Acórdão nº 08096/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelCRISTINA FLORA
Data da Resolução04 de Junho de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: PROCESSO N.º 8096/14 I. RELATÓRIO O Impugnante Mário ……………. e mulher, Ana …………………., vêm recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, que julgou improcedente a impugnação, apresentada pelos ora recorrentes, na qual sindicavam o indeferimento de reclamação graciosa contra o acto de liquidação de IRS do ano de 1997, no montante de 386.471,19€, pedindo a sua anulação.

Os Recorrentes Mário …………… e mulher, Ana …………….., apresentaram as suas alegações, e formularam as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES: Quanto à nulidade por violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes: A. A Juiz que efectuou e presidiu à inquirição de testemunhas realizada não foi a mesma que, na Sentença recorrida, apreciou e valorou a prova testemunhal produzida. Assim, o Tribunal não observou um dos princípios estruturantes do contencioso tributário (e do direito processual em geral), o princípio da plenitude da assistência do Juiz, o qual se encontra consagrado no artigo 605º do CPC e dispõe, precisamente, que o juiz que profere decisão acerca da matéria de facto deve necessariamente coincidir com o que assistiu aos actos e diligências relativos à prova da factualidade sub judia, desde logo às audiências de inquirição de testemunhas.

  1. Sendo os recursos em matéria tributária interpostos, processados e julgados como os agravos em processo civil, nos termos do artigo 281º do CPPT, então é aplicável ao caso vertente o disposto no artigo 195º do CPC, segundo o qual a prática de um acto que a lei não admita produz a nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

  2. Ora, é precisamente para garantir a prolação de decisões adequadas à realidade, em que o julgador a capta com o maior rigor possível, que se consagrou o princípio da plenitude de assistência dos juízes, pelo que a violação do mesmo implica necessariamente, por definição, a prática de uma irregularidade que influi no exame ou na decisão da causa.

  3. Assim, deve julgar-se a Sentença recorrida nula, ao abrigo do regime conjugado dos artigos 195° e 605° do CPC, aplicáveis por força da alínea e) do artigo 2° do CPPT.

  4. Uma vez que a presente nulidade foi praticada na própria Sentença, só aí se consumando, o meio processual de reacção pelo qual a mesma pode ser arguida é o recurso jurisdicional da decisão final, aplicando-se o respectivo regime de interposição e de apresentação de alegações, conforme Jurisprudência estabilizada e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo.

    Quanto à anulabilidade por erro de julgamento quanto à data a considerar como momento do facto tributário e, consequentemente, para efeitos de caducidade do direito de liquidação: F. De acordo com a alínea a) do n." 3 do artigo 10° do CIRS, "nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato".

  5. A alínea a) do n." 3 do artigo 10° é uma norma imperativa e o seu teor é claro.

    Não se trata da concessão de uma opção, de uma mera possibilidade, de algo que esteja na discricionariedade dos contribuintes ou da Administração fiscal, mas de um comando estrito: sempre que, antes e independentemente da alienação de bens ou direitos susceptíveis de gerar ganhos qualificáveis como mais-valias, seja celebrado um contrato promessa de compra e venda incidente sobre os bens ou direitos em causa e se verifique, simultaneamente ou não, a tradição, ou a posse por parte de outrem, de tais bens ou direitos, o ganho é considerado obtido na data em que se dá a tradição ou se inicia a posse.

  6. Nos casos em que a tradição ou o início da posse já tenham ocorrido anteriormente ao momento da celebração do contrato promessa, é este o da obtenção do ganho (porque é aí que confluem os dois requisitos da alínea a) do n." 3 do artigo 10° do CIRS: o contrato promessa de compra e venda e a tradição ou posse dos bens ou direitos prometidos).

    I. Num caso em que, não só existe um contrato promessa de alienação de um bem ou um direito, mas se verifica também, simultânea ou posteriormente, a tradição do bem ou direito, ou a posse já não está na esfera do promitente vendedor no momento do contrato promessa, estamos perante uma situação em que, materialmente, este promitente vendedor já se desfez do bem ou direito. Já nenhum fruto ou benefício lhe advirá da propriedade, detenção ou exploração do mesmo. Bem pelo contrário: qualquer rendimento já será recebido pelo promitente comprador, que detém o bem ou o direito.

  7. Ora, o que com a norma o legislador pretendeu foi assegurar que, perante uma situação material deste tipo, de transmissão efectiva, os contribuintes não pudessem evitar a tributação através do expediente puramente formal de protelamento eterno da celebração do contrato definitivo de transmissão.

  8. A situação dos autos cabe integralmente na norma.

    L. Com efeito, existia um contrato promessa pelo qual o Impugnante Mário ………. (à semelhança dos seus sócios) se comprometeu a alienar as suas acções da Cunha …………. à J…….., holding do Grupo …………. detentora de participações sociais em várias sociedades com operação no sector da distribuição.

  9. Esse contrato promessa previa também a possibilidade de, até ao momento do contrato definitivo, a Cunha ……… trespassar ou ceder a exploração dos seus estabelecimentos a uma ou mais empresas detidas pela J……. (designadamente a .……….. que aliás também era parte, como terceira outorgante, no mesmo contrato promessa).

  10. De resto, conforme a própria Administração fiscal reconhece no seu Relatório de Inspecção, essa cessão de exploração havia já ocorrido em Maio ou Junho de 1996, antes da própria celebração do contrato promessa, quando os estabelecimentos passaram a ostentar as insígnias das empresas subsidiárias da JMR, em substituição da insígnia "In…………….".

  11. Na mesma altura, o conselho de administração da Cunha ……….. passou a ser composto por pessoas do Grupo …………….

  12. Portanto, no momento do contrato promessa, a posição do Impugnante Mário ………….. como accionista da Cunha ………… era já uma realidade puramente formal, sem qualquer conteúdo material típico de tal posição de socialidade. Por um lado, era já a J……… que, através dos seus representantes, exercia a administração da empresa. Por outro lado, se esta tinha como única actividade a exploração dos estabelecimentos e essa tinha já sido transmitida às subsidiárias da J…….., os poderes do Impugnante de orientar ou instruir a gestão da Cunha ………… eram nulos, por falta total de objecto. Por outro lado ainda, se os estabelecimentos eram explorados pelas empresas da J…., eram já elas que recebiam os proveitos dessa exploração e, dessa forma, era já a J………., como accionista das empresas que detinham os estabelecimentos, a entidade que estava em posição de receber os dividendos decorrentes da geração daqueles proveitos. O Impugnante Mário …….. e os restantes accionistas formais da Cunha ………… detinham acções das quais já não adviriam quaisquer benefícios económicos resultantes da vida normal da sociedade.

  13. Isto é, em conclusão, apesar de a J…………não ser formalmente accionista da Cunha ……………, havia já sido transferido para a sua esfera jurídica o conteúdo útil, típico ou material de tal posição.

  14. Em face do exposto, não sobram dúvidas de que o caso dos autos se enquadra perfeitamente na previsão da alínea a) do n.º 3 do artigo 10.° do CIRS, reportando-se assim a um facto tributário - o contrato promessa - que ocorreu em 1996, razão pela qual a liquidação impugnada, notificada mais de cinco anos depois, em 2002, é ilegal por violação do prazo de caducidade do direito da Administração fiscal de liquidar impostos, de acordo com o regime conjugado do n.º 1 do artigo 33° do CPT e do n." 5 do artigo 5° do Decreto-Lei n.? 398/98, de 17 de Dezembro.

    Quanto à anulabilidade por erro de julgamento quanto à data a considerar como momento de aquisição das acções subjacentes à mais-valia em apreço nos autos S. No direito das sociedades, o vocábulo acção comporta essencialmente dois significados: conjunto de direitos e deveres que consubstanciam ou decorrem da qualidade de accionista (posição de socialidade); e valor mobiliário, isto e, documento que incorpora uma posição de socialidade.

  15. A posição de socialidade precede, necessariamente, a incorporação do correspondente valor mobiliário, e existe independentemente do segundo, podendo, inclusivamente, ser transaccionada autonomamente antes ou até mesmo depois da criação do mesmo valor mobiliário.

  16. Assim, a aquisição da qualidade de accionista não pressupõe a emissão e entrega dos títulos correspondentes.

    V. A palavra «acção», empregue na alínea b) do n." 2 do artigo 10° do CIRS, refere-se tanto à posição de sócio de uma sociedade anónima, enquanto complexo de direitos e obrigações não representados, como ao documento representativo de uma tal posição: é esse o alcance que melhor convinha aos objectivos extrafiscais do mesmo preceito, que se destinava a fomentar a aplicação da poupança dos sujeitos passivos de IRS no financiamento das empresas.

  17. A exclusão de tributação pretendia incentivar um certo tipo de aplicações e, por via dele, um certo tipo de sociedades, mas não estimular a representação da posição de socialidade.

    X. Como é amplamente sabido, o propósito do requisito da detenção de acções por um período de 12 meses era o de excluir as denominadas mais-valias especulativas. O que estava em causa, por outras palavras, era o favorecimento de investimentos de médio e longo prazo, em detrimento dos investimentos especulativos.

  18. Ora, como é óbvio, o maior ou menor tempo de exercício de uma posição accionista, que para estes efeitos cumpre averiguar, não é traduzido pelo período em que existem títulos físicos representativos daquela posição, ou em que os mesmos se encontram depositados numa...

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