Acórdão nº 10528/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução30 de Abril de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório JULIANA ………………………. veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAC de Lisboa, datada de 18.03.2013, que julgou procedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa intentada pela Digna Magistrada do Ministério Público junto daquele Tribunal.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: I.

Por força do artº Artigo 40º, nº3 do CPTA «nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito».

II.

A presente acção foi julgada por tribunal singular que é, em razão desse normativo, incompetente para o julgamento da causa.

III.

Deve este tribunal conhecer da excepção de incompetência do tribunal singular, ordenando-se que o processo volte à primeira instância para ser julgado por tribunal colectivo.

IV.

Tendo sido apresentadas testemunhas, para prova da ligação à comunidade nacional, mesmo que tenha sustentado que a lei não exige a produção de tais provas, não podia o tribunal dar como provada a inexistência de ligação à comunidade nacional sem dar cumprimento ao artº87º, 1 al.c) do CPTA, que foi violado.

V.

Não foi dado como provado qualquer facto que possa constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, pelo que a acção carece de fundamento.

VI.

A decisão recorrida ofende, por isso mesmo, o disposto no artº9º da Lei da Nacionalidade.

VII.

Ao considerar que «não obstante a lei estipular que a tramitação dos autos segue a forma da acção especial, o seu objectivo consubstancia uma acção de simples apreciação negativa, nos moldes estatuídos no artº4º,2, al. a) do CPC, aplicável ex vi do artº1 do CPTA» o tribunal a quo fez uma interpretação contra legem que constitui uma afronta ao principio da separação de poderes, constitucionalmente estabelecido, pois que ofende norma expressamente alterada pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17 de abril.

VIII.

O direito da recorrente à aquisição da nacionalidade portuguesa é um direito subjectivo, que deriva da própria lei, mais precisamente do artº3 da Lei da Nacionalidade.

IX.

A recorrente tem direito à aquisição da nacionalidade portuguesa, por ser casada com nacional português há mais de 3 anos, podendo exercer esse direito mediante declaração.

X.

A inexistência de ligação do cônjuge estrangeiro de nacional português à comunidade portuguesa só se verifica quando o casamento é um artifício que não corresponde a um projecto comum de vida, a uma «plena comunhão de vida», para usar a definição do artigo 1577º do Código Civil.

XI.

Citando o ensinamento de GOMES CANOTINHO, contra o que foi escrito na sentença recorrida: a.

- «a comunidade politica (res publica) é uma comunidade constitucional inclusiva; daí que os direitos fundamentais à nacionalidade e à cidadania não possam ser densificados através do entendimento clássico de «comunidade nacional»; b.- uma comunidade constitucional inclusiva, embora também a inclua, não é assim apenas uma comunidade de portugueses, residentes no território ou no estrangeiro (veja-se a este título, por exemplo, o que dispõe o artigo 59º: « Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas[…]»); c.- na lógica da nova interpretação do critério ius sanguinis, uma visão constitucionalmente adequada do vínculo jurídico entre o Estado português e uma pessoa, deve ter-se, além de a partir de dentro, também a partir de fora (neste sentido, cfr. artigos 44º, nº1, 115º, nº12 e 121º), o que implica um reconhecimento da nacionalidade a todas as pessoas que sejam fruto de uma disseminação da comunidade de portugueses, que é constituída por um povo aberto à emigração/migração e, por isso mesmo, vigilante no que respeita à mistura cultural, social e étnica; d.- uma interpretação constitucionalmente adequada do direito fundamental à nacionalidade portuguesa na comunidade constitucional inclusiva portuguesa implica, assim, a titularidade deste direito por todas as pessoas que possuam uma conexão relevante com Portugal (genuine link); e.- no que respeita ao ius soli – o outro critério clássica - na lógica da tendência para a sua valorização na nova compreensão do conceito de cidadania desnacionalizada, uma interpretação constitucionalmente adequada conduz a que estrangeiros possam, também, ter «direito à qualidade de membro da República portuguesa» e, nesse medida, serem tratados como sujeitos-pessoas, com respeito pelos princípios da igualdade e da não descriminação; f.- apesar de legislador constituinte se ter abstido de delimitar materialmente os conceitos, uma densificação não arbitrária e, por isso, legalmente adequada deve, na perspectiva da titularidade de direitos fundamentais, densificar os direitos à cidadania e à nacionalidade numa lógica de titularidade de direitos por um sujeito-pessoa, o que exige um critério alargado para o seu reconhecimento (ressalvadas, obviamente, as excepções constitucionais – cfr., artigo 15º, nº2: g.- uma densificação não arbitrária deve, outrossim, na perspectiva principal, respeitar os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Com efeito, se, em termos gerais o legislador infra-constitucional está sempre vinculado ao princípio da igualdade na densificação/concretização de direitos fundamentais (neste caso, dos direitos fundamentais à nacionalidade e cidadania) instrumentos e jurisprudência internacionais reforçam, nesta matéria, esse entendimento.

XII.

A obrigatoriedade de apresentação de provas de ligação à comunidade nacional deixou de existir com a publicação da Lei Orgânica nº2/2006, de 17 de abril.

XIII.

A douta decisão recorrida, assentando, como assenta, em norma revogada é nula.

XIV.

Mas, para além disso, é inconstitucional, porque ofende, neste aspecto, o disposto no artº202º, 1 e 2 da CRP.

XV.

A nova redacção dada à alínea a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade eliminou da esfera das obrigações do requerente da nacionalidade a alegação e prova de «ligação efectiva à comunidade nacional», passando tal ónus , e de forma inversa – a da «inexistência de ligação efectiva» - a recair sobre as autoridades que venham a suscitar oposição ao propósito manifestado pelo requerente.

XVI.

Ao considerar que o artº9º al.a) da Lei da Nacionalidade estabelece que constitui fundamento de oposição a essa aquisição a não comprovação de ligação efectiva à comunidade nacional.

(...)» o tribunal violou o próprio art°9° al a) do mesmo diploma tem agora outra formulação.

XVII.

Os elementos constitutivos do direito à aquisição da nacionalidade são o próprio casamento e a declaração de vontade da aquisição proferida na sua constância.

XVIII.

O que a lei prevê é que essa declaração possa ser posta em causa através de factos, concretos e objetivos, que permitam concluir para inexistência de uma ligação à comunidade nacional, nomeadamente se o casamento não constituir um projeto de plena comunhão de vida (art°1577° do Código Civil).

XIX.

Não foram apresentados ao M°P° nem o M°P° apresentou em juízo quaisquer factos que permitam concluir, com um mínimo de seriedade, pela inexistência de ligação da recorrente à comunidade portuguesa.

XX.

A conclusão ou a afirmação de que a R. não tem uma ligação à comunidade portuguesa, pelo que é considerada uma indesejável como cidadã da República em termos de justificar a sua rejeição ofende a unidade da família que que é garantida pela Constituição da República.

XXI.

Uma tal rejeição ofenderia, para além disso, por natureza, de forma brutal o princípio da igualdade dos cônjuges, garantido pelo art.°36°, 3 da lei fundamental e ultrapassa largamente os limites da coesão do casamento estabelecidos na reforma introduzida no nosso direito da família pela Lei n°61/2008, de 31 de outubro.

XXII.

A oposição à aquisição da nacionalidade por parte de cônjuge de cidadão português, importando uma ação de rejeição à integração de tal indivíduo na sociedade portuguesa, constitui uma evidente crítica ao próprio casamento e à integração desse cônjuge na respetiva família, ofende o disposto no referido art° 36°, 3, a não ser que razões muito fortes o imponham.

XXIII.

Uma interpretação constitucionalmente adequada permite perceber que a CRP de 1976 reconhece quer o vínculo jurídico entre o Estado português e uma pessoa, adjetivando o conceito — os cidadãos portugueses (cfr., em especial, artigos 4.°, 14.°, 33.°, 121.°, 147.° e 275.°) -, quer a qualidade de membro da rés publica no sentido de comunidade política (cfr., em especial, artigos 13.°, 15.°, 26.° e 272.°)

e que «a comunidade política (rés publica) é uma comunidade constitucional inclusiva».

XXIV.

«No que respeita à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, a grande modificação do actual regime jurídico operou-se com a extensão daquela faculdade às uniões de facto, matéria em que se exige uma durabilidade igual à do casamento (3 anos). Porém, a nova redação dada à alínea a) do artigo 9.°, eliminou da esfera das obrigações do requerente da nacionalidade a alegação e prova de «ligação efectiva à comunidade nacional», passando tal ónus, e de forma inversa - a da «inexistência de ligação efetiva» — a recair sobre as autoridades que venham a suscitar oposição ao propósito manifestado pelo requerente.» (CANOTILHO).

XXV.

Esta relevante alteração veio atribuir à verificação dos requisitos da aquisição do direito à nacionalidade (os constantes do artigo 3.° e 5.°) verdadeira presunção da existência de «ligação efectiva à comunidade», elidível, contudo, pelas alegação e prova de factos que demonstrem a inexistência de tal ligação.

(CANOTILHO, ibidem).

XXVI.

A inversão do ónus da prova (estabelecida na reforma de 2006) vai no sentido de que a aquisição da nacionalidade portuguesa é a priori automática, bastando à pessoa-requerente reunir as...

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