Acórdão nº 11720/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 12 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

X…….. T………, Lda., com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dele vem recorrer, concluindo como segue: 1. Em primeiro lugar, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de facto e de direito; 2. Desde logo, a interpretação da “Consulta de Conteúdos” que consta da sentença recorrida, onde se lê “há apenas uma consulta ao mercado sobre se há ou não interessados para determinado tipo de programas, sem qualquer tipo de vinculação”, surge em contradição, não só com a informação publicada pela Recorrida no seu “site” oficial (Documento 1 da PI), como também com a sua contestação.

  1. É a própria Recorrida a confirmar que criou um conjunto de regras “no sentido de disciplinar a apresentação de propostas para programas televisivos”, isto é, criou um regulamento administrativo.

  2. A Recorrida também não contestou, antes confirmou, que criou “um procedimento para a consulta de conteúdos” onde assumiu, no mínimo, as seguintes vinculações: a) Garantia de emissão de um juízo para cada proposta apresentada (cfr. pontos 7 e 8 do regulamento); b) Garantia de emissão de decisões de aprovação e rejeição das propostas (cfr. pontos 10 e 11 do regulamento); c) Desenvolvimento dos projetos aprovados (cfr. ponto 12 do regulamento).

  3. Estas vinculações constituem “promessas administrativas”, produtoras de efeitos jurídicos.

  4. Para cada proposta, a Recorrida obrigou-se a emitir um juízo (um ato administrativo impositivo), que define a viabilidade e as possibilidades de contratação da proposta.

  5. O entendimento vertido na sentença recorrida, segundo o qual a Recorrido apenas se terá limitado a “perguntar” aos operadores do mercado se tinham interesse em produzir determinados conteúdos, não faz qualquer sentido à luz dos factos. Não foi essa a explicação dada pela Recorrida – que nunca negou ter criado um procedimento administrativo e assumido as vinculações anteriormente referidas - e, muito menos, é essa a informação que motivou a impugnação do procedimento.

  6. A interpretação plasmada na sentença recorrida só poderia vingar se a “Consulta de Conteúdos” fosse, realmente, apenas uma “comunicação”, se não tivesse qualquer seguimento, se a Recorrida não agisse sobre as propostas apresentadas, isto é, se em relação a elas não tomasse qualquer decisão com efeitos externos, o que, como vimos, não é o caso.

  7. De facto, a partir do momento em que a Recorrida se compromete a emitir um juízo para cada proposta, passamos a ter, necessariamente, um procedimento administrativo. E, a partir do momento em que esse juízo é determinante para a decisão de contratar ou não certa proposta, passamos a ter atos relativos à formação de contratos.

  8. A Recorrida não rejeita, antes confirma, que o objetivo da “Consulta de Conteúdos” é a seleção de “projetos televisivos viáveis” para as grelhas da ..... Para que estes projetos cheguem às grelhas, as produtoras, que apresentaram as propostas selecionadas, terão de os transformar em conteúdos. E a prestação desses serviços de produção implica, naturalmente, a celebração de contratos, precedidos de decisões de adjudicação.

  9. Na redação do artigo 100.º do CPTA, o legislador referiu-se a “atos administrativos relativos à formação de contratos” (isto é, que de alguma forma estão relacionados com a formação de contratos, como é o caso) e não, especificamente, ao conceito de “procedimento pré-contratual”.

  10. São, deste modo, irrelevantes, todas as razões que a Recorrida avançou para obstar à sindicância deste procedimento pela via do contencioso pré-contratual, nomeadamente, a indefinição relativamente ao número de contratos que poderão vir a ser celebrados, o facto de as propostas não serem (por agora) comparadas entre si, a inexistência de uma seleção fechada e definitiva ou o facto de as decisões de adjudicação estarem fora da “Consulta de Conteúdos”.

  11. Ainda que, por alguma razão, se considerasse que o contencioso pré-contratual não era o meio processual correto, seria sempre possível, como se demonstrou, a convolação para a ação administrativa especial, nos termos do artigo 193.º, n.º 3 do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA. Errou o Tribunal a quo ao considerar que a “Consulta de Conteúdos” era insuscetível de impugnação, uma vez que, como se explicou, o regulamento do procedimento, as promessas administrativas e os juízos sobre as propostas, são impugnáveis.

  12. Em segundo lugar, a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do n.º 2 do artigo 608.º e da alínea d) do artigo 615.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, uma vez que desconsiderou total e injustificadamente questões fulcrais trazidas ao processo pelas partes.

  13. Essencialmente, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as seguintes questões: a) Estão ou não tomadas as decisões de contratar relativamente aos contratos de produção de programas para as grelhas de 2015, 2016 e 2017?; b) Estão ou não em curso os procedimentos pré-contratuais para os contratos de produção de programas para as grelhas de 2015, 2016 e 2017?; c) Qual a relação entre a “Consulta de Conteúdos” e os contratos de produção de programas para as grelhas de 2015, 2016 e 2017?; d) Qual é, ao certo, a tramitação da “Consulta de Conteúdos”? 16. Naturalmente, estas questões teriam de ser resolvidas na sentença recorrida, uma vez que a Recorrida foi absolvida pela alegada inexistência de atos atinentes à formação de contratos.

  14. Mostrando-se controvertidos os factos alegados, incumbia ao Tribunal a quo abrir um momento de instrução do processo, antes de proferir a decisão final.

  15. Não o tendo feito, violou os princípios do inquisitório - ínsito no artigo 411.º do CPC - e da descoberta da verdade.

  16. Em terceiro lugar, o Tribunal a quo incorreu ainda em nulidade processual atípica, por violação do disposto nos artigos 91.º, n.º 4 e 102.º, n.º2 do CPTA, ao ter preterido a realização de alegações escritas.

    Face ao exposto, solicita-se a V. Exa. que se digne: (a) Julgar procedente o recurso e revogar a sentença reclamada, com todos os efeitos legais; b) Determinar a baixa dos autos para que ali prossigam os seus termos, com a instrução da causa, se a mais nada obstar.

    * A .... – Rádio Televisão de Portugal contra-alegou, concluindo como segue: 1. A decisão proferida pelo Tribunal a quo não padece de nenhuma das invalidades apontadas pela Recorrente nas suas alegações.

  17. Andou bem o Tribunal a quo ao julgar procedente a exceção de impropriedade do meio processual utilizado, uma vez que a "Consulta de Conteúdos ....", cujo conteúdo a Recorrente impugnara, não se traduz num procedimento pré-contratual, pelo que não tem aplicação o contencioso urgente de formação de contratos a que aludem os artigos 100.° e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  18. A "Consulta de Conteúdos" i) não é um procedimento administrativo ordenado à formação de qualquer contrato, nomeadamente de contratos de "aquisição, desenvolvimento, produção ou coprodução de programas destinados a emissão ou relativos a tempos de emissão" U) não se dirige à obtenção de propostas para a celebração de contratos suscetíveis de serem "adjudicadas" e iii) não contém qualquer vinculação da .... a celebrar contratos com as pessoas ou entidades que venham a apresentar projetos que sejam selecionados no âmbito dessa Consulta ou sequer pressupõe uma autorização para que tal contratação pudesse ocorrer.

  19. A "Consulta de Conteúdos" é um mero expediente de consulta ao mercado com o objetivo de concentrar num determinado período a receção de projetos televisivos para serem apreciados pela ...., com vista a identificar projetos televisivos viáveis e a orientar o mercado quanto às necessidades de grelha da ...., expediente que se aproxima do modelo de "casting" de ideias, em que por isso mesmo a .... não assume qualquer compromisso de emissão (ou de contratação) dos programas.

  20. Como fundamento da invalidade da decisão recorrida, por erro de julgamento da matéria de facto e de direito, a Recorrente apresenta uma nova tese, segundo a qual a "Consulta de Conteúdos" configuraria i) uma espécie de procedimento administrativo "antecedente" que condicionaria procedimentos adjudicatórios futuros, ii) instituído por um "regulamento administrativo" e no âmbito do qual seriam praticados iii) "aios administrativos" que assim seriam atos vi) "relativos à formação de contratos", v) sendo por essa via impugnável pela via do contencioso pré-contratual.

  21. Sucede que nenhum dos cinco pressupostos que cumulativamente se teriam de verificar para que a tese da Recorrente procedesse se verifica efetivamente: a "Consulta de Conteúdos" i) não é um "regulamento administrativo", ii) não institui um "procedimento administrativo", as atuações desenvolvidas no seu âmbito iii) não são reconduzíveis à categoria de "atos administrativos", iv) não se "dirigem à formação de contratos" e, em qualquer caso, v) não é a anulação deste tipo de atuações que pode ser deduzida ao abrigo do contencioso pré-contratual regulado nos artigos 100.° e ss. do CPTA.

  22. A "Consulta de Conteúdos" não se traduz num regulamento administrativo, consistindo sim num mecanismo definido no âmbito de atuações de gestão privada da ..... É o que resulta, desde logo, da subtração ao âmbito material do Código dos Contratos Públicos dos contratos a que alude a alínea d), do n.° 2 do artigo 4.° deste Código, mas também, por se tratar de um mecanismo adotado no âmbito da atividade comercial e concorrencial da ...., não podendo estar diretamente sujeita a vinculações específicas de direito administrativo.

  23. Por outro lado, a .... não tem habilitação legal que genericamente confira capacidade jurídica para exercer a sua atividade através da emissão de regulamentos administrativos.

  24. Ainda que a .... fosse titular de poder regulamentar, não é todo e qualquer regulamento que pode ser impugnado abrigo do artigo 100ºdo Código do Procedimento nos...

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