Acórdão nº 12156/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução11 de Junho de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório John ………………….. (Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que, no âmbito da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, proposta por si contra o Instituto dos Registos e Notariado, I.P. (Recorrido), declarou a procedência da excepção de impropriedade do meio processual e a consequente extinção da instância.

As alegações de recurso que apresentaram culminam com as seguintes conclusões: I. A intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias é um meio processual que constitui um processo autónomo e que visa dar cumprimento ao art. 20º nº 5 da CRP.

  1. Como tem vindo a ser entendido pela doutrina e jurisprudência são pressupostos da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias: (1) que a providência judiciária requerida (adoção ou abstenção de uma conduta) se destine a proteger um direito, liberdade ou garantia dos previstos no Titulo II da Parte 1 da Constituição ou um direito fundamental de natureza análoga (art. 17º da Constituição), de cariz pessoal ou patrimonial; (2) que o pedido se refira à imposição dum conduta positiva ou negativa à Administração ou a particulares; e (3) não ser possível ou suficiente qualquer outro meio processual principal (ação administrativa especial ou comum), combinado com o decretamento provisório de uma providência cautelar adequada às circunstâncias do caso.

  2. No caso em apreço, estamos perante um quadro que se reconduz-se, sem qualquer dificuldade, a um problema de tutela de direitos, liberdades e garantias, que aponta, em primeira linha, para o direito à cidadania e identidade pessoal, cujo exercício depende de uma atuação positiva por parte da Administração. Mas estende-se, sem grande dificuldade, a outros direitos, liberdades e garantias, ou a outros direitos subjetivos fundamentais análogos, por força da especial ligação do direito à identidade pessoal ao valor da dignidade da pessoa humana.

  3. O recorrente alegou e demonstrou o preenchimento de todos os pressupostos para o deferimento do pedido de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, tendo não só justificado a necessidade da integração do seu assento de nascimento lavrado pelas autoridades portuguesas do antigo Estado da Índia, como o fez de forma bastante concreta e compreensível para qualquer pessoa que se coloque na posição em que aquele se encontra.

  4. E mesmo o que Tribunal a quo não o tenha julgado especificamente provado, pode ainda assim o Tribunal ad quem concluir com razoável segurança pela verosimilhança e probabilidade de verificação no caso concreto VI. Perante os factos alegados pelo recorrente qualquer pessoa compreende imediatamente que i) a situação do requerente pede uma resposta definitiva e ii) urgente com vista à integração do seu assento de nascimento lavrado pelas autoridades portuguesas do Antigo Estado da Índia e, consequente, emissão da sua certidão de nascimento.

  5. Como é evidente, numa matéria tão fundamental como é a da cidadania e identidade não há lugar para decisões provisórias, o que aliás é reconhecido pelo próprio Tribunal a quo.

  6. A nacionalidade e a identidade é dos direitos fundamentais mais elementares, na perspetiva de que é sobre ele que se constituem outros. Por isso é que é a nacionalidade se prova pelo assento de nascimento e que é obrigatória a obtenção (e a emissão) do cartão de cidadão, o documento autêntico de identificação do cidadão nacional. Sendo a obtenção e emissão da certidão de nascimento obrigatórias para prova da nacionalidade do requerente e sendo legalmente inadmissível a emissão de uma certidão de nascimento temporária ou provisória, dificilmente se compreende que se possa sustentar – como o entendeu o Tribunal a quo – que o presente intimação não é o meio processual adequado.

  7. Tendo o recorrente alegado e demonstrado todos os pressupostos da intimação para defesa de direitos liberdades e garantias é forçoso concluir que o presente meio processual é o adequado não se lhe impondo a demonstração de quaisquer outros factos.

  8. A sentença recorrida viola o disposto no Decreto-Lei nº 249/77, de 14 de junho, art 21° nº 1 da Lei da Nacionalidade, art. 71°nº1 do CPA, artºs 12º, 13º, 14°, 16º, 18º, 20º, 25º, 26° da CRP e art 109° e seguintes do Código de Processo nos Tribunais.

Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a decisão recorrida revogada e substituída por outra que ordene a intimação do recorrido IRN para que integre imediatamente o assento de nascimento do recorrente lavrado pelas autoridades do Antigo Estado da Índia e, em consequência, emita a respetiva certidão de nascimento.

• O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida e apresentando o seguinte quadro conclusivo: I- O Recorrente peticionou contra o IRN, a “imediata transcrição do seu assento de nascimento no registo civil português, nos termos e para os efeitos do disposto no Decreto-Lei nº 249/77, de 14 de Junho”, conforme processo de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias que correu seus termos no TAC de Lisboa cujos autos se encontram registados sob o nº 156/15.8BELSB- U.O. 2ª; II- Citado, o Recorrido contestou a referida ação, tendo invocada a exceção no sentido da absolvição da instância, por não se verificarem os pressupostos para recurso à ação de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias; III- Em 20 de Fevereiro de 2015, foi proferida Douta sentença em que foi julgada procedente a exceção invocada; IV- Sentença essa, que deve manter-se, porquanto, V- No presente recurso, o Recorrente mais não faz do que repetir exaustivamente todos os argumentos já deduzidos em sede da petição inicial, não tendo, mais uma vez, comprovado que carece de uma decisão de mérito urgente, pressuposto processual da ação de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias.

• Neste Tribunal Central Administrativo, o Ministério Público, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, considerando que o Autor, ora Recorrente, não invocou quaisquer factos de natureza urgente e que, de algum modo, justificassem o recurso ao meio processual utilizado.

• Com dispensa dos vistos legais (natureza urgente do processo), importa apreciar e decidir.

• I. 1.

Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que o Autor não invocou que se encontrava numa situação de urgência que justificasse a intimação requerida, com o que veio a julgar procedente a excepção de impropriedade do meio processual.

• II.

Fundamentação II.1.

De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: a) O A. nasceu em 03/12/1957, em M…….., B…….., ………, Índia - docs. juntos com a P.I.; b) Tendo aí sido registado o seu nascimento - docs. juntos com a P.I.; c) Em 25/11/2014 apresentou requerimento junto da Conservatória dos...

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