Acórdão nº 3/13.5BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | ANA PINHOL |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I.
RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por H...
e J...
da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRS com o nº ..., relativo ao ano de 2011, na parte atinente à retenção na fonte efectuada sobre os juros auferidos no estrangeiro, no valor de €4.111,28.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «I - O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória de procedência da impugnação, deduzida da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS, relativa ao ano de 2011.
II - Especificando, a decisão em crise anulou a decisão de indeferimento proferida em sede de reclamação graciosa e, em consequência, anulou parcialmente o acto de liquidação de IRS, referente ao ano de 2011, na parte atinente à retenção na fonte efectuada sobre os juros auferidos no estrangeiro, no valor de €4.192,78.
III - Sobre a retenção na fonte em causa, alegam os impugnantes terem apresentado a declaração de IRS com referência a 2011 e que, constatando a existência de um erro no anexo J da mesma, declarando uma retenção na fonte no valor de € 81,50 atinente a imposto sobre juros auferidos no estrangeiro, quando, na verdade, essa retenção teria ascendido a € 4.192,78, pelo que apresentaram uma declaração de s...tituição.
IV - Cabe-nos discordar da fundamentação constante da sentença, aqui em crise, nomeadamente na parte em que considerou a decisão proferida em sede de reclamação graciosa ilegal, por violação do disposto no art.º72° da LGT, declarando-a nula e, consequentemente, atribuiu ao documento "particular" emitido pelo Banco ... e apresentado pelos Impugnantes valor probatório, dando como provado que o Banco ... reteve efectivamente aos Impugnantes a quantia de EUR 4.192,78, relativamente aos juros que lhes foram pagos em 2011, culminando na procedência da presente impugnação.
V - Senão vejamos: VI - Ora, em resumo, a questão aqui em discussão trata-se de saber se o documento emitido pelo Banco ... e apresentado pelos Impugnantes tem valor probatório, no sentido de ser demonstrativo de que o Banco ... reteve efectivamente aos Impugnantes a quantia de EUR 4.192,78, sendo aquele um simples documento "particular".
VII - O douto Tribunal a quo respondeu a esta questão de forma afirmativa, considerando que o documento apresentado faz prova daqueles factos, nos termos do disposto no n°1 do art.365° do Código Civil (CC): "Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como afariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal".
VIII - Face a este entendimento, é convicção da Fazenda Pública haver erro na interpretação das normas em apreço, senão vejamos: IX - O artigo 540°, n°1 do Código Processo Civil, aplicável ex vi do disposto na alínea e) do artigo n° 2 do CPPT, determina: "1- Os documentos autênticos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, consideram-se legalizados desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respectivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o selo branco consular respectivo.
2- Se os documentos particulares lavrados fora de Portugal estiverem legalizados por funcionário público estrangeiro, a legalização carece de valor enquanto se não obtiverem os reconhecimentos exigidos no número anterior." X - Avaliando a importância desta formalidade, da qual depende, em última instância, a credibilidade e poder probatório dos referidos documentos, acrescenta-se que esta regra deve ainda ser observada, nos termos do n° 2 do mesmo artigo, quando se tratem de documentos particulares "lavrados fora de Portugal", cuja legalização carece de valor, enquanto não se obtiverem os reconhecimentos mencionados no n°1 da mesma norma.
XII - Ora, o documento em causa não se encontra "legalizado", nos termos do disposto no citado artigo 540° do CPC, pelo que à Administração Tributária não restou outra solução que não fosse a de lhe retirar "qualquer tipo de relevância para os efeitos fiscais pretendidos".
XIII - Sobre estes requisitos que decorrem da lei, a Administração Tributária, pronunciou-se no Ofício-Circulado n° 20124, de 09.05.2007, da Direcção de Serviços das Relações Fiscais Internacionais, mantendo a exigência da apresentação pelo contribuinte dos documentos originais autenticados (ou de fotocópias autenticadas).
XIV - Neste sentido, é ainda de referir que as próprias instruções do Anexo J, enuncia taxativamente: "Destina-se a declarar os rendimentos obtidos fora do território português, por residentes, e a identificar as contas de depósitos ou de títulos abertas em instituições financeiras não residentes em território português.
Os documentos, originais ou fotocópias autenticadas, comprovativos dos rendimentos e da liquidação final do imposto pago no estrangeiro, bem como os comprovativos de natureza pública daqueles, emitidos pela respectiva autoridade fiscal desse país, devem ser entregues conjuntamente com a declaração ou remetidos para o serviço de finanças da área do domicílio fiscal”.
XV - Nos termos do n°1 do art°74° da LGT, "o ónus da prava dos factos constitutivos dos direitos da administração tributaria ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".
XVI - Assim sendo, o ónus da prova cabia aos impugnantes, devendo juntar com a referida declaração modelo 3 todos os documentos comprovativos dos valores declarados, devidamente "legalizados".
XVI - E os impugnantes tiveram oportunidade (várias) de apresentar a referida prova relativamente aos factos por si invocados em sede de reclamação graciosa e de impugnação, contudo não o fizeram.
XVI - Face ao exposto, a douta sentença proferida pela Mma. Juiz a quo fez, a nosso ver, relativamente à questão aqui tratada, uma incorrecta interpretação das normas legis e da ratio legis que a fundamenta, incorrendo assim em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser revogada, com as legais consequências, mantendo-se na ordem jurídica a decisão impugnada e, consequentemente, liquidação em causa.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.».
**Contra-alegaram os Recorridos, H... e J...
, concluindo do modo que segue: «1.ª - Em 15/09/2016 foi proferida douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelos Impugnantes, ora Recorridos, e condenou a Administração Tributária (Fazenda Pública) a restituir aos Impugnantes o valor de imposto que tinham pago a mais (€ 4.111,28), acrescido de juros indemnizatórios à taxa de 4% ao ano, desde 24/09/2013 até ao processamento da nota de crédito com vista à ordenada restituição.
-
- Os meios probatórios de que o Tribunal Tributário se pode socorrer para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento são todos os admitidos em direito (art. 72 da LGT).
-
- O Tribunal Tributário fundamentou a sua decisão, entre outros elementos, no documento particular, processado por meios informáticos, composto por quatro páginas, emitido pelo Banco ..., contendo os símbolos e os códigos de barras internacionais do mesmo, e do qual constam, exaustivamente discriminados, todos os rendimentos atribuídos e todas as quantias retidas para imposto e entregues ao Estado suíço para entrega ao Estado português.
-
- Nenhuma norma, seja da LGT, seja de outros diplomas administrativos ou tributários, seja dos subsidiariamente aplicáveis Código Civil e Código de Processo Civil (v. art.2° da LGT), obriga à entrega de um documento autêntico ou particular autenticado nesta situação.
-
- O art. 540 no velho CPC, ou art. 440 do atual, aplica-se a documentos autênticos (n°1) e a documentos particulares autenticados (n°2), que não é o caso do documento em causa nos autos (que entre outros, serviu para criar a convicção do Tribunal), mero documento particular.
-
ª - Conforme claramente resulta do seu teor, o artigo 540, nº1, do velho CPC, regula a legalização dos documentos autênticos passados em país estrangeiro, ou seja, de documentos exarados pelas autoridades públicas nos limites da sua competência - leia-se a definição no art.363, n°2, do Código Civil.
-
- E o n°2 do artigo 540 do velho CPC, por seu turno, conforme claramente resulta do seu teor, aplica-se apenas a documentos particulares legalizados por funcionário público estrangeiro, ou seja, aplica-se aos documentos particulares autenticados a que se reporta o art.º363, n°3, do Código Civil.
-
- Os Recorridos não juntaram (nem tinham que juntar) qualquer documento estrangeiro autenticado ou autenticado, pelo que não tinham de o legalizar; o documento junto é um mero documento particular, ao qual não se aplicam as legalizações a que se referem ambos os números do art.º540 do CPC.
-
- O Ofício-Circulado n°20124, de 09/05/2007, da Direcção de Serviços das Relações Fiscais Internacionais, dispõe sobre a dupla tributação internacional - situação que consiste na taxação dupla de um mesmo fluxo de rendimentos em domicílios fiscais distintos. Não foi o caso dos autos: os Recorridos não foram tributados na Suíça; o Banco suíço, entidade de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO