Acórdão nº 04922/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelNUNO COUTINHO
Data da Resolução26 de Março de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório Josef …………………, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra acção administrativa especial na qual peticionou a anulação de deliberação da Câmara Municipal de Sintra que declarou caducada a licença nº ……/99, bem como determinou o arquivamento do procedimento relativo ao pedido de alterações ao licenciamento inicial, referente ao processo nº OB/2149/1999 (1).

Por Acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 14 de Novembro de 2008 foi julgada procedente a acção, com fundamento na violação do princípio da boa-fé, decisão da qual interpôs recurso o Município de Sintra, formulando as seguintes conclusões: “1 - Salvo melhor opinião, mal andou a decisão recorrida ao considerar que o acto recorrido deveria ser invalidado por violação do princípio da boa-fé.

Pois que, 2 – Apesar de estar constitucionalmente (artº 266, nº 2, da CRP) consagrado que a administração deve pautar a sua conduta com os particulares agindo de boa fé; Bem como 3 – Tal princípio constitucional ter passado a ter consagração expressa em legislação ordinária, artº 6º-A, º 1 do CPA, na versão introduzida pelo Dec.-Lei nº 6/96, de 31/01/96 Não é menos verdade que, 4º - Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos poderes que lhe sejam confiados e em conformidade com os fins para que os poderes foram conferidos, cfrº Artº 3º nº 1, do CPA.

Ora, 5º - É jurisprudência corrente e unanime que: “Os princípios constitucionais da igualdade, da justiça e boa-fé operam, apenas como limites internos da actividade discricionária da Administração, consumindo-se, na actividade vinculada, no princípio da igualdade”, in Rec 0621/07 de 4/12/2008, in www.dgsi.pt E que “…Nos casos de actividade vinculada não releva a alegação de violação dos princípios da igualdade, imparcialidade, justiça e boa-fé se a administração tiver agido de acordo com o legalmente preceituado.”, in rec. 01804/04, de 18/02/04, in www.dgsi.pt Bem como por outro lado, 6º - Também é doutrina dominante que este princípio “não pode contrariar normas imperativas” Nem pode ser “…invocável quando a administração põe fim a uma situação irregular que já durava já muito tempo.” 7º - Face à matéria de facto dada como provada o Tribunal “a quo” não podia decidir do modo em que o fez; Já que, 8º - dispõe o artº 23º, nº 1, al b) do Dec.-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei nº 250/94, de 20 de Novembro, que há caducidade da respectiva licença se as obras não forem iniciadas no prazo de 15 meses a contar da data da emissão do respectivo alvará, o que foi o caso.

Porquanto, 9ª Entre a data de emissão do alvará e a data em que o requerente afirmou que ainda não tinha iniciado as obras tinham decorrido mais de 17 meses, ou seja, houve caducidade.

10ª – Além de que, a execução desta decisão, sempre seria um acto desnecessário, já que não poderá, por força da carta de REN de Sintra, licenciamento.” Contra alegou o recorrido, formulando as seguintes conclusões: “1 - Com os factos provados dos autos, como se refere no acórdão em apreciação, “a Administração, pela sua conduta, quer por acção, quer por omissão, fez crer ao Autor que se mantinham em apreciação, do ponto de vista do seu mérito, os pedidos apresentados, (…) para depois essa mesma Administração fazer recair sobre o autor efeitos que a própria Administração durante alguns anos nunca extraiu”.

  1. O Município de Sintra alega que não podia fazer mais nada, porque ao abrigo de uma legalidade estabelecida, o alvará nº 442/99 teria caducado em Outubro de 2000, por falta de início de obras em 15 meses.

  2. Contudo, a Administração não pode agora fazer crer – nem ao administrado, nem ao tribunal que a licença de obras caducou porque não foi dado início às obras no prazo legal e, por isso, vinculada a uma legalidade, não podia ter decidido de outro modo. E muito menos pode a Administração justificar tal facto, quando foi ela própria que prorrogou uma licença…e não se pronunciou em tempo sobre um projecto de alterações que o administrado pretendia introduzir na obra, sendo certo que sempre manteve em aberto e em estudo esse projecto de alterações, pois que pedia pareceres a entidades externas à Câmara sobre o mesmo.

  3. A Câmara de Sintra, com a sua actuação entre 1999 e 25.11.2002 (facto K a GG) não deixou: - nem que o autor começasse a obra com o primeiro projecto que lhe estava licenciado, -nem que o autor começasse a obra com o projecto alterado que aguardava deferimento.

  4. “Nada faria supor que a Administração que deferiu um pedido de prorrogação da licença venha depois entender que antes dessa data já havia caducado essa mesma licença, nem ainda que ocorrera o deferimento tácito do projecto de arquitectura de alterações do licenciamento quando se encontrava em curso a troca de ofícios entre a edilidade e a DRAOTVT” (acórdão, fls. 34).

  5. A Câmara de Sintra não actuou ao abrigo de um poder vinculado quando durante um largo espaço de tempo considerou expressamente a licença do primeiro projecto aprovada, prorrogando-a, e quando sujeitou, durante vários anos, o projecto de alterações a estudos e pareceres, não permitindo ao particular autor iniciar a obra concreta.

  6. No caso destes autos não parece estar em causa a actividade vinculada da Administração, mas sim decisões e orientações a que não estava vinculada e que a Administração entendeu tomar, durante um largo período de tempo, nunca decidindo do mérito do pedido de alterações apresentado pelo autor.

  7. A jurisprudência invocada nas alegações da recorrente não é unânime: no acórdão do STA de 28/1/2009, consagra-se expressamente que” Embora tenha o seu domínio primacial de aplicação no que toca aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, a verdade é que tem vindo a ser colocada a possibilidade, nomeadamente, do princípio da boa fé ser aplicado no caso de actos praticados no exercício de poderes vinculados, lá que o texto do artigo 266° da CRP não deixa entrever qualquer restrição à sua aplicação a qualquer tipo de actividade administrativa” (sublinhado nosso).

  8. Os tribunais e a doutrina admitem que o princípio de boa fé, na sua dimensão de protecção de confiança, não se restringe aos casos em que a Administração possa actuar no âmbito da discricionariedade.

  9. Tal como julgou o acórdão recorrido, a violação do princípio da boa fé no caso concreto pelo Município de Sintra e com os contornos apontados em 1., deverá levar à invalidade do acto que se impugna, e como tal provado o vício de violação da lei por ofensa ao princípio da boa fé, nomeadamente por violação do corolário da confiança e da colaboração para com o autor.

  10. A manutenção da deliberação contida no acórdão recorrido terá sempre interesse, seja pela possibilidade ainda de a Câmara de Sintra permitir a construção que licenciou sucessivamente em 1999 e 2001 (ou, pelo menos, dar ao autor o direito de um tribunal vir a decidir a sua pretensão), seja, se assim não for, pela possibilidade de o autor poder vir a ser indemnizado pelos danos que terá, caso se veja impossibilitado de construir no seu terreno, já que, apenas por virtude da actuação contraditória e não expectável da Administração, não construiu em tempo no terreno qualquer edificação, que anteriormente lhe fora licenciada.

    O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    II - Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: A) Em 30/11/1993 deu entrada na Câmara Municipal de Sintra pedido de licenciamento de construção de moradia unifamiliar num lote de terreno denominado Terra do Marotão, sito em São ……………, Sintra, ao qual foi adoptado o número de processo camarário OB 11227/93 – Acordo e cfr. proc. adm., apenso (vol. I); B) Por deliberação camarária datada de 13/04/1994 foi aprovado o projecto de arquitectura – Acordo e cfr. doc. 3 e fls. 36 e 37 do proc. adm. (vol. I); C) Em 18/04/1994 o Autor foi notificado do despacho de aprovação do projecto de arquitectura – Acordo; D) Em 17/10/1994 o Autor apresentou os projectos das especialidades (instalações telefónicas, electrotécnicas, estabilidade e projecto térmicas, água, gás) – Acordo e cfr. fls. 43 e seguintes do proc. adm. (vol. I); E) Em 31/01/1996 o ora Autor pediu a revalidação do processo nº 11227/93 – cfr. fls. 183 do proc. adm. (vol. I); F) Em 11/03/1996 foi emitido parecer sobre o pedido de revalidação, no sentido de o prédio em causa se situar em espaço cultural...

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