Acórdão nº 13708/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelHELENA CANELAS
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP, autor na ação presente ação administrativa comum (Proc. nº 2643/15.9BELSB) em que são réus SARA …………………… e marido NUNO …………………….. – na qual é peticionado a) que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento referente a fração autónoma de imóvel sito na freguesia da Buraca, Município da A..............., e ordenada a sua entrega imediata, livre e devoluta de pessoas e bens; b) que seja a ré condenada no pagamento das rendas vencidas, no montante de 3.006,69 € e vincendas até efetiva entrega do locado, acrescida dos respetivos juros de mora; c) que seja a ré condenada a pagar uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda em vigor por cada mês que perdurar a ocupação do imóvel desde o trânsito em julgado da sentença até à sua entrega efetiva, nos termos do artigo 1045º do Código Civil – inconformado com a decisão de absolvição dos réus da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de falta de interesse processual ou de interesse em agir proferida em 11/02/2016 pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, nos seguinte termos: a) De harmonia com o teor da douta sentença recorrida, foi julgada procedente a excepção dilatória de falta de interesse processual ou interesse em agir, tendo a Ré, em consequência, sido absolvida da instância.

b) Salvo melhor opinião não se poderá concordar com o douto entendimento vertido na sentença recorrida, pelas seguintes ordens de razão: c) Em primeiro lugar, não poderá deixar de se fazer ressaltar que, aquando da interposição da presente acção judicial (16/12/2014), não se mostrava vigente (nem tão pouco havia sido objecto de publicação em Diário da República) a citada Lei n.º 81/2014, de 19/12, em cujo teor a douta sentença recorrida encontrou consagrado o meio de autotutela que alegadamente permitiria ao Autor alcançar o fim pretendido com os presentes autos.

d) Ora, considerando que a averiguação do pressuposto do interesse em agir dever-se-á reportar à data da instauração da acção, outra conclusão não poderá ser extraída que não seja a de que existia, por parte do Recorrente, uma necessidade de recorrer à via judicial (vide neste sentido acórdão do Tribunal Relação de Lisboa, de 21.11.2013, in www.dgsi.pt).

e) Tal conclusão, não é seguramente afastada por força da norma transitória contida no artigo 39º/2 da citada Lei 81/2014, nos termos da qual a disciplina aí consagrada seria imediatamente aplicável aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, simplesmente porque já havia sido intentada a presente accão judicial.

f) De todo o modo, a aplicação do novo regime do arrendamento apoiado constante da Lei n.º 81/2014 aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 39.º, depende, da prévia implementação pelo senhorio do procedimento previsto no seu artigo 34.º, que atribui aos arrendatários destinatários dessa decisão todos os direitos e garantias do procedimento administrativo, mormente o direito de se pronunciarem em audiência de interessados.

g) Em segundo lugar, nem se diga que à data da interposição da presente acção judicial, sempre se mostraria vigente o regime transitório e limitado de autotutela declarativa e executiva, previsto na Lei n.º 21/2009 e que, no entender da MM Juíza a quo, "quis abarcar no seu âmbito de aplicação todas as situações de habitação social em regime de arrendamento".

h) Na verdade, e ao contrário daquele que parece ser o entendimento propugnado pela MM Juíza a quo, o contrato de arrendamento em discussão nos presentes autos não se encontrava submetido à disciplina jurídica contida na referida Lei n.º 21/2009, carecendo a interpretação extensiva pretendida pela MM Juíza a quo, salvo devido respeito, de um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, na letra da lei.

i) Efectivamente, no artigo 2° da citada Lei n.º 21/2009 refere-se, de forma expressa e inequívoca, que a disciplina jurídica contida naquele diploma legal "(...) é aplicável às situações abrangidas pelo Decreto n.º 35106, de 6 de Novembro de 1945". Ora, o Decreto 35106, de 06/11/1945 visava disciplinar as situações de ocupação de casas cedidas a título precário e mediante licença titulada por alvará de habitação social (cfr. artigo 1° - "a ocupação das habitações a que se refere o decreto-lei n.º 34486, de 6 de Abril de 1945, será concedida a título precário, mediante licença da entidade proprietária, sob a forma de alvará").

j) Ou seja, tratava-se de situações que encontravam a sua origem/génese num acto administrativo proferido pela Administração e não num contrato (como sucede no caso dos presentes autos).

k) Em terceiro lugar e ainda que se admitisse a aplicação e vigência da disciplina jurídica contida no artigo 28° da Lei n.º 81/2014 ao caso sub judicie (o que apenas se admite por mera cautela de raciocínio e sem conceder, conforme supra se adiantou), não se aceita a conclusão expendida pela douta sentença recorrida, nos termos da qual não se verifica a necessidade de tutela requerida nos presentes autos.

l) E não se aceita tal conclusão porquanto a mesma teria de assentar numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/ via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa.

m) Na verdade, o diploma em causa - Lei nº 81/2014 de 19/12 - salvo melhor opinião, veio apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição. Por outras palavras veio acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de urna lógica de celeridade de procedimentos.

n) Aliás, resulta da análise das disposições legais em apreço que a resolução, por via extrajudicial, apenas se mostra admissível caso se mostre verificado um dos fundamentos previstos no nº 2 do artigo 25°. Ora, não sendo tal remissão taxativa, pois a remissão ali prevista não opera para o corpo do n.º 1 do mesmo artigo, o mesmo significa que outros fundamentos existem que configuram justa causa para resolver o contrato de arrendamento, sendo que, nesses casos, o senhorio terá de recorrer à via judicial.

o) Assim sendo, existindo situações que só através da via judicial se obtém a resolução contratual (e, mais do que isso o despejo coercivo, atentas as limitações constitucionais), não é possível sustentar, com coerência, a exclusividade e imperatividade da via extrajudicial prevista no artigo 25º a 28 do citado diploma legal, sendo certo que conclusão contrária implicaria uma limitação injustificada do direito de acção do aqui Recorrente previsto no artigo 20° da CRP.

p) De todo o modo, verificando-se a existência de um evidente litígio entre Autor e Réus relativamente à cessação do contrato de arrendamento (tendo sido a pretensão do Recorrente contestada), sempre se mostraria necessária a intervenção judicial, por via do disposto no artigo 17º/3 da referida Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro.

q) Em face do supra exposto, impõe-se concluir pela verificação do pressuposto processual de interesse em agir por parte do aqui Recorrente, porquanto se mostra necessária a tutela jurisdicional solicitada nos presentes autos.

r) Ao não ter assim decidido incorreu a douta sentença recorrida numa errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, tendo sido, consequentemente, preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20° da C.R.P.

A recorrida não contra-alegou.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal, e neste notificada a Digna Magistrada do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA emitiu Parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

* II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de direito ao considerar não verificado o pressuposto processual de interesse em agir.

* III. FUNDAMENTAÇÃO A – De facto Pelo Tribunal a quo foi considerada a seguinte factualidade, nos seguintes termos: 1. O Autor Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P. é proprietário do rés do chão esquerdo, do prédio urbano, em propriedade horizontal, sito na Rua ………………, Lote 27, nº 26, na A..............., e melhor identificado nos autos – docs. nºs 1 e 2 juntos com a p.i. e que aqui se dão como reproduzidos.

  1. Este imóvel ingressou na esfera jurídica do Autor por sucessão do Instituto de Gestão do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), o qual atribuiu, verbalmente, em regime de arrendamento para fins habitacionais, a fracção referida em 1, à Ré Sara …………………., para aí habitar com o seu agregado familiar – doc. nº 3 e 4, que aqui se dão como reproduzidos.

  2. A renda mensal fixada, à data, foi de € 14,07, sendo o seu valor determinado pela aplicação da taxa de esforço ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar da arrendatária, nos termos do artº 5º do Decreto Lei nº 166/93, de 7 de Maio.

B – De direito 1.

Da decisão recorrida O Tribunal a quo absolveu os réus da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de falta de interesse processual ou de interesse em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT