Acórdão nº 12338/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Agosto de 2015

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução28 de Agosto de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

..……………………… SA, com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dele vem recorrer, concluindo como segue: 1. A Sentença recorrida assenta em três erros de julgamento, sendo certo que o último implica, de igual forma, uma situação de omissão de pronúncia.

  1. O primeiro erro de julgamento assenta numa incorrecta interpretação da alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP, na incorrecta apreciação do modo como a mesma foi aplicada in casu pelo Júri do procedimento.

  2. O Júri do procedimento do qual a Recorrida foi excluída foi claro na invocação da alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP na fundamentação (i) quer do Relatório preliminar (ii) quer da deliberação do dia 17 de julho de 2014.

  3. O modelo de serviços proposto a concurso pela ……… violava, efectivamente, várias disposições legais e regulamentares aplicáveis: i. Por um lado, a proposta da ……….. não cumpria os valores máximos de carga horária de trabalho dos vigilantes, postulando um carga horária anual de 1.903,96h, contrárias ao máximo permitido por lei, que se cifra em 1.845,00 horas; ii. Por outro lado, a ……….. indicou um custo mensal com salários e um custo mensal com contribuições à Segurança Social inferiores aos legalmente devidos: perante um universo de 79,72 vigilantes necessários para a prestação do serviço, a proposta da Recorrida apresentou o valor de €13.734,82 mensais relativos a contribuições devidas à Segurança Social, inferiores aos exigíveis €14.179,68 mensais.

  4. A Sentença ora recorrida aceitou a análise feita pelo Júri quanto à insuficiência de tais valores, isto é, assumiu a premissa de que os valores apresentados na proposta da Recorrida ……… se revelariam superiores ao máximo legal de horas anual que pode vir a prestar um vigilante e inferiores ao valor mensal relativo às contribuições para a segurança social concretamente exigíveis.

  5. A partir daqui, não poderia a Sentença ter deixado de considerar como correcta a aplicação que o Júri fez a alínea f) do n.º 2 do artigo 70.

    º do CCP e, por consequência, degradado em mera irregularidade, por convergência do princípio do aproveitamento do ato administrativo, a circunstância de não ter sido promovida nova audiência prévia subsequente à deliberação do Júri de 14 de julho de 2014.

  6. A previsão contida na alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP convoca para a operação de análise das propostas todas as normas que integram o ordenamento jurídico e que são susceptíveis de parametrizar o conteúdo do contrato a celebrar.

  7. Quando procede à análise das propostas, o Júri de um procedimento não se encontra assim limitado às obrigações que resultam do caderno de encargos ou do programa do procedimento, fazendo destes documentos corpos estranhos no ordenamento.

  8. Assim, a decisão de exclusão de uma proposta pode resultar da informação que nela o concorrente inscreve quando apresenta um atributo ou um termo ou condição que, directa ou indirectamente, indicia ou comprova a violação de uma vinculação legal ou regulamentar; nesta hipótese, a função que a referida alínea f) do nº 2 do artigo 70º exerce nestes casos consiste em apelar a todo o bloco da juridicidade como parâmetro de aceitabilidade da proposta, exigindo a sua exclusão no caso de violação de uma vinculação legal ou regulamentar aplicável.

  9. Não bulem contra a anterior premissa os eventuais contrargumentos assentes (i) no facto de, na base de tal interpretação, se exigir às entidades adjudicantes o exercício de competências de fiscalização que lhe são estranhas; (ii) na circunstância de a litera daquela alínea f) poder parecer implicar que o juízo de ilegalidade a ser formulado se limitaria a ilegalidades a ocorrer durante a execução contratual; (iii) na possibilidade de eventuais ilegalidades cometidas pelo adjudicatário poderem vir a ser reprimidas, nos termos gerais, no quadro da execução contratual.

  10. Com efeito, é desde logo o conteúdo normativo do princípio da legalidade, o qual exige aos órgãos de administração que busquem sempre a solução que melhor se conforma com a lei, que permite esclarecer qual seja a solução jurídica a aplicar aos casos em que a entidade adjudicante detecte existir a certeza objectiva de que as prestações do contrato a celebrar, tal como foram configuradas na proposta a que o concorrente se vinculou irrevogavelmente (artigo 65.º do CCP), não podem ser executadas sem que o adjudicatário incorra numa ilegalidade.

  11. Nenhuma preterição do princípio da legalidade das competências e das atribuições existe quando uma entidade adjudicante, no exercício das responsabilidades inelimináveis de análise de propostas que o legislador lhe cometeu nos termos previstos nos nºs. 1e 2 do artigo 70º, no nº 1do artigo 124.º, no n.º 2 do artigo 146.º e nos nºs 1e 4 do artigo 148.º do CCP, se depara com um conjunto de informações que lhe atestam, sem margem para dúvidas, que a adjudicação da proposta que tem em mãos conduziria à celebração de um contrato que não poderia ser executado sem desrespeito por normas legais ou regulamentares que vinculam uma ou ambas as partes.

  12. A alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP habilita, assim, que cada entidade adjudicante verifique se o teor da proposta contém, explícita ou até implicitamente, informações que demonstram que o clausulado de um contrato celebrado na sequência da adjudicação dessa proposta seria desconforme com as vinculações legais e regulamentares a que as partes estão sujeitas.

  13. Na medida em que a proposta se integra formalmente no contrato celebrado após a sua adjudicação (alínea d) do n.º 2 do artigo 96.º do CCP), é tudo menos irrelevante a presença de qualquer ilegalidade no teor da proposta, sempre que esta incida sobre a definição do conteúdo das pr estações ou sobre o modo de execução, e isto independentemente de ela afectar directamente as relações entre entidade adjudicante e adjudicatário ou unicamente as relações entre este e terceiros.

  14. Essa definição, legal ou ilegal, é sempre, por força da lei, automaticamente integrada no próprio contrato que a entidade adjudicante celebra e ao qual vincula a sua actuação futura; logo, a adjudicação de uma proposta ilegal equivale, em virtude da opção que o legislador fixou no artigo 96.º do CCP, à celebração de um contrato correspondentemente ilegal.

  15. Neste sentido, e em homenagem à subordinação ao princípio da legalidade, é falso que as entidades adjudicantes se encontrem impedidas de verificar a existência de uma ilegalidade numa proposta que analisa; é que dessa premissa decorreria a conclusão de que, ficando impedida de excluir uma proposta que sabe conter uma ilegalidade, a entidade adjudicante se encontraria vinculada à celebração de um contrato ilegal.

  16. Nestes termos, num cenário (como é o dos autos) em que, embora a proposta não contenha directa e explicitamente uma condição de teor ilegal, a entidade adjudicante continue a verificar, com base no somatório das informações que dela constam, ser jurídicamente impossível que o clausulado proposto satisfaça normas legais ou regulamentares vinculativas para ela própria ou para o proponente, a alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP não deixa de ser aplicável: a entidade adjudicante terá confirmado ser impossível ao proponente, no caso de obter a adjudicação, executar as obrigações que assume com o contrato sem violar o bloco de juridicidade.

  17. À luz desta interpretação da alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP, pode assim manter-se por válida a doutrina há muito expendida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos da qual "é inaceitável a proposta que apresenta valores relativos a encargos sociais obrigatório inferiores aos valores mínimos previstos na respectiva convenção colectiva de trabalho. Tal inaceitabilidade, reconduzindo-se à ilegalidade da proposta, determina necessariamente a exclusão do concorrente" (cfr. o Acórdão de 2 de junho de 2005, Proc. nº 00748/05).

  18. Nesta base, outra não poderia ter sido a análise do Júri e, subsequentemente, a decisão do MUNICÍPIO DA AMADORA no termos do procedimento ali tramitado: tendo em conta que, de acordo com os dados oferecidos na própria proposta da ………., a execução da mesma implicaria, irremediavelmente, a violação de disposições legais e regulamentares de ordem laboral e tendo em conta que o Júri se apercebeu, desde cedo, dessa mesma circunstância, está cumprida a previsão da alínea f) do nº 2 do artigo 70.º do CCP.

  19. Nestes termos, e na medida em que o juízo sobre a insuficiência e contrariedade dos valores apresentados na proposta da …….. assumia já, perante o Júri do procedimento, patamares de certeza objectiva, revelar-se-ia verdadeiramente inútil fazer promover nova audiência prévia para o exercício do contraditório: a matéria constante dos autos revela que, mesmo nessa hipótese, o conteúdo dos actos anulados pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra não poderia ser outro: a proposta da ……… sempre seria excluída, nunca esta empresa seria admitida à posterior fase de leilão electrónico e, por consequência, não poderia nunca o contrato a celebrar pelo MUNICÍPIO vir a ser celebrado com esta empresa.

  20. A anterior conclusão, extraída no âmbito da interpretação conforme à legalidade que se realiza sobre a alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP não é contraditada pela alegação de que, a ser assim, o contrato a celebrar ganharia eventual eficácia erga omnes: o que resulta da aplicação daquela alínea f) do n.º 2 do artigo 70º do CCP não é a extensão da eficácia do conteúdo do contrato a celebrar a partes que dele são estranhas; o que está em causa é, antes, acentuar a vinculação a parâmetros que, por definição, (i) qualquer entidade pública deve esforçar-se por assegurar o respectivo cumprimento; (ii) qualquer entidade privada se encontra vinculada por via das disposições imperativas aplicáveis.

  21. Por sua vez, perante a vinculação a parâmetros legais e regulamentares vinculativos e, por isso, indisponíveis perante qualquer empresa de segurança...

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