em alegação o Requerente concluiu o seguinte: 1. O Tribunal a quo não se debruçou concretamente sobre os fundamentos do “periculum in mora”, no caso concreto e 2. Apesar dos factos provados constantes dos itens 19, 20, 21, 22 e 23 da douta sentença é inquestionável que no caso concreto, a aplicação da pena de demissão, ainda que venha a ser revertida, leva a que o requerente deixe de perceber o seu vencimento na totalidade.

Ora, só esse facto é potenciador de se poder concluir que se verifica este pressuposto, de uma situação de facto consumado, sem necessidade de quaisquer outras considerações, pois terá de viver num determinado período de tempo sem contar com o seu vencimento, pois vê-se sem fontes de rendimento, tendo de se socorrer necessariamente da ajuda de terceiros (pais e irmãos emigrados em França).

  1. Os danos que o não decretamento da providência cautelar causará ao requerente serão de difícil reparação, duma forma muito objectiva.

  2. Do requisito “fumus boni juris”: Embora a douta sentença, numa análise meramente perfunctória, preveja que não haja procedência na acção principal a intentar, e que a pena de demissão não seja passível de ser considerada desproporcionada, no entanto, e analisando todo o processo disciplinar, dir-se-á que: a) A decisão da Senhora Ministra da Administração Interna não teve em consideração a confiança dos superiores hierárquicos directos do requerente, antes e depois do cometimento do ilícito; b) O requerente mereceu e merece a compreensão de todos os elementos que com ele trabalham e sendo merecedor de nova oportunidade para continuar a exercer as suas funções, conforme declarações dos superiores hierárquicos do requerente, com relevo para o seu Comandante de Esquadra; c) Quanto à justiça da pena aplicada, estamos perante uma violação grosseira do art.º 43.º do Regulamento Disciplinar da PSP; d) Na génese da decisão disciplinar esteve subjacente apenas e tão só a gravidade da infracção (ao arrepio dos restantes critérios que compõem o art.º 43.º do RD/PSP), escamoteando a categoria do funcionário ou agente, o seu grau de culpa, a sua personalidade, o seu nível cultural, o tempo de serviço e todas as circunstâncias que militem contra ou a favor do arguido.

  3. A Administração, na sua decisão, não ponderou todas as circunstâncias, porquanto o tratamento no caso concreto para o requerente foi exactamente o mesmo como se estivéssemos perante um cadastrado, uma pessoa sem escrúpulos, mau carácter, com péssimas referências na sua actividade policial e 6. Até foi mais longe que a decisão do Tribunal Criminal que perante as circunstâncias concretas do caso aplicou ao requerente a pena mínima e suspensa na sua execução, estando o processo criminal extinto e com trânsito em julgado.

  4. Se tivesse sido ponderada a decisão, teria, certamente, levado a decisora não para uma pena expulsiva, mas para uma pena conservatória, porquanto para que se verifique a inviabilidade da manutenção da relação funcional é necessário que a atitude do funcionário seja de tal gravidade que tenha sem mais de ser reconhecida, de facto, pelos seus superiores hierárquicos, o que no caso concreto de forma alguma ocorreu.

  5. Aliás, foram bem vincadas as qualidade morais e profissionais do requerente e efectivamente tratou-se de um acto isolado, praticado em circunstâncias anómalas e muito excepcionais da vida pessoal do requerente.

  6. No caso concreto e como se evidenciará na Acção Principal a justiça perante este comportamento do requerente é desadequada e conflitua, abertamente, com o principio da proporcionalidade.

  7. Mostrando-se assim preenchido o requisito do “fumus boni juris”.

  8. DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES Embora a douta sentença faça alusão a um eventual clima de “contágio” pernicioso para o interesse público.

  9. Ora esta argumentação, salvo o devido respeito, é abstracta e falaciosa e os factos ocorridos durante a suspensão do requerente e no período após o reingresso nas sua funções demonstram inequivocamente que o requerente foi alvo de uma solidariedade sem precedentes não só na sua Esquadra como em outros Departamentos Policiais, com a recolha de fundos e géneros alimentícios para o seu sustento mínimo.

  10. Aliás, basta atentar no depoimento isento do seu colega Ag. AM (inquirido a 14 de Maio de 2015) para se confirmar o grau de solidariedade e compreensão em redor do requerente (cf. fls 121 a 124 do PA junto ao processo físico).

  11. E contrariamente ao que se procurou evidenciar, neste caso concreto, não foi nunca abalada a disciplina e o espírito de corpo subjacentes ao funcionamento da PSP, e por isso 15. Nunca esteve em causa qualquer prejuízo para o interesse público.

  12. E de facto, os elementos policiais que convivem no dia a dia com o requerente afastam, liminarmente, qualquer fantasma de “contágio”, pernicioso para o interesse público.

  13. Sendo de ponderar os interesses pessoais, humanos e profissionais do requerente, que com o afastamento definitivo da PSP poderá a sua vida sofrer grandes e graves alterações, também do ponto de vista psicológicos, agravando uma situação anímica que parecia estabilizada após a “fuga” da esposa para parte incerta e o “saque” autêntico que provocou na conta bancária do requerente, deixando-o na miséria e com um filho de 15 anos para criar (estando, neste momento, a frequentar a Universidade de Aveiro).

  14. Estão, em síntese, criadas as condições para que se produza o “juízo de prognose” que revele a probabilidade de ser dada razão ao requerente na causa principal e deste modo assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo.

  15. Torna-se, assim, evidente a existência de “fumus boni juris” do pedido a formular no processo principal, devendo por isso, ser adoptada a providência aqui solicitada, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.

  16. No caso de se entender de forma diferente, mesmo assim deve ser decretada a providência ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, por ter ficado provada a existência de fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não é manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular nesse processo.

    Nestes termos e nos melhores de direito que suprirão, deverá ser admitido e declarado procedente o presente recurso.

    O pedido de apoio judiciário ainda não se encontra decidido, pelo que, neste momento, não se procede a qualquer pagamento de taxa de justiça, ficando a aguardar a decisão dos serviços da Segurança Social de vila Nova de Gaia.

    O Ministério da Administração Interna contra-alegou, concluindo deste modo: I. Compulsados os autos, analisando-se da legalidade que estes comportam, é inequívoco que o ato administrativo punitivo ora sob escrutínio respeita a lei e o direito; II. Quanto à matéria de facto constata-se que os factos encontram-se inequivocamente provados, sendo manifesto que o ora Recorrente praticou os factos constantes da acusação, assinalando-se que a doutrina e a jurisprudência defendem que a força do caso julgado da sentença penal se impõe à Administração relativamente aos factos que originam ambos os processos e que tiverem sido dados como provados em sede criminal; III. O ora Recorrente, foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de peculato, p.p. pelo art.º 375.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, tendo a sentença condenatória transitado em julgado em 22 de janeiro de 2015; IV. É manifesto que o ora Recorrente praticou os factos dados como provados na decisão judicial transitada em julgado, os quais se dão como provados em sede disciplinar, tendo-se consolidado na ordem jurídica por força da própria natureza do caso julgado; V. O ora Requerente agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de se apropriar da quantia de €690,00 (seiscentos e noventa euros), que lhe foi entregue em razão do exercício das suas funções de agente da PSP, gastando-a em proveito próprio em detrimento do património do Estado, onde devia ingressar; VI. O Recorrente ao atuar como atuou sabia que o seu comportamento integrava ilícitos disciplinares e penais, praticando os factos com dolo; VII. Bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e disciplinarmente censurável, pois pôs em causa o interesse do Estado, violando o seu estatuto profissional; VIII. Os factos imputados ao arguido, ora Requerente, provados ao longo do processo disciplinar e pelos quais foi condenado em Tribunal, constituem infração disciplinar muito grave e violadores dos deveres decorrentes da função policial, sendo o comportamento do arguido indigno de um agente de autoridade, lesivo e ofensivo da imagem da PSP, quebrando irremediavelmente a relação de confiança entre o arguido e a Corporação e cuja gravidade é inviabilizadora da manutenção da relação laboral; IX. Nesta conformidade, a punição a aplicada ao arguido, ora Recorrente, justifica-se por razões retributivas e preventivas, nomeadamente ao nível da prevenção especial, na dimensão negativa, porquanto o arguido constitui-se como um exemplo negativo enquanto elemento de uma força policial, quer perante a sociedade, quer perante os restantes agentes da PSP, uma vez que de forma livre e consciente, o arguido perdeu totalmente a noção exata dos valores, tendo que, por isso, ser devidamente responsabilizado; X. À...

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