Acórdão nº 06792/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução23 de Março de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul l – RELATÓRIO A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade «Z... – Construções e Engenharia, S.A.», contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente à liquidação adicional de IRC do exercício de 2004, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando, para tanto, as seguintes conclusões: «I.

A Impugnante celebrou em 4.10.2004, na posição de vendedora, com a sociedade G... Limited, na qualidade de compradora, um contrato de NDF no valor de 40.000.000,00 €, no qual fixaram o valor do Dólar Americano em 1.2561 por cada Euro, com data de liquidação em 6.10.2009.

II.

Logo em 30.12.2004, a Impugnante, celebrou com a mesma sociedade um NDF de sentido inverso, com o fito de anular os efeitos do primeiro, portanto agora na qualidade de compradora, assumindo a financeira americana, desta feita, a posição de vendedora. Este segundo NDF, que funcionou assumidamente como um destrate do primeiro – cfr. pontos 2 e 3 da matéria de facto provada, foi contratado no valor de 35.306.022,00 €, tendo no mesmo sido fixado o valor do Dólar em 1.4231 por cada Euro, com data de liquidação em 6.10.2009.

III.

Na mesma data, 30.12.2004, Impugnante e G... Limited acordaram que, em resultado da celebração dos dois contratos acima descritos, a ora Impugnante pagaria à sociedade financeira americana o valor de 4.693.978 € em 6.10.2009, sendo acordado o pagamento antecipado do valor de 4.000.000,00 €, antecipação que funcionava como contrapartida da redução do valor da dívida.

IV.

A Impugnante alegou que a celebração dos negócios acima descritos foi feita com o objectivo de reduzir a sua exposição ao risco de câmbio, de modo a preparar a internacionalização da empresa, mormente no mercado africano, no qual é consabido que a maior parte das transacções é efectuada em dólares americanos.

V.

Os dois contratos de NDF, de sentido inverso, foram celebrados com o prazo (invulgar) de 5 anos, portanto, alegadamente para produzir efeitos em 2009, mas os seus efeitos foram confinados ao exercício em curso no ano de celebração, 2004.

VI.

Ou, se quisermos colocar a questão mais correctamente, a celebração e respectiva anulação de um NDF alegadamente projectado para 5 anos foi decidida com um intervalo de 3 meses.

VII.

A Impugnante levou o valor de 4.000.000,00 € à contabilidade como custo financeiro e defende nesta impugnação que é gasto dedutível por estar relacionado com a actividade da empresa e por cumprir o critério da racionalidade económica a que se reconduzirá o requisito da indispensabilidade previsto no art. 23º do CIRC.

VIII.

A Administração Fiscal defende, ao invés, não estar estabelecido o direito à dedutibilidade fiscal do custo, dependendo esta de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa, cabendo à contribuinte provar a indispensabilidade das verbas contabilizadas como custos dedutíveis para a obtenção dos proveitos», sendo certo que o critério da indispensabilidade foi estabelecido pelo legislador para impedir a consideração fiscal de custos incorridos em atenção a interesses alheios ao escopo societário. Assim, a aceitação fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção de um resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta destas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa do mesmo é ou não empresarial.

IX.

A sentença agora em crise considerou que os contratos se encontram justificados – o primeiro em vista da perspectiva de internacionalização para o continente africano e consequente necessidade de disponibilidades de caixa na moeda norte americana e o segundo em vista da minoração de perdas futuras.

X.

Salvo o devido respeito, parece-nos que a decisão se encontra mal fundamentada, assentando numa análise simplista e contendo mesmo algumas incongruências e que não subsiste após análise crítica.

XI.

Pelo funcionamento dos contratos de câmbio a termo na modalidade de NDF não há trocas financeiras no início ou durante o tempo de duração do contrato. Simplesmente, na data de liquidação, há pagamento de uma parte a outra do diferencial de câmbio, conforme decorra da evolução recíproca das taxas de câmbio.

XII.

Esse é o funcionamento normal deste tipo contratual de NDF, ou, em português, sem transferência, e é assim também assumido no contrato celebrado em 4.10.2004 – cfr. ponto 1 da matéria de facto dada por provada e Doc. 9 da PI a fls. 97 e ss. dos autos, para o qual remete a sentença.

XIII.

Logo neste ponto inicial começa a detectar-se incongruências entre a justificação dada para a contratação pela ora Impugnante e a realidade dos factos, no caso, a realidade do contrato celebrado, não pressupondo os NDF celebrados qualquer transferência financeira antes da data de liquidação.

XIV.

Tratando-se de instrumentos financeiros derivados que visam somente a cobertura de risco de câmbio. E, como tal, tem de estar correlacionado com operações subjacentes, isto é, pagamentos e/ou recebimentos na moeda estrangeira objecto do NDF, na proximidade temporal da data de liquidação do NDF, uma vez que estes se destinam somente a cobertura do risco de variação cambial, não garantindo por si só qualquer disponibilidade de moeda previamente à data da liquidação.

XV.

Conforme põe Maria Teresa Veiga de Faria in «O Regime Fiscal de Instrumentos Financeiros Derivados nos Impostos sobre o Rendimento», Ciência e Técnica Fiscal nº 386, pág. 139: «só será considerada de cobertura a operação cujo valor não exceda o valor de cobertura considerado necessário face à correlação existente entre a operação de cobertura e a operação coberta.

» XVI.

Contratos e compromissos eventuais, incertos, difusos, a celebrar durante o período de duração do contrato são perfeitamente irrelevantes, exigindo outras formas de segurança cambial e/ou financeira.

XVII.

Ora, a Impugnante não demonstrou a existência de quaisquer operações subjacentes com data de término próxima da data de liquidação do contrato de NDF – 6.10.2009, limitando-se a invocar operações subjacentes em 2006 e 2007 – cfr. principalmente pontos 19 a 21 da matéria de facto dada por provada e pontos 1 e 2 da matéria de facto dada por não provada.

XVIII.

A, aliás douta, sentença recorrida discorre (cfr. fls. 316, primeiro parágrafo) que a testemunha M..., «desempenhando funções de planeamento e controlo na Impugnante, foi crucial para se entender e dar como provado o plano de expansão da Impugnante e a razão pela qual teria de dispor de moeda estrangeira, designadamente dólares americanos a médio prazo.

» XIX.

E a fls. 320, último parágrafo, «Resulta da matéria de facto dada como provada que a Impugnante resolveu expandir a sua actividade para países africanos, tendo previsto a necessidade de possuir dólares disponíveis a médio prazo (cfr. facto provado sob o nº 19).

» XX.

E ainda «A Impugnante comprovou ainda a existência de contratos de empreitada celebrados com o Instituto de Estradas de Angola em 2007, de valores avultados (cfr. facto provado sob o nº 20), e a emissão de facturas referentes à realização de obras de reabilitação em estradas angolanas, no ano de 2006 (cfr. facto provado sob o nº 21). Ou seja a Impugnante comprovou a existência de negócios e a realização de obras naquele país africano, dentro do lapso temporal abarcado pelo contrato a termo de moeda em causa.

» - cfr. fls. 321, primeiro e segundo parágrafos) (em todas as citações negritos nossos).

XXI.

Tornando-se evidente que todos os argumentos apresentados pela Impugnante e aceites acriticamente pela decisão agora recorrida apresentam incongruências com o teor do(s) contrato(s) celebrados, os quais nem garantem qualquer disponibilidade de moeda, por um lado, nem asseguram qualquer risco de variação cambial no período de duração do contrato, por outro – cfr. ponto 1 da matéria de facto dada por provada.

XXII.

Com o que a douta decisão recorrida incorre em erro de julgamento, por contradição nos seus fundamentos.

XXIII.

Há ainda um outro aspecto a ter em consideração que milita, a nosso ver, pela posição defendida pela Administração Fiscal: as alegadas necessidades de fixação de taxa de câmbio com o horizonte temporal de médio prazo, se assim pudermos considerar o prazo de 5 anos, invocados pela Impugnante e que constam da matéria de facto dada por provada – cfr. referidos pontos 19 a 21 - subitamente esfumaram-se no final de 2004… XXIV.

Com a anulação do primeiro NDF, através da celebração do 2º e 3º negócios acima descritos, de repente parece já não existir qualquer necessidade de assegurar risco de câmbio.

XXV.

A crer que a contratação do primeiro tinha realmente como justificação o cenário dado, como obviar a que todo o circunstancialismo dado por provado não justificasse a necessidade de adoptar medidas, nomeadamente outros contratos, que assegurassem os efeitos inicialmente pretendidos com os NDF contratados? XXVI.

No final de 2004, todo o circunstancialismo invocado como justificação anteriormente mantinha-se, mantinha-se a vontade de expansão, mantinha-se as necessidades de fazer face às operações e transacções a realizar em África – cfr. pontos 19 a 21 da matéria de facto dada por provada.

XXVII.

No entanto, não se dá conta da adopção de qualquer medida, por mais insignificante, no sentido de assegurar tais necessidades. Dir-se-ia que não ocorreu semelhante ideia a qualquer dos responsáveis pela Impugnante… XXVIII.

Assim, a premente necessidade de assegurar uma taxa de câmbio a termo desapareceu qual cortina de fumo. O que permite, ou mesmo obriga, julga a Fazenda Pública, a assumir criticamente alguma inverosimilhança no cenário defendido pela Impugnante e pela testemunha arrolada.

XXIX.

Facto que não poderia deixar de ser também valorado criticamente na...

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