Acórdão nº 2255/15.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCH
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório António …………………….

(Recorrente), inconformado com a decisão do TAF de Sintra que julgou improcedente a acção administrativa especial por si intentada contra o Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. - Conservatória dos Registos Centrais por (Recorrido) e manteve o acto que indeferiu o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização formulado, com fundamento na falta de preenchimento do requisito a que se refere a alínea d) do n.º 1 do art. 6.º da Lei da Nacionalidade.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: 1- O recorrente intentou a presente ação contra a ré pedindo a anulação da decisão, datada de 27-5-2011, que indeferiu o seu pedido de concessão de nacionalidade portuguesa e a condenação da ré a conceder-lhe a nacionalidade portuguesa por naturalização.

2 - No dia 17 de julho de 2008 o ora recorrente deu entrada de um pedido de concessão da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artigo 6º n.° 1 da Lei da Nacionalidade.

3 - Aos 27 de maio de 2011, veio a ré confirmar o parecer de indeferimento do pedido de concessão de nacionalidade portuguesa por este não ter preenchido o requisito da alínea d) do n.° 1 ao artigo 6º da Lei da Nacionalidade.

4 - Não se conformando com a decisão, apresentou a presente acção, que foi agora julgada improcedente, por não ter a Mma juiz a quo concordado com os argumentos apresentados, quer relativamente ao facto de este ter tido condenações em pena de multa, quando estávamos perante um crime quer permitia multa ou pena de prisão e ainda a argumentação relativa ao cancelamento do registo criminal.

5 - Pode ser afastado o acesso à cidadania portuguesa ao recorrente, sem mais, em virtude da prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, quando em concreto é aplicada uma pena de multa.

6 - Ora, no entender do recorrente a aplicação da norma em causa sem a consideração de quaisquer outras circunstâncias é desadequada à noção de nacionalidade supra descrita e ao próprio instituto da naturalização.

7 - Certo é que o cidadão que pretenda aceder à nacionalidade portuguesa, por via da naturalização, como no caso aqui em presença, tem subjacente uma ligação à comunidade nacional traduzida em factos duradouros e essenciais à identificação sociológica do homem como cidadão português [o conhecimento da língua portuguesa, o tempo de residência no país, a ligação efectiva], que o transformam, na prática, sem mais, em cidadão português.

8 - Como já vem sendo entendido pela nossa jurisprudência mais recente [vd. Sentença de 17-6-2009, no Proc. n° 1264/08.7 BESNT], a aplicação desta norma, ao caso concreto, sem a consideração de quaisquer outras circunstâncias revela-se desadequada à própria noção de nacionalidade e ao espírito que lhe subjaz. E ainda nesse sentido, vide Sentenças proferidas no âmbito dos Processos n°s 884/08.4 BESNT - Ia U.O. e 1503/09.7 BELSB - 2a U.O. - TAF Sintra.

9 - Entretanto o Supremo Tribunal Administrativo, veio agora, através do recurso 076/2012 esclarecer o sentido do artigo 6° alínea d) da Lei da Nacionalidade, “Entendeu o Tribunal que tendo o requerente sido condenado, com trânsito em Julgado, por um crime de ofensas corporais simples punível com pena de multa, nos termos do artigo 143° n.° 1 do C. Penal, tendo a medida concreta dessa pena sido fixada em 120 dias de multa, não podia a recorrente ter indeferido a pretensão da recorrida, com o fundamento em que se não verificava o requisito exigido pelo artigo 6o n.° 1 d) da LN ” “Portanto, tendo a Recorrida, ali arguida, sido condenada pela prática de crime punível com pena de multa, a situação da Recorrida é, objectivamente, enquadrãvel no citado art06°, n°l d) da LN, pelo que não podia a Recorrente ter indeferido a sua pretensão de adquirir a nacionalidade portuguesa, por naturalização, com fundamento em que se não verificava o requisito exigido naquele preceito legal.

10- Entendemos que este acórdão do Supremo Tribunal Administrativo veio clarificar a aplicação desta norma, pelo que no caso do recorrente também se deve considerar este entendimento.

11- O recorrente vive legalmente em Portugal desde 26 de março de 1993, há 23 anos, em Portugal tem tido uma vida digna, onde reside com a sua mãe e onde tem toda a sua família.

12- O recorrente foi condenado numa pena de multa, que pagou, tendo sido saldada a sua dívida para com a sociedade portuguesa.

13- Acresce que tais factos ocorreram em 2002, ou seja há 14 anos e o recorrente pagou a multa a que foi condenado, tendo a pena sido considerada extinta pelo cumprimento.

14- Entendemos que para o indeferimento do pedido formulado pelo recorrente, baseado na alínea d) do n.° 1 do artigo 6º da lei da nacionalidade, sem a consideração de quaisquer outras circunstâncias revela-se desadequada à própria noção de nacionalidade ao espírito que lhe subjaz. Não basta a condenação por sí só, temos ainda que ter em atenção o caso concreto.

15- Não tendo a ré tido em consideração o caso concreto. Limitando-se a indeferir porque tem uma condenação, violou o espírito da própria lei.

16- Temos ainda a análise da indesejabilidade. Será que se poderá considerar indesejável um cidadão apenas porque num momento de fraqueza cometeu o crime e que prontamente pagou a sua dívida? 17- Não se vislumbra qualquer efeito pernicioso para os demais elementos da comunidade, se a sociedade incluir no seu seio alguém que já pagou a sua "dívida".

18- Entendemos que a decisão da ré e a decisão ora recorrida, põe seriamente em crise o cumprimento da nossa Lei Fundamental, quer pela via da recepção do Direito Internacional [artigo 4º da CRP], quer através do princípio da interpretação e da integração do sentido dos direitos fundamentais constante do artigo 16°, de acordo com a regra relativa à nacionalidade consagrada o artigo 15° da DUDH.

19- A Constituição da República Portuguesa dispõe no seu artigo 30°, n° 4, que «nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.

20- Com fundamento no disposto no artigo 30°, n° 4 da CRP, foram declaradas materialmente inconstitucionais as disposições da lei ordinária que determinam a produção automática de efeitos profissionais, civis ou políticos decorrentes da aplicação de penas criminais, neste sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral, de 20 de Abril de 1986, no Diário da República, 1 Série, de 3 de Junho de 1986.

21- Ainda no Acórdão n° 93-359-2 TC, de 25 de Maio de 1993, o Tribunal Constitucional estribou a sua posição na estatuição consagrada no n° 4 do artigo 30° da Constituição da República Portuguesa, onde se estabelece que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, abrangendo tanto os efeitos ligados a certas penas como os ligados à condenação por certos crimes, «pretendendo-se com tal preceito proibir que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzisse “ope legis” a perda daqueles direitos.

22- Tal significa, em abono do princípio do Estado de Direito Democrático, e do princípio vigente, por via do artigo 15°, n° 1 da CRP, de igualdade de tratamento ou até por força do princípio político-criminal de luta contra o efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas, que se apresenta indiscutível na nossa Constituição político-criminal, através do artigo 30°, n° 4 da CRP, não se aceita que a condenação de alguém [ainda para mais em pena não privativa da liberdade], implique sem mais [automática e necessariamente] a recusa na concessão da nacionalidade.

23- Face ao que antecede, não poderemos deixar de suscitar a inconstitucionalidade da alínea d) do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, com a interpretação que foi dada pela Ré na decisão que se coloca em causa, bem como na decisão ora recorrida.

24- Mormente quando estamos perante situações, como a que se debate, em que a pena já foi cumprida e as expectativas comunitárias devidamente ressarcidas, também não podemos esquecer a decisão do Supremo Tribunal Administrativo, acima referida que veio através do recurso 076/2012 esclarecer o sentido do artigo 6o alínea d) da Lei da Nacionalidade, 25- E que entendeu que quando o crime é punível com pena de prisão ou com pena de multa e se no caso concreto for aplicada a pena de multa, que se deve considerar que a situação dos requerentes é, objectivamente, enquadrável no citado art°6°, n° 1 d) da LN, pelo que não podia a Ré ter indeferido a sua pretensão de adquirir a nacionalidade portuguesa, por naturalização, com fundamento em que se não verificava o requisito exigido naquele preceito legal.

26- Entendemos que este acórdão do Supremo Tribunal Administrativo veio clarificar a aplicação desta norma, pelo que no caso do recorrente também se deve considerar este entendimento.

27- Também não nos podemos esquecer da relevância da reabilitação legal ou de direito para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização.

28- A nacionalidade ê uma situação jurídica geral, status, direito de personalidade, vínculo pessoal jurídico - público, direito fundamental, tudo isto associado intrinsecamente à integração numa comunidade nacional.

29- Deste modo, o que, verdadeiramente, está na base do conceito jurídico de nacionalidade é um facto social de pertença, uma conexão genuína de vivência, de interesses e de...

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