Acórdão nº 12656/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCH
Data da Resolução02 de Março de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório Goreti ……………..

intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria uma acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Estado Português, pedindo que na sua procedência o R. fosse condenado, com base no Decreto-Lei n.º 35/90 e Portaria 413/99 de 8 de Junho, a pagar-lhe a quantia de EUR 75.000,00, acrescida de juros legais, a título de danos não patrimoniais em decorrência de acidente escolar de que resultou a morte do seu filho menor Diogo ……………………..

O Ministério Público em representação do Estado contestou a acção por excepção, suscitando a sua ilegitimidade passiva por a causa de pedir assentar em normas próprias do seguro escolar, mais se defendendo por impugnação.

Por decisão de 5.01.2010 o Tribunal recorrido julgou o Estado português parte ilegítima na acção e parte legítima o Ministério da Educação, ordenando a sua citação. Decisão esta que transitou em julgado.

O Ministério da Educação contestou a acção defendendo a improcedência do pedido. Alegou, em síntese, que os invocados Decreto-Lei nº 35/90, de 25 de Janeiro e a Portaria nº 413/99, de 8 de Agosto, em que a A. assenta a causa de pedir e o pedido e, consequentemente, a obrigação de indemnizar, não conferem a pretensa indemnização por danos morais e que mesmo fazendo incidir a pretensão da A. no regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, também não se encontram reunidos os pressupostos constitutivos do dever de indemnizar, nomeadamente a prática de qualquer acto que se possa reputar de ilícito.

Por sentença de 25.05.2015 o TAF de Leiria julgou a acção procedente e, em consequência, condenou o Réu a pagar à Autora a indemnização de EUR 50.000,00, no tocante ao dano morte do menor Diogo ………., e de EUR 25.000,00 à Autora no tocante aos danos não patrimoniais por ela sofridos, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

Inconformada com o assim decidido, veio o Ministério da Educação, ora Recorrente, interpor recurso de apelação para este Tribunal Central, culminando a sua alegação com as seguintes conclusões: I – Não obstante tudo quanto alega e conclui, o Recorrente não prescinde, da análise em sede de recurso de tudo o que na parte dispositiva da Douta Decisão for desfavorável ao Recorrente, nos termos do regime jurídico estabelecido no CPC.

II – No âmbito da decisão recorrida não foi operacionalizado corretamente o processo subsumptivo dos factos dados como provados aos preceitos legais aportados à colação, designadamente no conceito de ilicitude.

III – A sentença parte do determinado raciocínio e, a dado momento, faz como que uma “revolução copernicana” porquanto, os factos que considerados provados apontavam (e apontam) para um único desfecho possível - a inexistência de qualquer facto ilícito por parte da Escola - e, a dado momento, o “facto ilícito” surge de forma inusitada.

IV - A Escola providenciou todas medidas de segurança para que caso algum fortuito não viesse a suceder.

V - No plano anual de atividades e respetivo projeto curricular de turma dos alunos envolvidos da Escola EB 2/3 da Carreira constava, para o dia 09 de junho de 2006, uma visita de estudo para a Lagoa da Ervideira, autorizada pelos órgãos da Escola, pelo Governo Civil de Leiria e com comunicação à GNR, Bombeiros e Junta de Freguesia do Coimbrão.

VI – Visita que incluía passeio de bicicleta, com saída da escola até à referida Lagoa da Ervideira e piquenique, sendo os alunos autorizados pelos pais e/ou encarregados de educação.

VII - Estamos ante uma visita/passeio a uma lagoa, na qual se iria fazer um piquenique mas a ida à água, não constituía uma certeza mas sim e apenas uma possibilidade incluída nas atividades lúdicas a realizar na lagoa, portanto, uma possibilidade a decidir in locu.

VIII - Os professores deram instruções aos alunos a serem observadas, na sala de aula, no percurso e no local onde iriam instalar-se.

IX - Relativamente à, eventual, ida à água, foram transmitidas diversas indicações pelos professores, e em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa, concretamente, que os alunos só poderiam ir à água, caso tal possibilidade se concretizasse, quando todos os professores estivessem presentes.

X - Um conjunto de alunos tomou a dianteira e todo o grupo começou a desmembrar- se formando sub-grupos, favorecidos quer pelo tipo de acessibilidade ao local – passadiço estreito - quer pelo modo de deslocação, de bicicleta ou a pé.

XI – No grupo da dianteira, o primeiro a chegar à segunda praia, integrava-se o Diogo A........... tendo este entrado na água à revelia das orientações dos professores, violando o dever de obediência e incorrendo em infração disciplinar – artº 15º alíneas f) e o) e art 23º da Lei nº 30/2002 de 20 de dezembro, vigente à data dos factos.

XII - Da matéria de facto dada como provada, desde logo reverte que a visita à lagoa foi programada devidamente pela Escola, da qual constava de um piquenique, sendo certo que a ida à água seria não uma certeza mas, sim, uma possibilidade.

XIII – Em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa caso se consolidasse a ida à água, os alunos só poderiam fazê-lo quando todos os professores estivessem presentes, contudo o Diogo A........... à revelia das orientações dos professores, logo que chegou ao local onde se instalou, de imediato correu para a água! XIV – A sentença recorrida não considerou determinados fatores como a idade do aluno falecido, (nascido em 09/07/1990 e falecido a 9/06/2006), a quem faltava, apenas um mês para completar 16 anos de idade, com as decorrências correlativas – sentido de responsabilidade, imputabilidade criminal, possibilidade de contrair casamento e de gerir a sua pessoa e bens.

XV - Um cidadão com 16 anos de idade, no sistema jurídico português, já é imputável criminalmente e, por conseguinte, portador do discernimento necessário para aferir o que deve e aquilo que não deve fazer, o que lhe é permitido e o que lhe está vedado.

XVI - Na perspetiva legislador, dado assente há muitos anos no sistema jurídico português, um cidadão com 16 anos já é portador de um poder cognoscitivo e valorativo que o conduz a optar pelo caminho considerado correto do ponto de vista legal e de se afastar de condutas ilícitas.

XVII - O legislador reconhece a um cidadão de 16 anos de idade o sentido de responsabilidade, a maturidade para cumprir os comandos normativos, para pugnar pelos seus direitos e para cumprir as suas obrigações, sendo portador do discernimento para acatar as ordens e/ou orientações de quem de direito e não infringir as instruções que lhe são transmitidas.

XVIII - O legislador assumiu a idade de 16 anos como aquele marco a instâncias do qual o ser humano já se revela como detentor de sentido de responsabilidade para contrair matrimónio, gerir a sua pessoa e bens e de aferir a conduta criminalmente punível.

XIX - O crescimento do ser humano, com vista à sua integração plena na sociedade, só poderá ocorrer, de forma salutar, a instâncias de todo um processo formativo, valorativo e de desenvolvimento a vários níveis, caso se incuta sentido de responsabilidade aos adolescentes.

XX – “Acorrentar” um qualquer aluno com quase 16 anos de idade para impedir qualquer eventual ocorrência, no fito de evitar a 100% qualquer violação dos seus deveres, seria impedi-lo de crescer para a liberdade, para o sentido de responsabilidade, para o saber acatar as orientações de quem de direito, numa palavra de crescer salutar e responsavelmente.

XXI - Seria (e é) espectável que um cidadão de 16 anos de idade acate as orientações do pessoal Docente abstendo-se de, sem o respetivo consentimento, entrar na água, à revelia e contra o que lhe fora transmitido, violando um dever do aluno – acatar as ordens e/ou orientações do Docentes – comportamento que resulta em responsabilidade disciplinar (artº 15º alíneas f) e o) e art 23º da Lei nº 30/2002 de 20 de dezembro, vigente à data dos factos).

XXII – O Acórdão do STA, no processo nº 0557/03, datado de 04/12 de 2003, da 1ª subsecção, decidiu que determinados alunos contando já 16 e quase 15 (14 anos e 8 meses) de idade, estão numa faixa etária, em que uma pessoa com desenvolvimento normal, dispõe da capacidade para se orientar e, de um modo geral, evitar os perigos da via pública.

XXIII - O Acórdão do STA, no processo nº 01504/13, de 15/05/2014 da 1ª secção entendeu que determinada Escola apenas pelo facto de ter organizado uma passeio não praticou um ato ilícito, não obstante um aluno de 14 anos de idade ter caído a uma mina, porquanto a Escola informou especialmente os alunos da perigosidade da mina, perigosidade esta que estava claramente assinalada em “placard” que o aluno em causa leu, mas sem ligar à respetiva informação.

XXIV – Nos presentes autos, e tomando as palavras do Acórdão do STA, a instâncias do processo nº 01504/13, de 15/05/2014 da 1ª secção, os alunos, incluindo a vítima, foram informados, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa que caso se consolidasse a ida à água, os alunos só poderiam fazê-lo quando todos os professores estivessem presentes e caso o permitissem.

XXV - Caso se tratasse de um passeio promovido por um grupo de famílias amigas, que decidiram fazer um passeio à lagoa em causa, será que deveriam ter providenciado pela presença no local de meios humanos e técnicos de socorro e auxílio específicos, de modo a prevenir e evitar possíveis ocorrências, tal como se alude na sentença? XXVI - O conceito de ilicitude não foi subsumido corretamente no factualidade dada por assente, pois, os factos, a lei e a jurisprudência, indicam que o MEC NÃO violou, nem ilícita, nem culposamente, nem a qualquer outro título, as regras de prudência comum próprias do bonus pater famílias – numa palavra, a esta parte atuou...

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