Acórdão nº 03404/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução17 de Setembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul: MANUEL ………………………………………., com sinais nos autos, inconformado com a sentença do TAF de Lisboa de 12 de Abril de 2007, que negou provimento ao recurso contencioso que interpusera do despacho do Governador Militar de Lisboa, de 8 de Outubro de 2002, que indeferiu o recurso hierárquico do despacho proferido pelo Comandante da Escola de Sargentos do Exército (ESE), de 11 de Junho de 2002 que lhe aplicara a pena disciplinar de dez dias de detenção, dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões: “ 1ª. No acórdão recorrido decidiu-se erradamente e com violação do artigo 119º quando em conjugação com o artigo 118º do RDM, com a alteração introduzida pelo DL 226/79, de 21 de Julho, na parte em que se julgou que o Governador Militar de Lisboa, chefe para quem foi interposto recurso hierárquico sobre matéria disciplinar a que alude o inciso legal, tem o poder de anular o despacho recorrido e reenviá-lo de novo para a entidade subordinada para elaboração de novo despacho decisório.

  1. Sendo o Regulamento de Disciplina Militar um diploma especial que se rege pelos princípios da celeridade e simplicidade, as suas normas têm, por tal facto, de ser interpretadas nos seus precisos termos e no espírito do sistema do próprio RDM, pelo que se o reenvio para a entidade subordinada para a aplicação de nova punição fosse possível, tal possibilidade não deixaria de estar contemplada no artigo 119º, nº 1.

  2. A aplicação dos princípios hierárquico e sobre competência, constantes do Código do Procedimento Administrativo só é possível em matéria processual do Regulamento de Disciplina Militar, se este não dispuser de maneira diferente, o que o caso, na parte do recurso hierárquico sobre matéria disciplinar.

  3. O acto do General Governador Militar de Lisboa de remeter os autos e mandar punir a entidade que já não tinha competência para tal, uma vez que o acto tinha sido objecto de recurso hierárquico, corresponde a renúncia à competência de que dispunha, a qual lhe tinha sido conferida pelo artigo 119º, nº 1 e nº 2 do RDM, quando conjugados. Tal renúncia à competência viola os artigos 29º e 30º do CPA, pelo que a sentença recorrida efectuou uma errada interpretação destas normas.

  4. Exceptuando a parte do “pouco transparente” e infracção aos deveres “1º” e “9º” do artigo 4º do RDM, não existe identidade entre as redacções dos despachos de 26 de Fevereiro de 2002 e de 11 de Junho de 2002 do Comandante da ESE, apesar da conduta no plano dos factos ser, obviamente, a mesma.

  5. Sendo patente que a redacção da punição de 26 de Fevereiro de 2002 do Comandante da ESE pune o recorrente fundamentando-se na prática de factos e comportamentos considerados, por qualquer intérprete muito mais graves do que a redacção da punição de 11 de Junho de 2002 da mesma entidade, e tendo o arguido sido punido em ambos os despachos com a mesma punição, ter-se-á por concluir que o Comandante da ESE fez uso de duas medidas, na medida em que pune a infracção aos deveres 1º, 2º, 3º, 4º, 9º e 27º do artigo 4º do RDM com a mesma pena do que a violação dos deveres 1º e 9º do artigo 4º do RDM por factos e atitudes muito diferentes e menos graves.

  6. A sentença recorrida ao decidir que o despacho recorrido não violava o princípio da proporcionalidade, sem efectuar a comparação com o despacho de 26 de Fevereiro de 2002, do Comandante da ESE, efectuou uma errada interpretação do nº 2 do artigo 266º da Constituição da República e interpretou mal os referidos despachos que configuram erro grosseiro ou palmar na fixação da pena disciplinar, pois que é manifestamente injusto ou desproporcionado punir factos muito diferentes ou entendidos como mais graves uns do que outros, com a mesma pena.

  7. Aliás, não faz sentido que tendo desaparecido elevada quantia em dinheiro que se encontrava à guarda de outros militares (baristas) e sendo a Gerência dos Bares composta por presidente, secretário, tesoureiro, e vogal administrativo, tenha sido o recorrente o único a ser punido e a efectuar restituições de dinheiro, quando a responsabilidade entre todos era solidária poderiam indiciar eventual cometimento de crime, tal pena não teve em atenção que tal processo poderia ser arquivado por falta de provas, conforme efectivamente foi, ainda antes de deduzida a acusação.

  8. Aliás, se o recorrente fosse a pessoa com as deficientes qualidades que lhe foram apontadas nos despachos de 26 de Fevereiro de 2002, 22 de Julho de 2002, e 08 de Outubro de 2002, nunca teria praticado factos que levaram ao louvor com “elevado mérito e reconhecimento público” de 05.06.2007, que inclui actividades desenvolvidas como Amanuense Financeiro, semelhantes às que foram objecto das punições dos autos.

  9. Não tendo ficado provado no processo que o recorrente tenha retirado ou utilizado em seu benefício o que quer que seja ou tenha utilizado ou efectuado manobras financeiras para seu benefício ou tenha por qualquer modo beneficiado dos procedimentos utilizados, a acusação de falta de transparência no levantamento e entrega do dinheiro, traduz conceito que pode variar conforme o intérprete e o contexto e que também pode significar conduta ilícita por inculcar um aproveitamento indevido das quantias retidas pelo arguido/recorrente entre o momento do seu levantamento e a entrega do tesoureiro, o que para além de não estar provado, configura conceito obscuro do qual o recorrente não se pode defender.

  10. Se “falta de transparência no levantamento e entrega de dinheiro traduzisse unicamente a falta de rigor, cuidado e respeito pelo modo como” (…) “o reclamante desempenhou as funções de que estava incumbido”, então esta descrição é a que deveria constar da nota de culpa e na nota de punição, por ser efectivamente manifestamente clara quando em confronto com a outra.

  11. A sentença recorrida ao decidir que falta de transparência no levantamento e entrega de dinheiro descreve de forma perfeitamente compreensível os factos praticados efectua uma errada interpretação dos artigos 95º nº 2 (1ª parte) do RDM e artigo 123º nº 1 do CPA (na parte de falta de precisão).

  12. Se no processo criminal pela redacção da norma incriminadora, o arguido fica conhecedor da previsível pena, por igualdade de razão, no processo disciplinar, aquando da nota de culpa, o arguido deveria ser informado da intenção da Autoridade em o punir numa específica pena ou pelo menos com um tipo de pena, sob pena de violação do princípio da legalidade, artigos 29º, nº 1 da CRP e 1º do Código Penal.

  13. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, o artigo 34º do RDM, para aonde remete o artigo 4º da nota de culpa, não indica a medida abstracta da pena em que incorre o militar/recorrente, mas todas “as penas aplicáveis a oficiais e sargentos”, por quaisquer factos praticados com relevância disciplinar, o que traduz inutilidade da referida indicação, por não se atingir a finalidade pretendida de permitir ao militar pronunciar-se sobre a previsível pena.

  14. Ao decidir que a indicação da previsível medida da pena a aplicar se basta com a remissão constante na nota de culpa para o artigo 34º do RDM, a sentença recorrida, efectuando uma errada interpretação do n 3 do artigo 90º do RDM, incorre numa interpretação deste artigo com violação do nº 1 do artigo 32º da CRP e do direito de defesa do arguido, dado que gozando o processo disciplinar de garantias de defesa semelhantes ao processo criminal, ninguém se pode defender de uma pena, ou invocar antecipadamente a sua desproporcionalidade, se desconhece a sua natureza e limites”.

* A Autoridade Recorrida, Governador Militar de Lisboa, não apresentou contra-alegações.

* O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.

* Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

* A sentença recorrida deu como assente a seguinte factualidade que se passa a transcrever: «a) Com fundamento na participação do CAP/INF António………………, que referia irregularidades no funcionamento do bar de Praças por despacho de 15.01.2002, do Comandante da Escola e Sargentos do Exército, foi ordenada a instauração de processo de averiguações; b) No termo das averiguações o oficial instrutor lavrou o relatório de fls 29 e seguintes do processo de averiguações [junto do processo instrutor apenso, e cujo teor de fls 29 e ss.) se dá aqui por integralmente reproduzido], em que se propôs a instauração de processo disciplinar ao recorrente e a dois outros militares; c) Por despacho de 1/02/2012 do Comandante da Escola e Sargentos do Exército foi ordenada a instauração de processo disciplinar ao recorrente; d) No âmbito do qual veio a ser deduzida e entregue em 4.02.2002, a nota de culpa constante de fls 3 e ss. do processo disciplinar, do seguinte teor: “Não controlou os movimentos diários da Caixa do Bar de Praças, nem fez a entrega diária da receita apurada ao tesoureiro conforme o determinado [Normas da 7ª Rep/EME – 9ª, alíneas a) e e); Anexo A da NEP IV/05 de 27 Nov01 da ESE nos nºs 5.a. e 5.d; e pelas indicações quer do presidente quer do tesoureiro], pelo que infringiu o nº 1 do Art.º 4º do RDM; Pelo deficiente acompanhamento de controlo de dinheiro e artigos existentes; pela manutenção de valores exagerado em caixa, e pelas deficientes condições em que esses valores eram guardados; pela falta de transparência no levantamento e entrega do dinheiro. Com estas acções, contribuiu de forma decisiva, que o Bar de Praças a 7 de Janeiro, apresentasse um prejuízo de 301 832$00, pelo que infringiu com a sua conduta o nº 9 do Art. 4º do RDM; Pela falta de indicações e instrução aos subordinados, de forma a garantir a eficácia no funcionamento do Bar, nomeadamente no que se refere ao registo diário de dinheiro apurado, infringiu com a sua conduta o nº 27 do Art.º 4º do RDM.

O...

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