Acórdão nº 12722/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelNUNO COUTINHO
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório Ministério Público intentou acção de perda de mandato contra Filipe …………………….

Por decisão proferida em 23 de Setembro de 2015, o T.A.C. de Lisboa julgou a acção procedente.

Inconformado com o decidido, recorreu o R. para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões: “A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou procedente a acção apresentada pelo Ministério Público de perda de mandato do Réu estribado na redacção da alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto e, em consequência, decretou a perda de mandato do Réu como presidente da Junta de Freguesia de Sacavém e Prior Velho e membro da Assembleia Municipal de Loures, para o qual foi eleito por inerência, por entender que era inelegível nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto.

  1. Salvo o devido respeito, que é muito, o Réu não pode deixar de manifestar a sua discordância com os argumentos que sustentam a decisão proferida pelo Tribunal a quo. Vejamos: C. A Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra, no seu artigo 50.º, sob a epígrafe «Direito de acesso a cargos públicos», que menciona que todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos e que no acesso a cargos electivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos – sendo esta a norma que rege o caso dos autos.

  2. Esta norma aplica-se directamente, por força do artigo 18.º, n.º 1 da CRP.

  3. A jurisprudência tem vindo a entender que o estabelecimento de inelegibilidades, gerais e especiais, bem como o sancionamento de determinados comportamentos tidos por ilícitos e ilegais visam, respectivamente, assegurar garantias de dignidade e genuinidade ao acto eleitoral e, simultaneamente, evitar a eleição de quem, pelas funções que exerce (ou outras razões que o tornem indigno), se entende que não deve ou não pode representar um órgão autárquico ou ainda que não pode permanecer no exercício daquelas funções quem se tornou indigno das representar e efectivar.

  4. O artigo 50.º da CRP, que diz respeito ao direito de acesso aos cargos públicos e que constitui expressão do direito à participação na vida pública (cfr. artigo 48.º da CRP), é um direito de natureza política que integra o catálogo dos direitos, liberdades e garantias, beneficiando, consequentemente, do regime próprio e da força jurídica que o texto constitucional concede aos direitos, liberdades e garantias.

  5. Assim, resulta do facto de estarmos perante um direito de natureza política que integra o catálogo dos direitos, liberdades e garantias, que estes (i) não podem ser restringidos senão nos casos expressamente admitidos pela Constituição, restrição essa que está sujeita a reserva de lei (cfr. n.º 2 art. 18.º da CRP); (ii) que a restrição, mesmo que constitucionalmente autorizada, só é legítima se for justificada pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de outro interesse constitucionalmente protegido (cfr. art. 18.º, n.º 2 da CRP); e (iii) que a medida restritiva estabelecida por lei tem de respeitar o princípio da proporcionalidade nas suas três dimensões - adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito - (cfr. art. 18.º, n.º 2 da CRP).

  6. A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, fez incorrecta aplicação das disposições legais supra, tornando a mesma desproporcional aos factos, inadequada, desnecessária, como de seguida se demonstrará.

    I. As inelegibilidades funcionam como uma restrição à capacidade eleitoral passiva dos visados e, em consequência, equivalem a uma restrição a um direito, liberdade e garantia constitucionalmente consagrado, pelo que apenas podem ser consagradas para assegurar a isenção e independência no exercício das funções autárquicas, sendo que a restrição ao direito fundamental de sufrágio passivo só é admissível na exacta medida do necessário para salvaguardar aqueles outros interesses também eles constitucionalmente protegidos.

  7. Também aqui andou mal o Tribunal recorrido, na medida em que, por um lado, o comportamento do Réu em nada beliscou a sua isenção e independência, nem o Tribunal recorrido sobre isso aventa qualquer facto ou circunstância, nem, por outro lado, existe qualquer interesse constitucionalmente consagrado que urgisse proteger com a perda do mandato do Réu.

  8. A alínea d) do artigo 7.º da Lei Orgânica n.º 1/2001 não estabelece uma inelegibilidade absoluta, na medida em que permite aos sujeitos visados por esta norma poderem, por via da suspensão de funções, puderem ser elegíveis.

    L. O Tribunal a quo não levou em devida conta os fundamentos apresentados pelo Réu no sentido de não lhe ser aplicado a sanção de perda de mandato, desde logo porque, não olvidando o princípio que “ignorantia legis non excusat”, a verdade é que o Réu não tinha efectiva consciência da existência desta disposição e, por maioria de razão, que se encontrava numa situação de inelegibilidade.

  9. Mesmo que o Tribunal recorrido defenda que a ignorância das obrigações legais não afaste a culpa do Réu – ainda que com tal não se concorde – deveria servir esse facto para graduar a culpa do agente, de modo a que, em tese, a existir culpa do agente, assente numa putativa negligência, não se estivesse perante uma culpa grave, mas perante (quanto muito) uma actuação culposa levíssima.

  10. O Tribunal recorrido sobre isso não se pronunciou, limitando-se a uma análise rígida e formal da disposição legal em apreço, desligada do grau de culpa do agente e de uma verificação material do conflito de interesses em causa, em manifesto prejuízo da justiça material, aplicando uma sanção desproporcional e injusta ao Réu.

  11. O Réu não agiu dolosamente na infracção da disposição em causa, pois o Réu não tinha intenção de desrespeitar este preceito legal, que aliás era do seu desconhecimento e cuja aplicação ao seu caso ignorava.

  12. O Réu nem sequer agiu negligentemente perante esta situação, na medida em após a sua eleição e antes da tomada de posse como Presidente da Junta de Freguesia de Sacavém e Prior Velho e, por inerência, como membro da Assembleia Municipal de Loures, o Réu solicitou a emissão de um parecer jurídico externo que se debruçasse sobre a legalidade da cumulação das funções de Chefe de Divisão Financeiras nos SMAS de Loures, que exercia em comissão de serviço, com o cargo de membro da Assembleia Municipal de Loures, tendo-se aí concluído que não existia qualquer ilegalidade na acumulação das funções em causa, o que contribuiu para a decisão de tomar posse nos cargos em causa.

  13. O Réu, por um lado, agiu desconhecendo a ilegalidade da sua omissão e, por outro, actuou de forma diligente, não lhe sendo exigido outro tipo de conduta.

  14. Dispõe o n.º 1 do artigo 10.º.º da Lei n.º 27/96, de 1 de Agosto, com a epígrafe “Causas de não aplicação da sanção” que não haverá lugar à perda de mandato se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes.

  15. Como tem vindo a ser posição da jurisprudência, a perda do mandato só pode e deve ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal, porquanto a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção, que abaixo trataremos.

  16. O regime das inelegibilidades visa, sem qualquer propósito sancionatório, cuidar dos princípios da independência e da isenção no exercício dos cargos autárquicos e da imagem pública dos eleitos locais, prevenindo o perigo de lesão desses valores.

  17. O Parecer n.º 112/02, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, publicado no Diário da República n.º 261, II Série, de 11.11.2003, que veio afirmar que «... na óptica do legislador, para efeito das inelegibilidades em causa, o que releva é sobretudo a materialidade das funções laborais desempenhadas e o seu efectivo desempenho, de que pode decorrer a possibilidade de os interesses específicos inerentes a essa situação funcional se projectarem sobre o exercício do mandato electivo em termos de comportarem o seu desvirtuamento quanto à isenção e...

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