Acórdão nº 12248/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 12 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução12 de Novembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório ……………………….., S.A. (Recorrente) intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja uma acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Município de Sines (Recorrido), pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de EUR 153.933,76, acrescida de juros vincendos à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, correspondente ao valor dos serviços de saneamento e fornecimento de água por si prestados, bem como as custas processuais e demais encargos.

Por sentença daquele Tribunal, rectificada por despacho de 17.12.2014, a fls. 577 e s., foi decidido julgar «procedente a presente acção no que à dívida reclamada, referente ao abastecimento de água para consumo humano respeita» e, improcedente «no que concerne à facturação reclamada pela prestação de serviços de recepção, tratamento e rejeição de efluentes domésticos».

Inconformada com a parte da decisão que lhe foi desfavorável, recorre a Autora para este TCA, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões: A.

O Sistema é, na parte que releva para o caso em discussão no tribunal, um sistema multimunicipal (embora sui generis), aplicando-se o regime jurídico que o legislador forjou, a partir de 1993, para regular tais sistemas.

B.

Os municípios de Sines e de Santiago do Cacém são utilizadores do Sistema assim criado e não submissão do Decreto-Lei nº171/2001, de 25 de Maio, a parecer prévio (embora não vinculativo) dos municípios utilizadores, não põe em causa a legalidade do Sistema, designadamente porque o Sistema não foi criado pelo Decreto-Lei nº171/2001, de 25 de Maio, e ainda porque este diploma legislativo tem força normativa idêntica à do Decreto-Lei nº379/93, de 5 de Novembro (que prevê o parecer dos municípios previamente à criação de sistemas multimunicipais), podendo as suas disposições derrogar as deste.

C.

A prestarão de serviços pela ……… ao Município tem essencialmente fonte normativa, não estando dependente da celebração de qualquer contrato entre as partes nem muito: menos da sua redução a escrito.

D.

O preço aplicável à prestação dos serviços pela ……. é fixado administrativamente, não dependendo de qualquer acto de vontade da - …….. e do Município.

E.

Nessa medida, o regime jurídico que pauta da relação entre a ……. e o Município é oponível ao Município, que o não desconhece.

F.

Não tendo sido reduzido a escrito o contrato de prestação de serviços entre a ……. e o Município de Sines essa circunstância deve ser relativizada na medida em que tal relação está, em extensa medida, regulada num corpo de normas jurídicas, sendo pacífico que a relação entre as partes assenta em fundamento normativo e não contratual. Nessa medida, os aspectos essenciais da referida relação jurídica escapam a autonomia contratual das partes, o que sucede, particularmente, quanto à obrigação do Município adquirir serviços à concessionária e quanto ao preço a pagar por tais serviços.

G.

Especial relevância, nesse domínio, deve ser dada á previsão legislativa dos critérios de fixação das tarifas aplicáveis aos serviços e sua densificação no contrato de concessão e, bem assim, ao facto de as tarifas serem objecto de aprovação pelo concedente, aprovação essa que reveste a forma de acto administrativo e é eficaz relativamente (oponível) aos utilizadores do Sistema.

H.

A decisão tomada pelo Tribunal ignora os pressupostos jurídicos em que se funda a arquitectura do Sistema e, consequentemente, a relação entre a Recorrente e o Recorrido, e incorrendo, pour cause, em manifestos erros de Direito.

I.

Assume significativa relevância a ponderação do comportamento do Município de Sines – concretização na não redução do contrato a escrito e no não pagamento das facturas- à luz do instituto do abuso do direito, previsto no artigo 334º do Código Civil, exercício que é adequado a demonstrar que a atitude do Município é manifestamente contrária às exigências da boa fé. Tal demonstração impunha que o Tribunal com base na teoria das inalegabilidades formais, aceite pela doutrina e jurisprudência, se tivesse abstido de conhecer da nulidade do contracto, sob pena de a sentença se constituir ela própria como facto constitutivo da situação abusiva.

J.

O Réu ao usufruir, durante anos, dos serviços prestados pela Recorrente, sabendo as condições em que os mesmos são prestados, aceitou tais condições, ao menos tacitamente, tal como revela dos actos materiais praticados pelas partes, que demonstram que estas se comportam de acordo com a relação jurídica de entrega e recepção de efluentes domésticos.

K.

A sentença recorrida é nula, por flagrante contradição entre a prova, os fundamentos da decisão e a própria decisão, por quanto a prova produzida conduz inevitavelmente ao resultado inverso, nos termos do artigo 615, nº1, c) do CPC, a qual deverá ser declarada, revogando-se, assim, a sentença em crise.

L.

Ao abrigo do mesmo artº 615, nº1, c) do CPC, o tribunal "a quo " incorreu em erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação do disposto no artigo 289º, tendo presente os factos apurados, quanto ao regime a extrair da nulidade do contrato.

M.

Pois que, mesmo a considerar-se o contrato nulo, o recorrido fica obrigado a pagar à Recorrente, nos termos do nº1 do art.289º do Cod. Civil, o valor peticionado respeitante às facturas por pagar, bem como os juros, tal como é jurisprudência pacífica (vide Acórdão do TCAS, datado de 02/04/2014, processo nº07541/11; Acórdão do TCAS, datado de 06/02/2014, processo nº07864/11: Acórdão do STA, de 24/10/2006, processo nº0732/05, na mesma linha Acórdão do STJ de 11/07/2002, processo n°03B484).

N.

O que a sentença na realidade faz é negar tutela jurisdicional à situação da Recorrente, o que constitui, aliás, uma violação do direito fundamental de tutela e uma interpretação inconstitucional das regras sobre a prestação dos, serviços de recepção, tratamento e rejeição pela concessionária do sistema multimunicipal, que para os devidos efeitos, aqui se deixa arguida.

N.

A sentença recorrida é nula, ao abrigo do disposto no art.615º, nº1, c) do CPC, pois o tribunal "a quo" conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, em manifesto excesso de pronúncia.

P.

O Município não alega que a ……. deva ser condenada ao pagamento de qualquer quantia devida em função das circunstâncias em que a sentença funda o «direito de compensação». A convolação de tais factos em «deveres de compensação» que devessem ser suportados pelo ……., é da inteira e exclusiva lavra do Tribunal.

Q.

Acresce que o reconhecimento pelo Tribunal de um direito de compensação a favor do Município encerra uma apreciação errónea dos institutos jurídicos aplicáveis e uma errada compreensão da natureza jurídica do Sistema e da relação estabelecida entre a …….. e os utilizadores.

R.

Os fundamentos sobre os quais o Tribunal assenta o alegado direito de compensação do Município apresentam-se totalmente irrelevantes enquanto factos extintos, modificativos ou impeditivos do direito da ……… ao recebimento do valor inscrito nas facturas. O que subjaz à defesa dos Municípios é, sim, a sua não conformação com as tarifas administrativamente fixadas, nos termos da lei, sendo certo que nunca o Município lançou mão dos meios judiciais adequados à sua impugnação e, pelo menos, quanto às tarifas em jogo nas facturas objecto da acção, já não pode fazê-lo por ter caducado entretanto tal direito.

S.

Acresce que tal crédito não poderia, ainda que existisse, dar lugar ao exercício pelo Município da excepção de não cumprimento do contrato, uma vez que os contornos jurídicos da figura não encontram qualquer aderência à realidade em apreço. Nem o tribunal poderia conhecer desta excepção a título oficiosa, já que a mesma não é invocada pelo Recorrido.

T.

Em face do todo o exposto, consideramos que assiste razão á Recorrente, quando peticiona o ressarcimento do valor das facturas emitidas, que se dão por assentes no probatório, que foram remetidas ao Réu e por este não pagas, por se encontrarem demonstrados todos os pressupostos de facto e de Direito que ditam a procedência do pedido, assim como no que respeita à condenação ao pagamento de juros, pelo que deverá ser concedido provimento ao recurso de revogar-se a sentença recorrida, por erro de julgamento e em substituição, julgar a acção precedente, condenando-se o Réu no pedido.

Nos termos expostos, o recurso interposto deve ser julgado procedente e provado e, consequentemente, deve a Sentença proferida ser substituída por outra que condene o Réu ao pagamento da dívida reclamada.

Como é de JUSTIÇA.

O Recorrido, Município de Sines, apresentou a sua contra-alegação e, prevenindo a hipótese de o Tribunal conceder provimento ao recurso, requereu a título subsidiário e no uso da faculdade consentida pelo artigo 636.º do CPC, a ampliação do objecto do recurso, tudo com base no seguinte quadro conclusivo:

  1. A douta sentença recorrida não padece de qualquer das nulidades invocadas pela Recorrente ao abrigo do disposto no art° 615°, n° l al. c) e d) do CPC, as quais devem ser julgadas improcedentes, mantendo-se a decisão recorrida. - Cfr. pontos l, 5 a 8 das presentes Contra-Alegações.

  2. A douta sentença recorrida não padece dos erros de julgamento de direito que a Apelante lhe assaca, tendo efectuado uma correta interpretação e aplicação do disposto no art°289° e art°290° ambos do CC, pelo que também nesta sede deve o recurso ser julgado improcedente e mantida a decisão proferida pelo tribunal "a quo".

    - Cfr. pontos l a 4, 9 a 54 das presentes Contra-Alegações.

  3. O sistema gerido pela A. não é um sistema multimunicipal e a A. não é concessionária de um sistema multimunicipal de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes domésticos. - Cfr. Alínea A) a JJJ), dos factos Assentes - sendo certo que não tendo a apelante impugnado a...

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