Acórdão nº 11422/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2015
Magistrado Responsável | CRISTINA DOS SANTOS |
Data da Resolução | 14 de Maio de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
M……..– Sociedade …………………., SA, comos sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. A constituição de uma servidão administrativa consubstancia o exercício de um poder-dever da Administração pública que dá origem a uma relação jurídico-administrativa complexa, composta por um feixe de direitos e deveres recíprocos entre os quais avulta o direito do particular a reclamar da Administração o pagamento de uma indemnização pelas limitações impostas ao seu direito de propriedade.
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As normas de direito administrativo não são apenas aquelas que conferem poderes de autoridade à Administração pública, mas também aquelas que conferem aos particulares direitos e garantias perante a Administração pública, quando esta actua no exercício da função administrativa.
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Por conseguinte, as normas que reconhecem ao particular o direito a ser indemnizado pelo sacrifício decorrente da constituição de uma servidão administrativa são também elas normas administrativas, na exacta medida em que concedem ao particular um direito perante a Administração pública no caso de esta última exercer um poder de autoridade que lhe assiste.
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Por dizerem respeito a relações jurídico-administrativas, reguladas por normas de direito administrativo, os litígios relacionados com a indemnização devida pela constituição de servidões administrativas são da competência dos tribunais administrativos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1.°, n.° l, e 4.°, n.° l, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do artigo 212.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa.
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O artigo 38º do Código das Expropriações está pensado para o caso das indemnizações devidas pelas expropriações ditas "clássicas", que envolvem a transferência do bem da propriedade de um particular para o domínio da Administração pública, e nas quais, portanto, se coloca apenas o problema da liquidação do quantitativo da indemnização.
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A indemnização devida pelas servidões administrativas enquadra-se na categoria mais ampla da indemnização pelas chamadas “expropriações de sacrifício”, nas quais o bem permanece na titularidade do particular mas sujeito a encargos e limitações que diminuem de forma especial ou anormal as utilidades que o mesmo produzia ou era apto a produzir.
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No caso das "expropriações de sacrifício", o problema não se coloca apenas a jusante, ao nível da liquidação do quantitativo da indemnização, mas surge logo a montante, quanto à questão de saber se o encargo ou limitação impostos pela Administração atingem um grau de relevância suficiente para justificar o arbitramento de uma indemnização (no que às servidões administrativas diz respeito, vejam-se as diversas alíneas do nº 2 do artigo 8.° do Código das Expropriações).
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Portanto, quando confrontado com um pedido de indemnização pela constituição de uma servidão administrativa, o tribunal tem necessariamente de apreciar previamente se estão reunidos os pressupostos de que depende o direito do particular à indemnização.
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Ora, o artigo 38º do Código das Expropriações - justamente porque está pensado para as expropriações ditas "clássicas" - só atribui competência aos tribunais judiciais para conhecerem de litígios relativos ao quantitativo da indemnização, como, aliás, resulta do próprio texto do mencionado artigo.
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Atenta a reserva de competência dos tribunais administrativos consagrada no artigo 212.° n.° 3, da Constituição o artigo 38.° do Código das Expropriações é uma norma excepcional, não podendo ser aplicado analogicamente em termos de fundar a competência dos tribunais judiciais para apreciar os litígios relativos à existência do direito do particular a uma indemnização pela constituição de servidões administrativas ou outros casos de expropriação de sacrifício.
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Em face do exposto os tribunais administrativos são necessariamente competentes para apreciar as acções de indemnização por constituição de servidões administrativas e outros tipos de expropriação de sacrifício, sob pena de inconstitucionalidade.
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É que a atribuição de competência aos tribunais judiciais para dirimir questões emergentes de relações jurídico-administrativas requer disposição legal expressa (artigos 212º, nº 3, e 165º, nº 1 alínea p), da Constituição da República Portuguesa), sendo que tal disposição não existe, dado que o artigo 38.° do Código das Expropriações só diz respeito a litígios acerca do quantitativo da indemnização e não já a litígios acerca da própria existência do direito à indemnização.
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Acresce que o reconhecimento do direito do particular a ser indemnizado pela servidão administrativa exige a análise dos encargos e limitações por ela impostos sobre o bem serviente, que é uma análise de normas de direito administrativo - já que o conteúdo das servidões é determinado por normas de direito administrativo - para a qual só os tribunais administrativos se encontram devidamente habilitados, sendo inteiramente injustificado deferir essa competência aos tribunais comuns, em violação do preceituado no nº 3 do artigo 212º da Constituição.
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Por conseguinte, não pode haver dúvidas de que os tribunais administrativos são materialmente competentes para apreciar os litígios relativos ao direito dos particulares a serem indemnizados pelos encargos e limitações impostas por servidões de direito administrativo.
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E, consequentemente, também não pode haver dúvidas de que os tribunais administrativos são materialmente competentes para conhecer da pretensão da Recorrente de ser indemnizada pelos encargos e limitações que foram impostos sobre os bens de que é proprietária em virtude da servidão aeronáutica do Aeroporto da Madeira.
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De acordo com a doutrina do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de março de 2009 consistindo o pedido principal deduzido pela Recorrente no reconhecimento do seu direito a ser indemnizada pelas limitações impostas em virtude da servidão aeronáutica do Aeroporto da Madeira, têm os tribunais administrativos igualmente competência para proceder ao cálculo e ao arbitramento da indemnização devida.
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Ora, sendo os tribunais administrativos competentes para conhecer do pedido formulado na acção principal - leia-se, o pedido de reconhecimento do direito da Recorrente a ser indemnizada pela constituição da servidão aeronáutica da Madeira e de arbitramento da competente indemnização -, serão igualmente competentes para conhecer do mesmo pedido...
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