Acórdão nº 08908/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução29 de Outubro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Ministério das Finanças (Recorrente), inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, no qual foi condenado a pagar ao Município de Ponta Delgada (Recorrido) a quantia de EUR 3.588.615,08, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, relativos às transferências da participação variável de 5% nas receitas do IRS (Março a Dezembro de 2009, Dezembro de 2010 e Janeiro a Setembro de 2011), da mesma veio interpor recurso jurisdicional.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: I. Nos presentes autos, o Tribunal a quo condenou o R. Ministério das Finanças a pagar ao A./Recorrido Município de Ponta Delgada, inserido na Região Autónoma dos Açores, o montante de € 3.588.615,08, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a data em que deveria ter ocorrido cada uma das transferências parcelares, referentes aos meses de Março a Dezembro de 2009, Dezembro de 2010, e Janeiro a Setembro de 2011 (último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento) até integral pagamento.

II. Verba essa alegadamente devida ao Recorrido nos termos dos mapas XIX anexos às LOE’s para 2009, 2010 e 2011, a título de participação variável de 5% no IRS pago pelos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial.

III. Posteriormente à apresentação de contestação pelo M, foi publicada a Lei n° 60- A/2011, de 30 de Novembro, a qual aditou o art 185°A à LOE 2011, com vigência entre 01.01.2011 e 31.12.2011.

IV. Nesse art. 185°A da LOE 2011, determina-se que, para efeitos do art. 19°, n° 1, al. c) da LFL, a participação variável de 5% no IRS a favor dos municípios das Regiões Autónomas é deduzida à receita do IRS cobrada na respetiva região autónoma, devendo o Estado proceder diretamente à sua entrega aos municípios.

V. Em cumprimento dessa determinação legal, que iniciou vigência em 01.12.2011, o MF transferiu para a Direção Geral das Autarquias Locais, em 16.12.2011, o montante de € 13,446.870,00, correspondente à soma da participação variável dos municípios sedeados nas RA dos Açores e da Madeira, conforme Mapa XIX, anexo à LOE 2011.

VI. Nesse montante, incluía-se o valor de € 1.918.836,00, correspondente à participação variável no IRS do MPD, relativo ao ano de 2011 (Mapa XIX anexo à LOE 2011).

VII. A DGAL já transferiu para os municípios sitos na RAA, incluindo o Município de Ponta Delgada, via Secretaria Regional das Finanças e Planeamento, todas as quantias correspondentes à participação variável de 5% no IRS referente ao ano de 2011.

VIII. Assim, relativamente à participação de IRS do referido município referente ao ano de 2011, o MF nada tem a pagar.

IX. O MF somente pode efetuar a entrega de tal verba ao Recorrido mercê da alteração legislativa introduzida pelo aditamento do art. 185°A à LOE 2011.

X. Norma de idêntico teor veio a ser também incluída na LOE 2012 - art. 212° - para vigorar no ano de 2012.

XI. Relativamente aos anos de 2009 e 2010, o MF está impedido de proceder de forma idêntica, por carência de norma legal que o permita e uma vez que se esgotou a vigência das LOE's de 2009 e 2010, estando, igualmente, encerrados os respetivos anos contabilísticos-orçamentais, XII. Previamente à presente ação, o Município de Ponta Delgada instaurou contra o Estado Português ação administrativa comum fundada na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, a qual foi autuada sob o n° 276/10.5BEPDL, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada.

XIII. Nessa outra ação, o MPD peticionou a condenação do Estado no pagamento de uma indemnização no valor de € 2.051.556,87, correspondente à soma das transferências financeiras relativas a Março a Dezembro de 2009 (€ 1.946.135,00) e o valor do dano resultante da indisponibilidade dessas verbas, correspondente aos juros de mora vencidos, à taxa legal, sobre o identificado capital.

XIV. A ação foi julgada improcedente por verificação da exceção dilatória da incompetência em razão da matéria e o Estado absolvido da instância.

XV. Inconformado, o MPD interpôs recurso da sentença para o Tribunal Central Administrativo Sul.

XVI. Pelo que o processo n.º 276/10.5BEPDL ainda se encontra a correr os respetivos termos.

XVII. Entre a presente ação e os autos que correm sob o n° 276/10.5BEPDL, existe identidade de sujeitos, tanto do lado ativo (o MPD), como do lado passivo (pois o MF é parte integrante do Governo português e este é um dos órgãos representantes do Estado Português); XVIII. Existe também identidade parcial dos pedidos deduzidos numa e noutra ação (sendo a diferença apenas fundada nos diferentes períodos abrangidos: numa ação, o ano de 2009, na outra ação os anos de 2009, 2010 e 2011), já que em ambas se pretende obter o mesmo efeito jurídico: a condenação do Estado no pagamento ao MPD do montante correspondente à participação variável de 5% no IRS dos meses de Março a Dezembro de 2009 (€ 1.946.135,00), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos sobre tal quantia até integral pagamento.

XIX. Existe, assim, a possibilidade de o Estado poder vir a ser condenado no pagamento ao Município de Ponta Delgada da mesma quantia no âmbito de dois processos diferentes, isto é, o município obterá o mesmo efeito jurídico em dois processos distintos, sendo o Estado condenado a pagar duas vezes a mesma quantia.

XX. A questão de base controversa em ambos os processos é a mesma, isto é, saber se o Estado deve ser condenado a pagar ao MPD as quantias referentes à participação variável de 5% no IRS correspondentes aos meses de Março a Dezembro de 2009, quantias que o Recorrido alega não lhe terem sido transferidas e que o Recorrente invoca ter entregue à RAA, para esta, por sua vez, as entregar ao município.

XXI. Deste modo, ao contrário do decidido na sentença recorrido, existia - e continua a existir - fundamento para a suspensão da presente instância enquanto não for conhecida a decisão definitiva proferida no âmbito do Proc. n° 276/10.5BEPDL, XXII. Já que, se for concedida razão ao MPD nesse processo e o Estado condenado a pagar-lhe as quantias referidas, então necessariamente terá de decair o impetrado pelo ora Recorrido na alínea i) do petitório final constante do articulado inicial.

XXIII. Peio que o Tribunal recorrido errou quando, face aos fundamentos invocados pelo MF, considerou não se verificarem, no caso, os pressupostos do n° 1 do art. 279° CPC.

XXIV. Deve, assim, a sentença proferida ser revogada nessa parte, ordenando-se a suspensão da instância até se conhecer a decisão final no Proc. n° 276/10.5BEPDL.

XXV. Tendo em consideração o ordenamento legal vigente relativamente aos anos de 2009 e 2010. e sendo certo que relativamente às LOE’s 2009 e 2010, inexistiram normas de conteúdo idêntico às contidas no art. 185°A da LOE 2011 e no art. 212° da LOE 2012, igualmente se concluirá que a Tribunal a quo não procedeu à correta interpretação e aplicação do Direito ao decidir condenar o R./Recorrente no peticionado pelo MPD.

XXVI. Com efeito, salienta-se que o Recorrido Município de Ponta Delgada insere-se na Região Autónoma dos Açores, o que impõe a necessidade de compatibilizar e coordenar o sistema legal de receitas a que as Regiões Autónomas têm direito relativamente ao IRS, previsto na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica n° 1/2007, de 19 de Fevereiro), com o sistema legal de receitas relativo à participação variável das Autarquias Locais nas receitas do IRS, previsto nos arts. 19°, n° 1, al. c) e 20° da Lei das Finanças Locais (Lei n° 2/2007, de 15 de Janeiro).

XXVÍI. Com efeito, esses dois sistemas sobrepõem-se no que tange às receitas derivadas do imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

XXVIII. Nos termos do art 5º, n° 1 da LFL, as finanças dos municípios devem ser coordenadas com as finanças do Estado, tendo especialmente em conta o desenvolvimento equilibrado de todo o país e a necessidade de atingir os objectivos e metas orçamentais traçados no âmbito das políticas de convergência a que Portugal se obrigou no seio da União Europeia.

XXIX. Para além das receitas previstas nos arts. 10° e 14° da LFL, as Autarquias Locais têm ainda direito a participar nos recursos públicos, nos termos e segundo os critérios definidos naquela lei, com vista ao respectivo equilíbrio financeiro vertical e horizontal, o que se realiza através das três formas de participação previstas no art. 19°, n° 1 da LFL.

XXX. Uma dessas formas é através da participação variável de (até) 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, prevista na al. c) do n° 1 do art. 19° e regulada no art. 20° da LFL.

XXXI. Essa regulação visa apenas os municípios do Continente.

XXXII. Já que as especificidades dos municípios localizados nas Regiões Autónomas, bem como a necessidade de tornar o sistema mais eficiente e ajustado àquela realidade própria, justificaram a necessidade de adaptação dos preceitos contidos na LFL àqueles municípios.

XXXIII. Essa adaptação é efectuada nos termos do art. 63° da LFL, que preceitua que a "transferência de competências para os municípios das Regiões Autónomas bem como o seu financiamento, designadamente mediante o ajustamento do montante e critérios de repartição do FSM, efectuam-se nos termos a prever em decreto-legislativo da respectiva assembleia legislativa.” (n° 2 do citado artigo).

XXXIV. Podendo ainda as assembleias legislativas regionais definir as formas de cooperação técnica e financeira entre as Regiões e as respectivas autarquias locais, a fim de tornar o sistema mais eficiente e ajustado às especificidades das Regiões Autónomas e das autarquias regionais (art. 63°, n°4).

XXXV. Com esse objetivo e no que toca especificamente à participação nas receitas do IRS, prevê-se que a aplicação do disposto na ai. c) do n° 1 do art. 19° e no art. 20° da LFL às Regiões Autónomas...

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