Acórdão nº 06403/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 13 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução13 de Novembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I- Relatório A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 154/164, que julgou procedente a impugnação deduzida por Maria ………….. contra a liquidação de IRS n.º…………………., relativa ao ano de 2005, no valor de €6.883,26, incluindo juros compensatórios no montante de €770,98.

Nas alegações de recurso de fls. 211/224, a recorrente formula as conclusões seguintes: a) Foi violado pela douta sentença o artigo 38.º/1, da LGT.

b) Nos termos do artigo 38.º/1, da LGT, “a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes”. Na presente impugnação foi junta aos autos a douta sentença proferida na acção de processo ordinário n.º 1025/09.6TBGRD, que correu termos no Tribunal Judicial da Guarda, onde era pedida pela impugnante/recorrida a declaração de nulidade da alienação do bem que está na origem da liquidação de IRS ora em causa, em virtude da autora (ora impugnante) ter assinado “a procuração convicta de que a mesma serviria tão só, para que fosse conseguido o empréstimo de 50 mil euros, ficando a sua casa hipotecada para garantia de tal empréstimo, não ignorando a primeira ré (que outorgou a escritura de compra e venda como procuradora da alienante), de que a vontade da autora era apenas para o aludido efeito" (fls. 3 e 4 da sentença).

Ora, é referido na sentença em análise, a fls. 10, que "... ao lado dos interesses do declarante e do declaratário poderão ainda existir interesses privados de eventuais terceiros que do declarante ou do declaratário tenham adquirido direitos. De facto, para além destes interesses individuais, devem ainda ser relevados os interesses gerais do comércio jurídico onde se salvaguarde a segurança, celeridade e confiança da contratação". Considerando mais à frente, a fls. 11, que a situação em análise na sentença "representa um dos casos em que há "erro sobre o conteúdo da declaração. De facto, compulsada a factualidade dada como provada, verifica-se que a autora pretendia emitir uma declaração negocial, mas com um sentido e alcance diferente do que emitiu. Pois, como decorre da aludida factualidade, pretendia a autora apenas disponibilizar o seu património, como garantia, para um mútuo bancário a contrair pelo seu filho e pela sua nora, aqui primeira ré". Continuando, a fls. 13 e 14, referindo que "os actos praticados por um representante sem poderes ou falsus procuratom são ineficazes em relação à pessoa em nome da qual se celebrou o negócio sendo que não havendo ratificação, o representante sem poderes, verificada culpa sua, (como sucede neste caso) responde perante a contraparte, com fundamento em responsabilidade pré-negocial (art. 227º), responde pelo interesse contratual negativo ou interesse da confiança ...". Concluindo então, a fls. 14 e 15, que "sendo certo que, neste caso, não obstante a autora ter pedido a nulidade de tal escritura, por falta de legitimidade da primeira ré, e não a ineficácia do negócio relativamente à autora, a realidade é que tal circunstância não obsta a que o tribunal convole esse pedido de anulação para a declaração de ineficácia prevista no artigo 268º do Código Civil... Pelo que, tudo ponderado e apreciado, julga-se nesta parte a acção procedente, por provada, determinando-se assim a anulação da procuração outorgada pela autora no dia 10 de Março de 2005 a favor da ré Sónia …….. e, em consequência disso, a ineficácia do contrato de compra e venda celebrado entre a referida ré e os réus Vítor ……… e Marlene …… no dia 13 de Abril de 2005, no cartório notarial de Ovar, da licenciada Maria …………. relativamente à autora, determinando-se consequentemente o cancelamento do registo efectuado na Conservatória do Registo Predial a favor dos segundos réus".

c) Ou seja, determinando a sentença a ineficácia do contrato de compra e venda celebrado entre a referida ré e os réus Vítor …….. e Marlene ……… no dia 13 de Abril de 2005, não faz repercutir os seus efeitos em relação a terceiros e nomeadamente à situação em causa nos presentes autos, à administração fiscal, que mantém o poder-dever de tributar aquele facto tributário, que não desapareceu da ordem jurídica.

d) Depois, é também de evidenciar que a acção de condenação - acção de processo ordinário com o nº 1025/09.6TBGRD - supra explicitada, apenas foi interposta em 27/07/2009, ou seja, apenas mais de quatro anos após a celebração da escritura de compra e venda em causa nos autos, quando os efeitos económicos pretendidos pelas partes há muito se haviam produzido, quais sejam a transmissão do imóvel desde logo para efeitos de obtenção de empréstimo bancário, imediatamente atribuído com a prestação da garantia de hipoteca sobre o imóvel em causa e através de fiadores, empréstimo, registo da hipoteca e fiança que se mantiveram e mantém após a sentença supra a determinar "a anulação da procuração outorgada pela autora no dia 10 de Março de 2005 a favor da ré Sónia …… e, em consequência disso, a ineficácia do contrato de compra e venda celebrado entre a referida ré e os réus Vítor …. e Marlene …… no dia 13 de Abril de 2005"; acção de processo ordinário que, para além de ser interposta apenas quatro anos após a escritura, é interposta também apenas após a notificação do projecto de correcções ao IRS/2005 decorrente da escritura de venda do imóvel, notificação esta efectuada em 03/04/2009, ou seja, nitidamente como forma de obviar à tributação.

e) Conforme evidenciado na sentença proferida no processo nº 1025/09.6TBGRD em sede de fundamentação e dos factos, "como se referiu, os réus, pessoal e regularmente citados não apresentaram qualquer contestação. Assim sendo, considera-se a revelia dos réus operante e, ao abrigo do disposto no artigo 484º, no 1 do Código de Processo Civil, consideram-se confessados todos os factos articulados pela autora, que aqui se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos", ou seja, vigorando no processo civil o princípio do dispositivo e a regra prevista no artigo 484º do CPC, mais não restaria ao tribunal do que julgar a acção procedente - ainda que o processo, com a anuência de todas as partes, tenha tido precisamente como escopo a evitação fiscal -, embora, ao determinar apenas a ineficácia da compra e venda (ao contrário do pretendido pela autora), levou à manutenção na ordem jurídica de "interesses privados de eventuais terceiros que do declarante ou do declaratário tenham adquirido direitos", ou seja, tendo-se verificado o facto tributário em causa já em 13/04/2005 e tendo-se produzido com a celebração da escritura de compra e venda os efeitos económicos pretendidos pelas partes precisamente na mesma data - a transmissão do imóvel desde logo...

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