Acórdão nº 2811/14.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelNUNO COUTINHO
Data da Resolução01 de Junho de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório F........., S.A. (actualmente denominada P......, S.A.) intentou acção de contencioso pré-contratual contra o Município de Lisboa tendo formulado os seguintes pedidos: a) anulação da deliberação da Câmara Municipal de Lisboa, datada de 22 de Outubro de 2014, nos termos da qual foi decidido adjudicar à proposta apresentada pela contra-interessada Flora…………– Projectos, ………………., Unipessoal, Lda o objecto do concurso nº 005AQ/3A-3C-3D-Olivais/2014, relativo aos serviços de manutenção e trabalhos de reabilitação de espaços verdes na Zona 3A, 3C e 3D; b) a anulação do contrato que tenha sido ou venha a ser celebrado na sequência da deliberação impugnada; c) condenação do R. a proferir uma nova decisão de adjudicação a favor da A..

Por decisão proferida em sede de despacho saneador o T.A.C. de Lisboa foi decidido considerar não escrita a contestação apresentada pela contra-interessada Flora ………… “…na parte em que sustenta a ilegalidade da admissão da proposta da Autora”, por se considerar não ter a ora recorrente legitimidade para impugnar a decisão de admissão da proposta da Autora, ora recorrida.

Por sentença proferida pelo T.A.C. de Lisboa, em 6 de Janeiro de 2017, foram julgados procedentes os pedidos formulados.

Discordando do decidido, quer em sede de despacho saneador, quer em sede da referida sentença interpôs recurso a contra-interessada Flora ......., sintetizado nas seguintes conclusões: “A. Ao julgar procedente o vício imputado ao Ato Impugnado decorrente de alegada falta de assinatura dos documentos da proposta da Recorrida, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errada aplicação do disposto no artigo 57.º, n.º 4, 142.º, n.º 2, alíneas e) e l) do CCP e no artigo 27.º da Portaria n.º 701-G/2008.

  1. Com efeito, a proposta apresentada pela Recorrente encontrava-se devidamente assinada, tendo esta apresentado a sua proposta num único ficheiro zipado que continha: v) Declaração de aceitação do caderno de encargos; vi) Lista de preços mensais; vii) Lista de preços unitários; e viii) Lista de preços unitários para a execução dos Trabalhos de Reabilitação, Tendo, para esse efeito, colocado a sua assinatura digital qualificada no mesmo ficheiro zipado que contém todos os elementos solicitados.

  2. Trata-se, pois, de um único documento ou ficheiro, com diversos elementos e, portanto, com uma única assinatura digital qualificada.

  3. Porque o Convite impunha que as listas de preços fossem apresentadas em ficheiros editáveis e sabendo que no momento em que se abre um ficheiro editável a assinatura digital perde a sua validade, a Recorrente entendeu que a única via ele assegurar que a sua assinatura digital permanece válida foi a ele a colocar na pasta zipada que, por essa via, não perde a validade.

  4. Analisado integralmente o texto da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de Julho - que estabelece no artigo 27.º que todos os documentos carregados nas plataformas electrónicas devem estar electronicamente assinados mediante a utilização de certificados de assinatura digital qualificada - verificamos que o mesmo adopta indistintamente a expressão "documentos" e a expressão "ficheiros" para referir se à mesma realidade. Conforme entende Luís VERDE DE SOUSA, "uma leitura integral do art. º 15º demonstra à saciedade, que o diploma em questão não traça essa linha distintiva".

  5. Assim "tendo o concorrente assinado electronicamente cada um dos ficheiros carregados na plataforma, para além de ter assinado a proposta, como um todo, consideramos que não subsistem dúvidas quanto à autoria dos documentos (função identificadora) e à vinculação do assinante a todo o conteúdo da pro posta (função finalizadora)" (cfr. Luís VERDE DE SOUSA, "Alguns Problemas Colocados Pela Assinatura Electrónica das Propostas, pág. 88). É assim evidente que a Contra-Interessada assinou electronicamente o ficheiro que continha a sua proposta, como um todo, dando cumprimento ao disposto no artigo 27.º ela Portaria n.º 701-G/2008.

  6. É de aplicar ao caso em apreço a Jurisprudência anteriormente expendida pelo Tribunal Central Administrativo Sul quando, no âmbito de Acórdão proferido em 15.01.2015, determinou que "a assinatura que tem, assim, lugar, atentos também os moldes em que se encontra gizado o mecanismo tecnológico usado na plataforma electrónica, de modo que os ficheiros referentes à proposta e documentos foram assinados electronicamente no momento do carregamento nessa plataforma, com recurso às aplicações informáticas ali disponibilizadas, tal como dispõe o nº 3 do artigo 18º da Portaria nº 701-012008. respeitando assim os requisitos fixados na lei (vide a este respeito, entre outros, o Acórdão do STA de 20/02/2014, Proc. 0175/14, de 14/02/2013, Proc. 01257112). A entender-se no sentido propugnado pela recorrente, teríamos que os documentos apresentados via plataforma electrónica teriam que ser duplamente assinados, com aposição de assinatura electrónica qualificada em dois momentos, o que não tem o mínimo de acolhimento nos normativos citados" (in www.dgsi.pt, Proc. N.º 11671/14).

  7. Ainda que se considerasse que cada elemento da proposta deveria ser individual e duplamente assinado, então "...haverá uma situação de irrelevância do vício de procedimento sempre que (e na medida em que) os fins específicos que a imposição legal (ou regulamentar) da formalidade visava atingir tenham sido comprovadamente alcançados, ainda que por outra via" [cfr RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA in "Os Princípios Gerais da Contratação Pública", Estudos de Contratação Pública (CEDIPRE), vol.!, Coimbra Editora, 2008, pág. 111].

    I. Quando o objectivo ou interesse específico que o preceito violado visa atingir foi, em concreto, alcançado por outra via, a ordem jurídica estará conformada, tendo desaparecido a razão para anular o acto viciado. "Assim, se o fim ou interesse específico visado pela norma violada for alcançado, a formalidade que, à partida, era essencial (i.e. cuja violação originaria a invalidade do acto) degrada-se em formalidade não essencial (i.e. cuja violação não origina a invalidade do acto). Nestes casos, a inobservância da formalidade determinará apenas a irregularidade, o que permite «salvar» o acto" (in Revista de Contratos Públicos, n.º 9, 2013, LUIS VERDE DE SOUSA, "Alguns Problemas Colocados pela Assinatura Electrónica das Propostas", pág. 66).

  8. Tendo sido manifestamente alcançados os objectivos pretendidos com a assinatura digital qualificada no âmbito deste procedimento, a sua inobservância formal - caso se considere que todos os elementos apresentados careciam ele assinatura digital qualificada individual - degrada-se em formalidade não essencial e porquanto sem o efeito invalidade elo ato.

  9. Em suma, são ponderosas as razões que obstam à verificação do alegado vício ele falta de aposição de assinatura na proposta da Recorrente, pelo que a sentença recorrida, ao declarar a procedência do pedido de invalidade do Ato Impugnado com esse fundamento, incorreu em erro de aplicação do artigo 57.º, n.º 4, 142.º, n.º 2, alíneas e) e 1) do CCP e no artigo 27.º da Portaria n.º 701-G/2008, impondo se a sua revogação, por parte do Tribunal ad quem.

    L. Acresce que, apenas com a entrada em vigor da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, inaplicável à matéria dos presentes autos, é que o nosso ordenamento jurídico passou a exigir a assinatura electrónica em cada um dos documentos que constituem o documento comprimido (n.º 4 do artigo 54º). Com efeito, a exigência actualmente estabelecida no n.º 4 do artigo 54º da Lei n.º 96/2015 era totalmente omissa no diploma em vigor à data da submissão da proposta, a Portaria n.º 701-G/2008.

  10. Nestes termos e dado que esta exigência legal apenas se aplica aos procedimentos de contratação pública posteriores à sua entrada em vigor, é manifesto que a mesma não é aplicável aos presentes autos.

  11. O Tribunal Recorrido incorreu igualmente em erro de julgamento ao considerar, no Despacho Saneador ora impugnado nos termos previstos no artigo 142º, n.º 5 do CPTA, que a Recorrida não tinha legitimidade processual para arguir a ilegalidade da adjudicação à proposta ela Recorrente em caso de procedência ele algum cio pedido ele anulação do ato de adjudicação. O Tribunal a quo considerou que sendo a questão suscitada apenas apreciada após a procedência do pedido de anulação da adjudicação efectuada pela Entidade Demandada à Contra-Interessada, nessa situação esta entidade (a ora Recorrente) não será titular de um efectivo interesse na apreciação de tal pedido porquanto a consequência da procedência do primeiro pedido determinaria que a Contra-Interessada (Recorrente) ficasse definitivamente afastada cio procedimento, não retirando qualquer benefício directo da exclusão da proposta ela Autora (Recorrida).

  12. Salvo melhor opinião, o Tribunal Recorrido incorreu em erro de julgamento. É certo que a Recorrente não impugnou a decisão de adjudicação, que aprovou o relatório final do qual resulta que a proposta da Recorrida não foi excluída. Não obstante, a verdade é que a ora recorrida - aí sim -, não teria qualquer legitimidade processual para o fazer. Com efeito, nessa situação e sendo a ora Recorrente a adjudicatária, a exclusão da proposta da Recorrida do Concurso Público não lhe traria qualquer benefício (estando classificada em segundo lugar ou sendo excluída do Concurso o resultado para a Recorrente era o mesmo: a adjudicação).

  13. Nessa medida, salvo melhor opinião, a questão suscitada pela Recorrente na sua Contestação acaba por assumir a natureza de uma efectiva questão prévia a qual deveria ter sido apreciada pelo Tribunal recorrido. Note-se que apenas este entendimento é compatível com o princípio da igualdade e com o direito constitucional de uma tutela jurisdicional efectiva. Com efeito, entendendo o Tribunal recorrido que esta questão não deve ser apreciada, então os direitos da Recorrente...

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