Acórdão nº 11623/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução14 de Maio de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

EDP Serviço Universal SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida p0elo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em sede de acção de intimação (artº 104º CPTA), dela vem recorrer concluindo como segue: 1. Na sentença recorrida, o Tribunal "a quo" julgou improcedente uma excepção dilatória de incompetência absoluta por considerar que, sendo a Entidade Requerida uma "concessionária de serviço público", ela se "mostra abrangida pela norma atributiva de competência material aos tribunais administrativos contida no artigo 4º nº 1, alínea d), do ETAF 2. Sucede que, tal preceito, ao submeter à jurisdição administrativa "a fiscalização da legalidade das normas das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos", aponta como elemento determinante para a administratividade dos litígios respeitantes a actos praticados por privados a questão de saber se tais sujeitos são ou não detentores de poderes públicos de autoridade; 3. Na verdade, o campo normal da actuação das entidades privadas em relação a terceiros é o direito privado, pelo que as relações que elas estabelecem com terceiros são, em regra, relações jurídicas privadas e os litígios delas emergentes são apreciados pelos tribunais judiciais; 4. Sem prejuízo disso, podem tais entidades ser dotadas, por força de lei ou por contrato, de poderes públicos de autoridade, caso em que os actos praticados no exercício desses poderes (e apenas e exclusivamente estes) são objecto de fiscalização pelos tribunais administrativos, ao abrigo do artigo 4º nº 1, alínea d), do ETAF; 5. Assim, é na apreciação do carácter público e autoritário dos poderes atribuídos e exercidos por entidades privadas - e não na qualificação do estatuto ou natureza jurídica dessas entidades, como entendeu o Tribunal "a quo", incorrendo num erro de julgamento - que reside o fator determinante para a delimitação da esfera de competência dos tribunais administrativos; 6. A EDP SERVIÇO UNIVERSAL, S.A. é uma sociedade de direito privado, constituída pela EDP DISTRIBUIÇÃO ENERGIA, S.A para em cumprimento do disposto no artigo 73.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 29/2006, de 15 de fevereiro (diploma que estabelece as bases gerais da organização e funcionamento do sistema eléctrico nacional) exercer a actividade de comercializador de último recurso; 7. Nenhum dos diplomas legais que regulam a actividade da EDP SERVIÇO UNIVERSAL, S.A. lhe reconhece a titularidade de prerrogativas de direito público, nem tais poderes resultam de qualquer título (contratual ou de outro tipo) atribuído pelo Estado; 8. Não dispondo a Entidade Requerida deste tipo de poderes, o litígio que está na base do presente processo nunca poderá advir "de atos jurídicos praticados por sujeitos privados (...) no exercício de poderes administrativos", pelo que não estão reunidos os pressupostos de que depende, nos termos do artigo 4º nº 1, alínea d), do ETAF, a atribuição da competência para o julgamento de tal litígio aos tribunais administrativos; 9. Na medida em que essa competência também não se pode fundar, manifestamente, em nenhuma das outras alíneas deste nº 1do artigo 4.º do ETAF, deve concluir-se que a relação jurídica em causa está fora do âmbito da jurisdição administrativa; 10. Verifica-se, portanto, a excepção dilatória de incompetência absoluta, que o tribunal "a quo" não reconheceu, incorrendo desse modo num erro de julgamento - um erro que deverá ser corrigido por este Tribunal, determinando, em consequência, a absolvição da instância da Entidade Requerida; informação sobre um contador de energia eléctrica e contratos que a ele dizem respeito - são documentos administrativos de cariz procedimental (isto é, são documentos que integram ou resultam de um concreto procedimento administrativo que se encontra ainda em curso), que a Entidade Requerida estava obrigada a facultar à Requerente ao abrigo dos artigos 61.º e 64.º do CPA; 11. Caso assim não se entenda - o que mera cautela de patrocínio se admite, a sentença recorrida padece também de um erro de julgamento na parte em que, apreciando o mérito da causa, considera que a Requerente pode exercer, perante a Entidade Requerida, o direito de acesso a informação administrativa procedimental; 12. Entende o Tribunal "a quo" que os documentos solicitados pela Requerente - que respeitem a informação sobre um contador de energia eléctrica e contratos que a ele dizem respeito - são documentos administrativos de cariz procedimental (isto é, são documentos que integram ou resultam de um concreto procedimento administrativo que se encontra ainda em curso), que a Entidade Requerida estava obrigada a facultar à Requerente ao abrigo dos artigos 61.º e 64.º do CPA; 13. Sucede que as regras do CPA - incluindo as regras que prevêem os deveres de prestação de informações, permissão da consulta de processos e passagem de certidões, previstas nos artigos 61º a 63.º - só devem ser cumpridas por sujeitos privados sempre que estejam reunidos dois pressupostos: (i) esses sujeitos desempenhem uma actividade administrativa ao abrigo de um título concessório; e (ii) estejam a actuar no exercício de poderes de autoridade (cfr. artigo 2º nº 3 do CPA); 14. No caso em apreço, a Entidade Requerida não dispõe de quaisquer poderes de autoridade, pelo que, por esse simples facto, nunca poderia estar sujeita - como concluiu, erradamente, o Tribunal "a quo" - ao artigo 61º do CPA e ao dever de prestação de informações aí previsto; 15. Mas acresce ainda que a EDP SERVIÇO UNIVERSAL, S.A. também não assume o estatuto de concessionária de serviço público, qualificação que só lhe pode ser atribuída - como se faz na sentença recorrida - por desconhecimento do quadro normativo vigente no que respeita à ordenação e funcionamento do sector eléctrico, bem como por desconsideração das diferentes variantes que compõem o fenómeno da privatização de tarefas públicas; 16. Esse processo de privatização abrange duas modalidades de cariz distinto: a privatização organizatória e a privatização material: (i) a primeira abrange as situações em que a iniciativa privada se vê investida, por via da celebração de um contrato de concessão, de uma responsabilidade de execução - cabendo-lhe assumir, com autonomia, a gestão de uma tarefa pública - sem que ocorra qualquer metamorfose na natureza jurídica ou titularidade desta tarefa; diferentemente (ii) no caso da privatização material, verifica-se um processo de efectiva deslocação de uma tarefa ou função pública para o sector privado, o qual tem por efeito a despublicização ou renúncia pública à sua titularidade; 17. Por vezes, nesta segunda forma de privatização, e quando estão em causa serviços de interesse económico geral, o Estado assume uma responsabilidade de garantia da prestação - obrigando-se a assegurar ou garantir a existência ou exercício efetivo da tarefa privatizada e continuando empenhado em que se alcancem determinados resultados ao nível da satisfação de necessidades da colectividade - o que faz através da imposição de obrigações de serviço público; 18. É exactamente nesta categoria de casos - que se reportam ao exercício, por um privado, de uma actividade económica despublicizada mas sujeita a obrigações de serviço público - que se enquadra a EDP SERVIÇO UNIVERSAL,S.A.; 19. Com efeito, como resulta indubitavelmente da análise do quadro legal que regula a sua atividade enquanto comercializador de último recurso (cfr., em particular, artigos 46.º a 49ºdo Decreto-Lei n.º 29/2006 e nos artigos 52º a 55º do Decreto-Lei n.º 172/2006), a Entidade Requerida não exerce uma tarefa de titularidade pública que lhe foi concessionada, mas sim uma tarefa privada sujeita a obrigações de serviço público, destinadas a assegurar que o fornecimento de um bem essencial, como é a energia elétrica, esta acessível a todos os indivíduos nela interessados - independentemente da respectiva situação económica, social ou geográfica; 20. Em suma, a Entidade Requerida não se integra no âmbito subjectivo de aplicação do CPA uma vez que este apenas integra sujeitos privados que sejam concessionários e que atuem no exercício de poderes de autoridade e a EDP SERVIÇO UNIVERSAL, S.A. não é uma entidade que exerça, por via de uma concessão, uma tarefa de titularidade pública e exatamente por isso - ou seja, pelo facto de exercer uma tarefa que foi despublicizada e é agora de cariz exclusivamente privado - não dispõe de quaisquer prerrogativas de autoridade; 21. Não se integrando no âmbito de aplicação do CPA, a Entidade Requerida não pratica atos que relevem da actividade administrativa e que, como tal, estejam sujeitos às regras e princípios que disciplinam esta actividade - incluindo as regras respeitantes ao dever de prestação de informação procedimental, previstas nos artigos 61.º a 64º daquele Código; 22. Ao decidir em sentido inverso, considerando que a Entidade Requerida está sujeita a tal dever e, em consequência, deferindo a intimação judicial deduzida pela Requerente, a sentença recorrida incorreu num erro de julgamento que justifica a sua revogação, concluindo-se pelo indeferimento do pedido de intimação formulado.

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