Acórdão nº 1523/16.5 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelCATARINA JARMELA
Data da Resolução02 de Março de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

* I – RELATÓRIO Muhammad ...............

intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ao abrigo do art. 109º, do CPTA, contra o Ministério da Administração Interna, peticionando a condenação do réu a emitir-lhe o título de residência, bem como a aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 169º, do CPTA, por cada dia de incumprimento da sentença.

Por sentença de 5 de Novembro de 2016 do referido tribunal foi julgada improcedente a presente acção e, em consequência, absolvido o réu do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões: “A - Não foram considerados pelo douto Tribunal a quo os seguintes factos com relevância para a apreciação e decisão do mérito da acção: - O Autor demonstrou possuir todos os requisitos legais exigidos, no momento temporal em que o Réu admitiu o uso do artigo 88º da Lei 23/2007, de 4 de Julho; ou seja, em 10/02/2016.

- O Autor pediu a autorização de residência, instruiu o seu pedido com todos os documentos exigidos, pagou todas as taxas devidas ineremtes ao deferimento do seu pedido, e não obteve decisão, decorridos dez meses.

- Na data de 10/02/2016, foi concedido pelo Réu ao Autor "Visto" - fls.40 do PA não numerado; e que é o visto válido e que subjaz e sustenta a emissão do título de residência; nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 88º, da Lei 23/2007.

- O Réu limitou-se a apresentar requerimento nos autos afirmando que aqueles pedidos de concessão de autorização de residência estavam a ser objecto de reapreciação.

- A contrario, o Réu não logrou provar quaisquer factos que obstassem à apreciação/reapreciação e/ou à decisão do pedido formulado pelo Autor.

- O Título de Residência nada mais é que a "traduçãofísica" do "acto administrativo) de concessão de autorização de residência".

- Até à data da sentença, e decorridos que eram então DEZ meses sobre a conclusão do seu pedido, o Autor não havia recebido o seu Título de Residência.

- Em 07/06/2016, o Autor interpelou o Réu, solicitando informação quanto ao estado do seu título de residência, e solicitando a emissão e envio do mesmo.

- O Réu não respondeu a esta interpelação.

B - Não tendo a autorização de residência para o exercício de actividade profissional subordinada sido ainda emitida, o Autor mostra-se privado da possibilidade de beneficiar da aplicação do princípio da Equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15º, n.º 1 , da Constituição da República Portuguesa.

C - Mais que uma questão legal, configura-se uma questão MORAL: o Estado Português e o Réu (porque recebe 40% destas receitas), NÃO PODEM exigir e receber taxas de centenas de cidadãos, a título de emissão e envio dos seus títulos de residência (bem como assim, a totalidade das taxas a título de deferimento dos seus pedidos); taxas essas de valor superior a um salário mínimo nacional; reter essas quantias por meses e até anos sem qualquer justificação, e, posteriormente, vir negar a emissão dos mesmos.

D - E, que dizer das expectativas geradas pelo Réu nos requerentes em geral; e, no Autor em particular, mediante o pagamento da totalidade das taxas de taxas/emolumentos devidos pela análise e deferimento dos seus pedidos; e do artifício gerado pela recolha de fotos, impressões digitais e assinaturas? E - Considerando os limites internos inerentes ao poder discricionário, temos que, no caso sub judice a Administração; o Réu, não se revelou nem correcto, nem honesto, nem justo, nem tão pouco bom.

F - O Réu violou, em especial, os principios da decisão (artigo 13º do CPA); da eficiência (artigo 5º do CPA); da celeridade (artigo 59º do CPA); da confiança, e da boa administração.

G - O n.º 1, do artigo 82º, da Lei 23/2007, estipula que "o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 60 dias.".

H - O Réu nada decidiu nesse prazo, nem tão pouco nos dez meses subsequentes; pelo que omitiu claramente o seu dever de decisão consagrado no artigo 52º, n.º 1, in fine, a da Constituição, e no artigo 13º do CPA sob a epígrafe "Princípio da Decisão".

I - Com essa omissão, o Réu violou ainda o princípio da confiança, porque o Autor pediu a autorização de residência em apreço, instruiu o pedido com todos os documentos exigidos, pagou todas as taxas devidas inerentes ao seu pedido e não obteve decisão, decorridos dez meses.

J - Ademais: para além do Autor ter demonstrado possuir - naquele momento temporal - todos os requisitos legais exigidos, também é inquestionável que e o Réu admitiu - na mesma data - o uso do meio excepcional e oficioso constante do n.º 2 do artigo 88, da Lei 23/2007.

L - Ou seja, o Réu auto vinculou-se a decidir. E, não decidiu.

M - Não procede a alegação que a discricionariedade que cabia ao Réu ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 88º, da Lei 23/2007, não está subordinada a prazos, ou está subtraída à observação e cumprimento dos princípios constitucionais da actividade administrativa.

N - Todo o cidadão é, perante a Administração, um sujeito jurídico de pleno direito, que, numa relação jurídica procedimental tem direito a uma decisão e NUNCA a uma "discricionariedade do silêncio", ou ao "silêncio incumprimento"; que corresponde, afinal, à violação do dever de decidir.

O - Mesmo no caso das autorizações de residência emitidas as abrigo do chamado "regime excepcional" (para os cidadãos que não preencham os requisitos dos restantes tipos de autorização de residência), o SEF está adstrito a agir em conformidade com os princípios constitucionais da actividade administrativa, ou seja, os princípios da prossecução do interesse público, do respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (cfr. artigo 266º da Constituição).

P - Citando António Francisco de Sousa: "não há discricionariedade sem limites", sendo que "a discricionariedade administrativa é sempre limitada pela lei e pelo Direito" (in "Direito Administrativo em Geral, 4ª edição, Porto: FDUP, 2001, págs. 358 e 298).

Q -A discricionariedade administrativa encontra-se limitada tanto pelas imposições do ordenamento jurídico (limites externos), como pelas exigências do bem comum, da ética administrativa, da boa administração e de todos os princípios que regem a Administração Pública (limites internos); limites que no caso sub judice não foram observados.

R - Se, como afirma Marcello Caetano "discricionário significa livre dentro dos limites permitidos pela realização de certo fim visado pela lei" (in "Princípios Fundamentais do Direito Administrativo", Coimbra: Almedina, a1996, pág. 129), temos então que, em termos temporais, muito depressa o Réu entrou no domínio da arbitrariedade.

S - A lei especial - artigo 82º, n.º 1, da Lei 23/2007, de 4 de Julho - determina o prazo de 60 dias para a decisão de concessão de autorização de residência. E, a Lei Geral - artigo 86º, n.º 1, do (novo) CPA - fixa o prazo de 10 dias.

T - Quer se considere o prazo geral, ou o prazo, especial, temos que ambos os prazos - no caso sub judice - se encontram extrapolados. Pelo que ocorreu deferimento tácito.

U - No actual CPA não existe previsão legal expressa em matéria de deferimento na concessão de regularizações extraordinárias.

V - É de considerar que estamos perante uma "lacuna"; tanto mais que o anterior CPA previa expressamente para estas situações o deferimento tácito na sua alínea c), do n.º 3, do artigo 108º.

X - Não será o facto de estamos perante um meio excepcional e oficioso, que permite e sua subtracção a este entendimento; em especial atentos os limites (externos e internos) do poder discricionário.

Z - O n.º 1, do artigo 10º do CC prevê: "Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.".

AA - Acrescenta o n.º 2, da mesma disposição que "há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.".

BB - O n.º 3, da mesma disposição, estipula por fim que: "Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segunda a norma que o próprio intérprete criaria, se houve de legislar dentro do sistema.".

CC - Por sua vez, o artigo 11º do atual Código Civil estipula: "As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.".

DD - Admitindo-se que o n.º 2, do artigo 88º, da Lei 23/2007, consubstancia uma norma excepcional, a mesma é, como o diz a Lei, susceptível de interpretação extensiva.

EE - Atento o artigo 11º do CC, existe interpretação extensiva sempre que o intérprete ao reconstituir a parte do texto da lei segundo os critérios estabelecidos no artigo 9º conclua que o pensamento legislativo coincide com um dos sentidos contidos na lei, mas o legislador, ao formular a norma disse menos do que queria, sendo, por isso, necessário alargar o texto legal.

FF - Admitindo-se que o artigo 88º, n.º 2 é uma norma excepcional que admite sempre a interpretação extensiva, a sua lacuna em termos de deferimento tácito terá de ser obrigatoriamente colmatada com o previsto no nº 3 do artigo 10º do CC, "é resolvida de acordo com a própria norma que o intérprete criaria se houvesse de legislar de dentro do espírito do sistema.".

GG - O deferimento tácito está subjacente à Lei de Imigração, e porque o cidadão imigrante não pode tornar-se "um...

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