Acórdão nº 08958/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelHELENA CANELA (por vencimento)
Data da Resolução16 de Abril de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O Estado Português, representado pelo Ministério Público, réu na ação administrativa comum sob a forma de processo ordinário instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (Proc. nº 139/06.9BEFUN) por Rui …………………… (devidamente identificado nos autos), no qual peticionou a condenação daquele no pagamento da quantia global de 77 245,79 €, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, e ainda os danos futuros que vieram a revelar-se, a fixar em execução de sentença, inconformado com a sentença de 23/02/2012, daquele Tribunal, pela qual, julgada parcialmente procedente a ação foi o réu Estado Português condenado a pagar ao autor a quantia de 40.000,00 € a título de indemnização por danos morais, bem como aquilo que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais referidos nos factos R) e T), acrescidos de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento, vem dela interpor o presente recurso, pugnando pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que julgue totalmente improcedente o pedido formulado pelo Autor.

Nas suas alegações o Recorrente formula as seguintes conclusões nos seguintes termos: «1.º A sentença recorrida omite por completo a operação de julgamento da matéria de facto essencial para a apreciação da questão analisada e decidida pelo que, por falta de fundamentação de facto e por ter violado o disposto nos artigos 653º, nº2 e 659º, nº3 do CPC, é nula nos termos do art.668º, nº l, al. b) do mesmo Código.

  1. E a sentença sob recurso enferma ainda do vício de contradição entre os fundamentos e a decisão o que acarreta a sua nulidade face ao disposto no art. 668.º, nº l, al. c) do CPC.

  2. Perante o pedido formulado nos autos - indemnização com fundamento em facto ilícito - é aplicável, ao caso, a regra geral da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por facto ilícito, tal qual é definida no Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967.

  3. A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano, e o nexo de causalidade entre este e o facto.

  4. No caso em apreço, as forças policiais adaptaram todos os procedimentos adequados, quer ao realizar o teste rápido ao produto apreendido (pelo menos nada se provou em contrário), quer na comunicação efectuada aos órgãos de comunicação social no contexto dos procedimentos de informação.

  5. De facto, a própria sentença reconhece que "a PSP informou os media apenas de que o teste rápido dera o produto apreendido no automóvel como sendo heroína, sem identificar os ocupantes do veículo" (facto S). Não está portanto provado que tenha sido a PSP a identificar o A.

  6. Perante os factos provados nos autos é de concluir pela inexistência de ilicitude e de culpa.

  7. Claudica, de igual forma, o pressuposto do nexo de causalidade, pois, os factos provados não permitem formular qualquer juízo de imputação dos eventuais prejuízos à actuação dos elementos da P.S.P.

  8. Assim, e pelo exposto, entendemos que o Réu Estado deve ser absolvido do pedido.

  9. Tendo a sentença agora posta em crise violado a Lei, nomeadamente os artigos 2.º nº l e 6.º do DL 48051, de 21 de Novembro de 1967.

  10. Quando assim se não entenda e, sempre sem conceder, deverá o valor da indemnização, nomeadamente por danos não patrimoniais, fixado em €40.000,00, ser substancialmente reduzido.

» Notificado o Recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção do decidido na sentença recorrida, tendo formulado ali as seguintes conclusões, nos seguintes termos: «1. A sentença recorrida bem esteve contém todas as razões de facto e de direito, ainda que de forma sucinta, que demonstra claramente por que se decidiu naquele sentido.

2. O Mmº Juíz a quo, e na douta sentença proferida, identifica com suficiência e clareza os motivos, causas ou pressupostos da sua decisão; 3. A sentença recorrida não enferma de qualquer vício de contradição entre os fundamentos e a decisão, não se verificando qualquer nulidade, devendo por isso ser mantida; 4. Encontram-se preenchidos todos os requisitos ou pressupostos do dever de indemnizar do Estado Português por facto ilícito, previsto nos artºs 2º e 6º do DL 48051 de 22.11.67, bem como nos termos do art. 483º, 487º e 493º nº1 do Código civil., culpa essa por parte da PSP por negligência dos seus órgãos ou agentes; 5. Existe nexo de causalidade entre a conduta objectiva da PSP e os danos referidos e sofridos pelo apelado, na medida em que a actuação da PSP na comunicação efectuada aos meios de comunicação social não foi feita com cuidado, sem reserva pela identificação das partes envolvidas, e sem a certeza dos resultados obtidos, gerou alarme social e teve as suas consequências na esfera pessoal e patrimonial do apelado.

6. Estamos perante um facto ilícito, culposo.» Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

* II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO (das questões a decidir) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo (correspondentes aos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, são colocadas a este Tribunal as seguintes questões: 1. - saber se a sentença recorrida é nula: - nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo), por falta de fundamentação de facto e por ter violado o disposto nos artigos 653º, nº2 e 659º, nº3 do CPC - (conclusão 1ª das alegações de recurso); - nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo), por contradição entre os fundamentos e a decisão - (conclusão 2ª das alegações de recurso); 2. - saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento (de direito), por perante os factos provados nos autos ser de concluir pela inexistência de ilicitude e de culpa bem como do pressuposto do nexo de causalidade, por os factos provados não permitirem formular qualquer juízo de imputação dos eventuais prejuízos à atuação dos elementos da P.S.P., devendo o Estado Português ter sido absolvido do pedido indemnizatório, e se ao decidir como decidiu a sentença recorrida fez errada interpretação dos artigos 2º nº 1 e 6º do DL. nº 48051, de 21 de Novembro de 1967 – (conclusões 3ª a 10ª das alegações de recurso).

3. - saber se em vez dos 40.000,00 € de indemnização por danos não patrimoniais fixados na sentença recorrida, deve o valor de tal indemnização ser reduzido, com fixação de montante substancialmente inferior – (conclusão 11ª das alegações de recurso).

* III. FUNDAMENTAÇÃO A – De facto Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos: «Do saneador

  1. A 8 de Fevereiro de 2005, o A. sofreu um acidente de viação pelas 13h50 na ER 101, no sentido …………- …………...

  2. Na altura fazia-se acompanhar pelo seu irmão, que veio a falecer.

  3. Após todas as demais diligências para assistência aos feridos.

  4. Os agentes da PSP, ao procurar dentro da viatura os elementos de identificação do condutor, ora A., encontraram dentro da sua carteira do condutor, um produto "de cor castanho claro embrulhado num papel branco" (doc.1).

  5. Os agentes em questão deslocaram-se à esquadra da PSP de ……………, onde procederam ao “Teste rápido de detecção de produto de estupefaciente, do tipo "A", reagente "Marques"”, tendo o mesmo dado positivo.

  6. O qual, após pesagem, apresentou o peso de 0,55gr.

  7. Tal "apreensão" foi noticiada nos meios de comunicação, nomeadamente no Diário de Notícias e Jornal da Madeira, no dia 10 de Fevereiro de 2005 (doc.2).

  8. Após a análise e observação do referido produto constatou-se que era heroína.

  9. O A. encontrava-se ferido.

  10. Contudo, já posteriormente, ao ter conhecimento da situação, não aceitou, dado que nunca foi nem consumidor, nem tão pouco traficante.

  11. Efectivamente aquele era um pó do A., mas não era drogas.

  12. Era pó da ervanária, que lhe tinham aconselhado a usar na carteira para afastar "invejas" e "maus-olhados", N) Não era, nem nunca foi, pó estupefaciente.

  13. Efectivamente após a análise laboratorial pelo laboratório da Polícia Científica (LPC) da Polícia Judiciária em Lisboa, constataram que não se tratava de droga.

  14. Aliás, tal foi também noticiado no Diário de Notícias e Jornal da Madeira no dia 4 de Agosto de 2005.

  15. Vindo inclusive o Comando Regional a esclarecer.

  16. Desde a data do acidente até à presente, o A. vê a sua clientela diminuída, perdendo desse modo receitas.

    Das respostas à base instrutória S) O A. começou a ser rotulado de "drogado" e "traficante" em consequência das notícias publicadas, sendo que a PSP informou os media apenas de que o teste rápido dera o produto apreendido no automóvel como sendo heroína, sem identificar os ocupantes do veículo.

  17. Inclusive o A., que possuía uma empresa de construção, começou a perder clientes devido a fama que possuía.

  18. O seu próprio filho, que tinha apenas 12 anos, era apontado na escola como o filho do drogado.

  19. O que tem gerado grande sofrimento em toda a família.

  20. O A., em virtude das calúnias que foi alvo, tinha vergonha de sair à rua pois era apontado.

  21. Por causa desta situação, o A. teve de ir a médicos, incluindo um psiquiatra.

    A

  22. O A., antes do acidente, auferia em part-time nos fins de semanas, em trabalhos de pintura de residências, uma média de € 200,00 (duzentos euros)...

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