Acórdão nº 486/14.6BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 12 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCH
Data da Resolução12 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Ministério da Administração Interna veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Sintra que julgou parcialmente procedente a acção especial intentada por Jorge …………………….

(Recorrido), solteiro, de nacionalidade angolana, e anulou o acto administrativo impugnado de expulsão coerciva do território nacional.

Em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões: 1 - A autoridade recorrida não concorda com os termos da sentença ora recorrida.

2 - No caso vertente há que assinalar os seguintes pontos: - o ora recorrente não contesta que o ora recorrido tenha nascido em Lisboa e que tenha vivido em Portugal, nem tão pouco que foi titular de autorização de residência válida até 18/11/2000, reiterando, porém, que o mesmo, desde essa data, não possui qualquer título ou documento válido que o habilite a permanecer em território nacional, encontrando-se, portanto, em permanência irregular há dezasseis anos, nos termos do artº 181º nº 2 da Lei nº 23/2007; - o tribunal "a quo" não considera que o ora recorrido seja um perigo para a segurança nacional ou ordem pública porque não cometeu " nenhum acto de terrorismo", mas tão somente crimes contra o património, (abstraindo que os crimes de delito comum, sejam contra o património, sejam contra as pessoas, são violadores da ordem pública e também prefiguram condutas enquadráveis ex vi no art 134º n.º 1 c) e f), conclusão que, com o devido respeito, reputamos como desprovida de qualquer suporte literal ou teleológico e em violação do princípio de que o que a lei não distingue não deve o interprete distinguir; 3 - Em primeiro lugar e ao contrário do inferido pela sentença, o facto do ora A. ter nascido em Portugal e daqui não ter ausentado apenas possibilita o seu eventual enquadramento nas alíneas a) e e) do art 135º da Lei n.º 2372007; 4 - Importa identificar o iter cognoscitivo do art 135º, começando por salientar que o mesmo configura uma excepção ao regime regra que é o do afastamento coercivo de cidadãos estrangeiros em situação irregular (como é o caso), determinando que, pese embora haja fundamento para o afastamento, nos termos do artº 134º nº 1a) ex vi art 181º n.º 2, a existência das circunstâncias tipificadas nas suas diversas alíneas obsta à sua execução; 5 - Contudo, esta protecção não é absoluta, pois a aplicação das excepções ao afastamento, previstas nas alíneas do art 135º, é delimitada por três critérios negativos, plasmados no corpo da norma; 6 - Significa isto que, ainda que a situação fáctica de um estrangeiro se enquadre em qualquer ou quaisquer das suas alíneas, sempre haverá que se apurar se a sua conduta é subsumível nalgum dos critérios negativos enunciados ab initio na mesma norma; 7 - Nesta conformidade, ainda que preencha uma (ou várias) das alíneas do art 135º, tal circunstância não acarreta automaticamente a respectiva inexpulsabilidade, o que só se verifica caso o cidadão não tenha praticado qualquer acto susceptível de constituir um atentado à segurança nacional (1º critério), à ordem pública (2º critério) ou que se subsuma nas condutas previstas nas alíneas e) e f) do n.º 1do artigo 134. (3º critério); 8- Ora, no caso vertente, basta atentar na conduta do ora recorrido para, de imediato, concluir que este não goza dessa protecção contra a inexpulsabilidade: foi condenado, pela prática em coautoria, por 1crime de furto, 6 crimes de roubo agravados e um crime de detenção de arma proibida, numa pena efectiva de prisão de 8 anos; 9- A gravidade da respectiva conduta, que se repercute decisivamente na violação grave (atentado) à ordem pública é corroborado, no tocante ao ora recorrido, pelo Acórdão de condenação do Tribunal da Relação de lisboa, como se transcreve: "Os crimes que praticaram, (...), são violentos, praticados quase sempre em grupo, com uma cadência impressionante e com recurso a facas e armas de fogo com considerável potencial danoso ( ... ); O sentimento de impunidade, pela temeridade da generalidade dos factos, reforçado pela falsa segurança transmitida pelo sentimento de pertença ao grupo é patente e acentua a perigosidade do arguido (...); Não é, pois, de aplicar o regime penal para jovens ao arguido Jorge .................., sendo certo que do relatório social elaborado e da atitude assumida pelo arguido perante factos provados nada abonam a esse favor; No caso, as exigências da prevenção geral positiva são muito elevadas e não se vêm sérias razões (...), quer pela gravidade dos crimes em causa, quer pela personalidade do arguido, revelada na sua actuação e na indiferença demonstrada faca aos factos, e que impõem a necessidade de ressocialização e de interiorização do desvalor das respectivas condutas" ; 10 - Se existe um tipo de crime que unanimemente é ajuizado de danoso (atentado) para a ordem pública e que se enquadra também no critério remissivo do art. 134º nº 1 f) ("atos criminosos graves") será o crime de roubo (agravado) - in casu 6 crimes - sendo certo que a violência até constitui um dos elementos do respectivo tipo objectivo; 11- Quando o art 135º ab initio refere "atentado à ordem pública" ou " situações previstas nas alíneas c) e f) do artigo 134º", não tem em mente, literal e teleologicamente, apenas os crimes de terrorismo (ou de espionagem ou contra o Estado), posição só defensável se, no limite, a norma previsse, tão-somente, atentados contra a segurança nacional, mesmo admitindo-se que aquele conceito seja distinto do de segurança interna, o que não se concede.

12 - É curial referir aqui, como o fazem Júlio A.C. Pereira e José Cândido de Pinho in "Direito de Estrangeiros - Entrada, Permanência, Saída e Afastamento - Anotações, Comentários e Jurisprudência", Coimbra Editora, 2008, que " O conceito de ordem pública está intimamente associado aos objectivos da segurança interna, de que é a componente mais importante, já que a segurança interna visa exactamente garantir a ordem, a segurança e a tranquilidades públicas (...) a segurança interna é actividade desenvolvida pelo estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidades públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade (...) Ordem pública (...) tem por fundamento definitório um interesse fundamental da sociedade (...) que se pode manifestar pela importância na prevenção (...), da segurança (prevenção de crimes) (cf. obra citada págs. 69 a70); 13 - No mesmo sentido, “Ordem pública é o conjunto de condições que permitem o desenvolvimento da vida social com tranquilidade e disciplina, de modo que cada indivíduo possa desenvolver a sua actividade sem terror ou receio"- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 29.379, de 04/06/1992; 14- Ora, afigura-se-nos que o douto tribunal a quo não dá a melhor conta destes conceitos, aparentando considerar que a prática de seis crimes de roubo agravado não configuram um atentado à ordem pública, abstraindo que a respectiva tipicidade integra o elemento violência e desvalorizando-os por serem crimes contra o património, como se esse valor não fosse também um valor fundamental da sociedade e do Estado de Direito; 15 - Resulta evidente que o direito de propriedade consagrado no artº 62º nº 1da CRP configura um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias ao qual se aplica o regime do artº 17º da Lei Fundamental, pelo que a respectiva violação (grave) tipificada no crime de roubo, não pode deixar de se perspectivar como "atentado à ordem pública". Ademais, dúvidas não subsistirão que os danos da prática de roubos " violentos, praticados quase sempre em grupo, com uma cadência impressionante e com recurso a facas e armas de fogo com considerável potencial danoso" (Cf Acórdão condenatório), não se limitam à esfera patrimonial, antes violando a integridade física e emocional das vítimas, por vezes de forma irreversível.

16 - Sucede ainda que a conduta do ora recorrido é enquadrável no critério previsto no corpo do artº 135º, quando remete para o art 134º nº 1 f), cuja estatuição menciona "atos criminosos graves"; 17- Será pertinente citar a sentença proferida nos autos do processo nº 1514/15.3BESNT da 2.ª U.O do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que aduz que "para o legislador basta que existam «sérias razões» para crer que o titular cometeu actos criminosos graves, ou que tenciona cometer actos criminosos graves (...) os actos que ofendam ou possam ofender de forma grave bens jurídicos fundamentais, tutelados por um tipo incriminador (...) tem de ser havidos como actos criminosos graves ". Ou por outras palavras usadas no âmbito do processo nº 2251/15.4 BESNT da 3.ª U.O do mesmo Tribunal são actos criminosos graves (...) "os actos que tenham conduzido à lesão total de um bem jurídico fundamental tutelado pelo tipo criminal (por ex, os bens jurídicos vida, liberdade determinação e património, a propriedade) tendo em conta a hierarquia desses bens tutelados, desde logo na sistemática das leis penais e do Código Penal, bem como as consequências e resultados dos ilícitos inerentes ao respectivo tipo legal incriminador "; 18- Neste caso, é por demais evidente que não suscitam quaisquer dúvidas quanto à natureza grave e consequente danosidade social do(s) crime(s) de roubo (aliás, agravados) - os quais violam, da forma mais grave, o bem jurídico fundamental - património/propriedade, sem embargo de fazer parte do respectivo tipo objectivo a violência; 19- Afigura-se-nos útil esclarecer que, no âmbito do art 135º, a remissão para as alíneas e) e f) do n.º 1 do artº 134º não serve para afirmar que o cidadão a afastar coercivamente o irá ser também com fundamento nestas alíneas (o que seria ilegal face ao artº 145º, que só permite afastamento coercivo com base na sua alínea a)), mas tão-somente para aproveitar a tipologia de condutas ali plasmadas para definição de um dos critérios de desvaler que excepcionam a inexpulsabilidade...

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