Acórdão nº 06844/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução06 de Abril de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

l - Relatório A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou procedente a impugnação judicial - que a "Sociedade Agrícola ..., Lda", deduziu do indeferimento do recurso hierárquico, na parte em que desconsiderou os custos do exercício de 1993, no valor de 8.824.898$00 e escriturados na rubrica “Subcontratos”, referentes a pagamentos a trabalhadores - dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

A culminar as suas alegações de recurso apresentou as seguintes conclusões: «A A Administração Tributária não contesta a realização dos trabalhos respeitantes aos custos incorridos; B A Administração Tributária não refuta tais custos de não indispensáveis, para a prossecução da atividade desenvolvida; C Salvo o devido respeito por opinião diferente, entende a Representação da Fazenda Pública que, embora aos documentos de suporte de custos, em IRC, não seja imposta a mesma densidade formal que para efeitos de IVA; D A referência a "encargos não devidamente documentados", pressupõe um mínimo de formalidade; E Desde logo a correta identificação fiscal do beneficiário de tais rendimentos; F Porque ao custo incorrido, por parte da impugnante, correspondeu um proveito por parte de outro sujeito passivo; G E ao não identificar fiscalmente o beneficiário desses proveitos, a impugnante está a propiciar a subtração ao controlo das Autoridades Tributárias, quer desses rendimentos quer dos seus beneficiários; H Além de que não permite à Administração Tributária, efetuar através do contraditório, a efetiva validação desses custos; I Propiciando dessa forma, a possibilidade de, aqueles a quem são prestados tais serviços, fazer corresponder aos mesmos, custos substancialmente diferentes daqueles que efetivamente foram suportados; J Inibindo desta forma, a Administração Tributária de exercer o efetivo controlo sobre tais custos e propiciando a fraude e evasão fiscal e impedindo o cumprimento do imperativo constitucional de tributação pelo rendimento real; K Como também não pode colher o argumento "que tais trabalhadores não estão, nem querem estar, coletados para efeitos de IRS e registados para efeitos de IVA"; L Porque a coleta e o registo, para efeitos de IRS e IVA, são obrigações decorrentes do exercício de determinadas atividades, que não assentam na disponibilidade do seu titular; M E mesmo considerando os custos incorridos, como trabalho por conta de outrem, com o seu comportamento, a impugnante subtraiu tais rendimentos, quer ao controlo das Autoridades Tributárias, quer ainda às obrigações para a Segurança Social; N Além de que "os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, ..., deve dar-se prevalência ao interesse público da prevenção e combate à evasão fiscal, ...", conforme Acórdão de 05/07/2012, do Supremo Tribunal Administrativo, já citado em XVII das alegações; O De onde, e citando ainda e mais uma vez o já referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, "mutatis mutandis", decidir no sentido da procedência da Impugnação, é "fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto ás exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidar a ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos"; P Pelo que a douta sentença "a quo" enferma de erro no julgamento dos fatos e no direito aplicável».

Conclui peticionando que, pela procedência do recurso, seja revogada a decisão recorrida e substituída por acórdão que julgue a presente impugnação improcedente.

Admitido o recurso e notificada a recorrida não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Tribunal Central, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se pronunciou, a final, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os «Vistos» das Exmas. Juízas Desembargadoras Adjuntas, cumpre, agora, decidir, submetendo-se, para o efeito, os autos à conferência.

II – Objecto do recurso Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n° 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que, in casu, o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se o Tribunal a quo suportou a sua decisão de procedência da acção numa errada valoração dos factos apurados por destes, especialmente face à assente inexistência de documentos capazes de satisfazer as exigências de forma legalmente impostas no que respeita a custos em que incorreu, conjugado com o dever de não obstar ao controlo de distribuição de rendimentos e de combate à fraude e evasão fiscal, que sobre todos os contribuintes impendem, necessariamente imporem decisão diametralmente oposta, isto é, a improcedência da impugnação judicial.

Ill – Fundamentação de Facto Em 1ª instância foram dados como provados com relevo para a apreciação do mérito dos autos, a seguinte matéria de facto (por nós numerada) 1) A sociedade aqui autora desenvolve actividades agrícolas e de pecuária.

2) A sociedade impugnante foi objecto de acção inspectiva por parte da Divisão de Inspecção da Direcção Distrital de Finanças de Beja relativamente ao exercício de 1993.

3) Como conclusão desta inspecção foram determinadas correcções ao lucro tributável declarado, designadamente, por desconsideração enquanto custo fiscal designadamente de 8.824.899$00 relativo a subcontratos cuja documentação foi considerada insuficiente em virtude de não identificarem devidamente os fornecedores dos bens e serviços tendo em conta as exigências formais previstas pela alínea h) do n°1 do art. 41°do CIRC.

4) Nessa sequência foi emitida a liquidação n°... em 24/09/1996 apurando o valor a pagar de 7.617.324$00 com data limite de pagamento até 13/11/1996.

5) Não se conformando com a mesma a sociedade impugnante apresentou reclamação graciosa em 10/02/1997.

6) Em 20/07/1998 exarou o então Director Distrital de Finanças de Beja decisão incidente sobre a reclamação graciosa cuja parte com relevância para a matéria em discussão de transcreve: "Quanto aos subcontratos no valor de 8.824.898$00: O contribuinte invoca que esses trabalhadores ou pequenos produtores agrícolas não estão nem querem estar colectados para efeitos de IVA e que estão dispensados do cumprimento das obrigações previstas no n° 1 do art. 28° do Código do IVA designadamente a emissão de factura e junta parecer da Direcção de Serviços de Concepção e Administração do IVA - Informação n° 1325 de 24-2-93 (...) para demonstrar que tem razão no que afirma e como tal os custos contabilizados estão devidamente documentados e devem ser considerados custos na sua totalidade.

A doutrina expressada pela referida informação refere-se apenas a pequenos produtores agrícolas isentos do n° 3 do art. 9° e mesmo quanto a esses documentos de substituição da factura devem constar todos os elementos referidos no art. 35° do CIVA.

Neste caso concreto a realidade dos factos é bem diferente, são trabalhadores agrícolas que de facto não querem cumprir quaisquer obrigações fiscais e não querem sequer ser empregados das empresas, preferem fazer trabalhos por empreitada - apanha de frutos, poda de vinhas e pomares, instalação de rega, trabalhos de pedreiro e muitos outros. Não querem assinar quaisquer papéis e os produtores agrícolas que são os que mais precisam desta mão-de-obra - quase sempre sazonal - só têm duas alternativas, ou fazem os trabalhos ou aceitam as condições impostas por estes trabalhadores, quase sempre optam pela segunda que é a mais racional. Esta é a verdade factual pelo menos na nossa região, todos sabemos que é assim.

A administração fiscal não pode pactuar com estes procedimentos porque se o fizer fica o caminho aberto para serem consideradas todas as irregularidades e para que os contribuintes possam moldas os custos e consequentemente os lucros a seu belo prazer.

Os...

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