Acórdão nº 10468/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução11 de Junho de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório S…………– Sindicato ……………….. (Recorrente) intentou no TAC de Lisboa acção comum de simples apreciação para reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, com forma ordinária, proposta contra o Ministério da Administração Interna/Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública (Entidade Recorrida), na qual peticionou que fosse declarado que com a entrada em vigor da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, havia sido derrogado o disposto no art. 3.º, al. i), da Lei n.º 14/2002, de 19 de Fevereiro, passando a assistir ao pessoal policial da PSP o direito de greve, a exercer nos termos do disposto naquele diploma.

Por sentença de 20.03.2013, foi a mesma acção julgada improcedente, com a consequente absolvição da Demandada do pedido.

Inconformada, interpôs dessa sentença recurso jurisdicional, terminando as alegações de recurso que apresentou as seguintes conclusões: (i) O A. alegou, junto da 1.ª instância, que a norma que proibia o exercício do direito à greve por parte do pessoal policial da PSP (artigo 3.º, d) da Lei n.º 14/2002 de 19-02) foi derrogada por efeito da entrada em vigor da Lei 59/2008, de 11-09 (que aprovou o Regime e Regulamento do Contrato de Trabalho em Funções Pública - RCTFP), considerando que:

  1. O artigo 8.º, i) deste diploma declara aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas na modalidade de nomeação (caso do pessoal policial da PSP) os artigos 392.º a 407.º do RCTFP, relativos ao direito à greve.

  2. O artigo 399.º n.º 1 do RCTFP institui a obrigação de as associações sindicais e trabalhadores dos órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades.

  3. O artigo 399.º, n.º 2, a) do RCTFP, considera órgãos ou serviços destinados à satisfação de necessidades sociais impreteríveis os que se integram, de entre outros, no sector da "Segurança pública, quer em meio livre quer em meio institucional".

  4. Para além do pessoal da GNR (expressamente excluído do campo de aplicação do RCTFP) apenas o pessoal policial da PSP assegura actividade de segurança pública em meio livre.

  5. Pelo que, sob pena de o disposto no n.º 2, a) do artigo 399.º do RCTFP ficar esvaziado de sentido útil, deve concluir-se que por virtude da entrada em vigor da Lei 59/2008, de 11-09, passou a assistir ao pessoal policial da PSP a possibilidade de exercício do direito à greve, consignado no artigo 392.º, n.º 2 do mesmo Regulamento.

  6. Isto dado resultar a obrigação da prestação de serviços mínimos para os sindicatos e trabalhadores de serviços que prestem segurança pública em meio livre em caso de greve e que o único serviço enquadrável nesse conceito, é o da PSP.

    (ii) Sucede que a primeira instância declarou a acção improcedente, estribando-se no entendimento segundo o qual a "expressão «serviços» integrados que actuam no sector da segurança pública pode também abranger a Polícia Judiciária, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Guarda Prisional, a Polícia Marítima e as Polícias Municipais" de onde "não se afigura rigorosa a afirmação do A. de que se o RCTFP não é aplicável à GNR, a disposição contida na primeira parte da referida alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º ou refere-se à PSP ou ficaria sem relevância prática uma vez que a PSP é a única força de segurança em meio livre, para além daquela" .

    (iii) Ao decidir como decidiu a primeira instância interpretou incorrectamente o disposto no artigo 399.º n.º 2, a) do RCTFP, pois a expressão "segurança pública em meio livre" aí constante deve ser interpretada no sentido de abranger os serviços que prestem actividade principal de garantia da ordem e da tranquilidade públicas e da segurança e protecção de pessoas e bens, em meio não institucional.

    (iv) Nem a Polícia Judiciária, nem o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nem o Corpo da Guarda Prisional nem a Polícia Marítima prestam actividade no sector da segurança pública em meio livre.

    (v) Outrossim no que concerne às polícias municipais que, como polícias administrativas que são, sequer exercem actividades de segurança, ressalvados os seus deveres de colaboração nessa matéria com outras forças de segurança.

    (vi) Considerando que à GNR não é aplicável o RCTFP e que não existe mais nenhum serviço que preste actividade de segurança pública em meio livre ao qual possa ser aplicado o disposto no respectivo artigo 399.º, n.º 2, a), (vi) É forçosa a conclusão segundo a qual a imposição aí contida de obrigação da prestação de serviços mínimos para os sindicatos e trabalhadores de serviços que prestem segurança pública em meio livre em caso de greve tem como únicos visados o pessoal policial da PSP e respectivas associações sindicais.

    (vii) O que significa o inequívoco reconhecimento da possibilidade de exercício do direito à greve pelo pessoal policial da PSP, resultando, assim derrogado o disposto no artigo 3.º d) da Lei n.º 14/2002 de 19-02, por efeito da entrada em vigor da da Lei 59/2008, de 11-09.

    (viii) Reconhecimento que se impõe, com a prolação de acórdão que assim decida, em substituição da douta sentença proferida pela 1.ª Instância.

    • A Entidade Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida e concluindo do seguinte modo: 1. A douta sentença proferida pelo tribunal de 1ª Instância decidiu que " (...) a norma contida na alínea d) do artigo 3º da Lei n.º 14/2002 não foi derrogada pelo disposto no RCTFP, continuando a ser aplicada ao pessoal policial da PSP, pelo que a este continua a estar vedado o exercício do direito à greve." 2. Entendeu, e bem, a douta sentença recorrida que " (...) não resultando inequívoca manifestação por parte do legislador de aplicar o disposto na a) do nº 2 do artigo 399º e os restantes artigos relativos ao exercício do direito à greve ao pessoal policial da PSP, vale a ressalva efectuada logo no início do artigo 8º do RCTFP para o previsto em lei especial, até porque as razões que justificaram a diferença de tratamento - a natureza e missão da PSP, enquanto força de segurança - continuam a verificar-se." 3. O ora Recorrente alega, nas suas alegações de recurso, uma errada interpretação do direito levada a cabo pela douta sentença, partindo do pressuposto erróneo de que a PSP é o único serviço do Estado que exerce atividade de "segurança pública em meio livre" (exceto a GNR, força de segurança afastada da aplicação das normas em apreço na presente lide por força do n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro e do n.º 1 do artigo 3 da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro).

    1. Partindo deste pressuposto, quanto a nós errado, o Recorrente conclui que o preceito vertido na al. a) do n.º 2 do artigo 399.º do RCTFP visa apenas enquadrar a PSP, permitindo assim o direito à greve por parte do pessoal policial da PSP, pelo que se terá operado a revogação da norma especial que restringe o direito à greve por parte do pessoal policial da PSP - al. d) do artigo 3.º da Lei n.º 14/2002, de 19 de fevereiro.

    2. Não tem razão o Recorrente, desde logo, porque não tem em consideração o disposto na primeira parte do corpo e da al. i) do artigo 8.º da Lei n.º 59/2008, que aprovou o RCTFP, quando ali se determina que as disposições do RCTFP sobre o direito à greve são aplicáveis aos trabalhadores que exercem funções públicas na modalidade de nomeação (que é o caso do pessoal policial da PSP), «Sem prejuízo do disposto em lei especial».

    3. Sendo que, o pessoal da PSP com funções policiais, no que concerne ao exercício da liberdade sindical, continua a estar abrangido por lei especial - a lei n.º 14/2002, de 19 de fevereiro -, nomeadamente pelo estipulado na aL. d) do artigo 3.º.

    4. Não fora bastante a precaução demonstrada pelo legislador na primeira parte do corpo do artigo 8.º da Lei n.º 59/2008, sempre teríamos que aplicar o princípio geral de Direito consagrado no n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, de que a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador.

    5. Ora, o legislador, através dos preceitos supra referidos da Lei n.º 59/2008, não demonstra intenção inequívoca, nem expressa nem tácita, de derrogar a norma especial que restringe o direito à greve ao pessoal policial da PSP, prevista n al. d) do artigo 3.º da Lei n.º 14/2002.

    6. As razões da especialidade da Lei n.º 14/2002 face ao regime geral, como sejam a natureza e missão da PSP, enquanto força de segurança, continuam a verificar se, tendo a restrição do direito à greve por parte do pessoal policial da força de segurança PSP fundamento constitucional no artigo 270.º da Constituição da República Portuguesa.

    7. Doutro passo, a ideia que sustenta a argumentação do recorrente - de que a PSP é o único serviço do Estado que exerce segurança pública em meio livre (para além da GNR) - não pode valer, na medida em que o termo "segurança pública" utilizado pelo legislador deve ser entendido como atribuição a desenvolver pelo Estado, através de vários serviços, alguns deles enumerados pela douta sentença recorrida.

    8. Ainda que, por mera hipótese académica, no que não se concede, se entendesse que, atualmente, o único serviço do Estado que exerce a atividade de segurança pública em meio livre (além da GNR) é a PSP, nunca se poderia concluir pela derrogação da norma especial que restringe o direito à greve por parte do pessoal policial da PSP.

    9. Se fosse esse o caso, que não é, a lei, caracterizada pela generalidade e abstração, apenas permitiria o direito à greve aos funcionários de um eventual e indeterminado serviço que exercesse a atividade de segurança pública em meio livre, quando não houvesse lei especial a determinar o contrário.

    10. Nessa senda, não pode, por falta de qualquer fundamento, merecer provimento o recurso...

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