Acórdão nº 07128/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução15 de Outubro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Estado Português e o Sindicato Nacional do Ensino Superior (Recorrentes), interpuseram recurso jurisdicional, na parte em que decaíram, da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou parcialmente procedente a acção intentada pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior (recorrente) em representação do seu associado José …………………………..

contra o Estado Português e, em consequência, condenou o réu Estado a pagar ao representado do autor a quantia correspondente a metade do subsidio de desemprego relativo ao período de 11.09.2006 até 31.05.2007, tendo por base de cálculo o vencimento mensal auferido na data da cessação do contrato, a título de indemnização, bem como ao pagamento de juros de mora que se vencerem a partir do trânsito em julgado.

No primeiro dos recursos, o Ministério Público em representação do Estado Português, terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: 1- A ter o autor sofrido os danos que invoca e a ter o Estado alguma responsabilidade nos mesmos, eles integrariam, necessariamente, responsabilidade extracontratual de pessoas colectivas de direito público, resultante do exercício da função legislativa.

2- À data da cessação do contrato administrativo de provimento do associado do Autor - 10-09-2006 - o nosso ordenamento jurídico, não continha normas que permitissem responsabilizar o Estado, por eventuais danos decorrentes do (in)exercicio da função legislativa do Estado.

3 - Pois, até à entrada em vigor da Lei 67/2007 de 31/12, não vigorava no ordenamento jurídico-constitucional português a responsabilidade civil do Estado por acções ou omissões derivadas do exercício da função legislativa e consequentemente o direito à indemnização com os fundamentos invocados na petição inicial.

4 - Considerava-se que o Decreto-Lei n° 48051 de 21/11/1967 - regulando a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública - ao invés do decidido - abrangia apenas os actos integrados na função administrativa do Estado e por essa razão era inaplicável aos actos integrados na função legislativa.

5- O artigo 22° da CRP, limitou-se a constitucionalizar o princípio geral da responsabilidade civil dos entes públicos e remeteu para a lei ordinária a fixação dos casos em que tal indemnização é devida, bem como a fixação dos respectivos pressupostos.

6- Mas, mesmo a entender-se, como na sentença ora em recurso, que o art. 22° da CRP se aplica a todas as funções do Estado, incluindo a função legislativa, nem assim haveria fundamento para responsabilizar o Estado pelos danos eventualmente decorrentes da função legislativa.

7 - Na verdade, o preceito em causa estabelece apenas um princípio geral, não definindo quaisquer critérios que permitam minimamente delinear os contornos da efectivação da responsabilidade civil do Estado. Por outro lado, a sua inserção sistemática afasta-o, claramente, do regime dos direitos, liberdades e garantias individuais, não lhe sendo, nessa medida, extensível a regra da (sua) aplicabilidade directa, que é própria das normas que definem aquele regime, nos termos do art. 18° da CRP.

8 - Não obstante, entendeu o Tribunal "a quo" que, perante a inércia do legislador, caberia ao tribunal dar execução ao princípio constitucional do art. 22° da CRP, criando a norma mais adequada ao caso concreto, com recurso, designadamente, aos princípios gerais da responsabilidade civil.

9- Tal entendimento não é de acolher, uma vez que a inconstitucionalidade por omissão não pode ser suprida pelos tribunais, por o seu regime ser o que consta do art. 283° n°2 da CRP; só o Tribunal Constitucional tem competência para a apreciar e, caso a julgue verificada, limitar-se-á a dar conhecimento ao legislador, sem que possa substituir-se a este.

10- Isto porque, o tribunal, sob pena de violação do princípio da separação de poderes plasmado no artigo 111° da CRP., não pode substituir-se ao legislador - que na ordem jurídico-constitucional têm a exclusiva legitimidade para aprovar leis e/ou decretos-lei - na criação do direito inexistente em resultado de omissões legislativas.

11- Na verdade, o poder judicial, a começar pelo próprio Tribunal Constitucional, mesmo no domínio da fiscalização concreta da inconstitucionalidade por acção (e não é esse o caso), não pode pronunciar-se sobre o modo de suprir a deficiência da lei nem muito menos substituir-se aos órgãos legislativos competentes, invadindo a respectiva liberdade constitutiva e conformadora, democraticamente legitimada.

12- E assim é, porque o ordenamento jurídico - constitucional português não admite o controlo jurisdicional concreto de omissões legislativas, ao contrário do que se verifica com a inconstitucionalidade por acção - Cfr. Acórdãos do STA de 03.05.89, P. 5200; 09.06.92, P. 29720; 25.06.92, P. 27739; 30.04.97, P. 16533; cfr, ainda, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.06.96, P. 96242 e 10.07.98, P. 98409.

13- Razão pela qual, no seu acórdão n.º 474/02, o Tribunal Constitucional se tenha limitado a verificar a ocorrência de uma omissão legislativa parcial, tendo considerado que o legislador deu execução à norma do artigo 59°, n.° 1, al. e), da CRP que o obriga a assegurar o direito à assistência material dos trabalhadores em situação de desemprego involuntário, mas apenas em relação a alguns deles, com exclusão da generalidade dos trabalhadores da função pública.

14- Pelo que, neste acórdão n,° 474/2002, o Tribunal Constitucional, no âmbito de sua jurisdição própria e exclusiva, limitou-se a verificar, a existência de um dever de actuação do legislador como tal inespecífico, de legislar sobre assistência material a trabalhadores em situação de desemprego involuntário, incompletamente cumprido. Mas nada mais, designadamente, a violação de uma posição jurídica subjectiva individual traduzida na violação do direito do associado do A. a concretas e determinadas prestações por parte do Estado.

15- Nesta linha se inscreve a jurisprudência administrativa quando afirma que um direito cujo conteúdo e alcance a lei faz depender de futura regulamentação não é susceptível de reconhecimento judicial em acção para reconhecimento de direito - cfr. Acórdãos do STA de 03/05/89, P. 5206; 25/00/92, P. 27739; 25/09/93, P. 42050; e Acórdãos do TCAN de 29/06/06, P. 565/01 e de 26/10/06, P. 654/01.

16- Pode então concluir-se que a omissão legislativa verificada e declarada pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.° 474/02, até 31.01.2008, não configurava um comportamento ilícito do legislador traduzido na violação de normas a que esteja (estivesse) sujeito e da qual resulte ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

17- Soçobrava assim, em Setembro de 2006 - o requisito primeiro da actuação do instituto responsabilidade civil extra contratual e, por conseguinte, o fundamento do invocado dever de indemnizar por parte do Estado Português, o que faz cair pela base toda a argumentação da sentença.

18- Conforme é unanimemente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, não existe no ordenamento jurídico-constitucional português um direito subjectivo individual à lei pelo que a mera violação de um dever geral ou universal (inespecífico) de legislar (como foi verificado pelo Ac. Em causa) não implica a violação de uma posição jurídica subjectiva individual.

19- O dever de actuação legislativa é configurado na Constituição como um dever objectivo que, em caso de incumprimento, apenas é "justiciável" nos termos limitados previstos no artigo 283.° da CRP. Contrariamente ao que sucede no regime dos direitos, liberdades e garantias, nos quais «o direito subjectivo é objectivado na Constituição; nos direitos sociais, o direito subjectivo é objectivado na legislação.

20- E se um direito não é objectivado na Constituição, não há reserva de Constituição, pois não é aí que se encontra a medida da sua positivação jurídica. Assim, é ao legislador que compete estabelecer o âmbito e o conteúdo concreto dos direitos fundamentais sociais, bem como a individualização quer dos "destinatários" das prestações ou das posições jusfundamentais garantidas quer os diferentes "níveis" e "modalidades" de satisfação dos interesses contrapostos.

21- De acordo com jurisprudência do Tribunal Constitucional, «não é possível precisar juridicamente a formulação dos diferentes direitos sociais para que os cidadãos possam neles fundar pretensões directamente exigíveis)), pelo que, em regra, os mesmos só serão "justiciáveis" depois de prévia intermediação do legislador.

22- Ou seja, aplicados estes ensinamentos ao caso, o Autor apenas teria direito a ver editada a legislação em falta, mas nunca - como se decidiu na douta sentença - o direito às prestações de desemprego com um determinado conteúdo ou medida de realização.

23- Não é verdade que, na sequência da prolação daquele Acórdão do Tribunal Constitucional o R. Estado não tenha desenvolvido as medidas legislativas tendentes a eliminar o incumprimento do dever de legislar, pois foi iniciado o processo legislativo que culminou com a publicação do Lei n° 11/2008, de 20.02, alterada pela Lei n.° 4/2009 de 29 de Janeiro, como é expressamente reconhecido pela douta sentença.

24- Daqui resulta também que, pelas razões ora aduzidas, o Tribunal " a quo" ao considerar que "ao assim não haver desenvolvido as medidas legislativas fendentes a eliminar tal incumprimento do seu dever de legislar actuou o R. com culpa, não se vislumbrando do quadro factual alegado e provado qualquer causa de exclusão da mesma" e, assim, julgar parcialmente procedente a pretensão do Autor, fê-lo em violação ao referido principio da margem de livre apreciação e reserva do legislador.

25- Foi expressa a opção do legislador nacional - em obediência ao principio da não retroactividade das leis - que o regime...

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