Acórdão nº 121/17.5BERPT de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelHELENA CANELAS
Data da Resolução19 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO PAUL …………… (devidamente identificado nos autos), requerente no Processo Cautelar que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé contra a AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE (igualmente devidamente identificada nos autos) – no qual requereu que fosse decretada providência cautelar de suspensão de eficácia do identificado ato administrativo praticado pelo Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve consubstanciado na identificada ordem para demolir a construção e remover o entulho – inconformado com a sentença de 14-07-2017 do Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido cautelar, dela interpõe o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que decrete a providência cautelar requerida, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos: A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 14 de Julho de 2017, que decidiu não decretar a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo que ordena a demolição da construção propriedade do ora Recorrente.

B) O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão com base no argumento de que não se encontram preenchidos os pressupostos para o decretamento da providência cautelar requerida, a saber, periculum in mora, fumus bani juris e ponderação de interesses, conforme exigem os n.ºs 1 e 2 do art. 120.º do CPTA.

C) Em especial, no que toca ao periculum in mora, considerou a decisão recorrida que, in casu, não se verificava qualquer situação de fundado receio de ocorrência de prejuízo de difícil reparação ou que ocorresse facto consumado com o não decretamento da providência.

D) Por outro lado, sem analisar a questão do ponto de vista do mecanismo do art. 162.º, n.º 3, do CPA - como abundantemente defendido no requerimento cautelar - e sem dar fundamento suficientemente inteligível para a solução adoptada na decisão relativamente ao ponto suscitado sobre a tutela da confiança, considerou o douto Tribunal que a boa-fé do Recorrente não exerce qualquer influência no mérito cautelar ora em causa, negando-se a existência defumus banijuris com base nessa mesma concepção.

E) Perante tais argumentos, vem o Recorrente interpor recurso da decisão de mérito cautelar por considerar que se encontram verificados os requisitos para o decretamento da providência requerida.

F) Desde 1983 que parte da ilha da Armona está concessionada ao Município de Olhão e, também sensivelmente desde o mesmo ano, que a Câmara Municipal tem concedido alvarás de ocupação daquela ilha para diversos fins, incluindo os de construção.

G) Apesar de concessionada em parte, a ilha da Armona não o está totalmente, permanecendo uma parte da ilha sob a alçada da Recorrida, enquanto representante dos interesses do Estado português, seu proprietário em regime de dominialidade marítima.

H) Durante 30 anos a Câmara Municipal de Olhão emitiu alvarás de utilização e construção em toda a ilha, convencendo-se que os limites da concessão eram bem mais lassos do que na verdade o Decreto-Lei n.º 92/1983 definiu.

I) A Recorrida, e respectivos antecessores nas suas atribuições, nada fizeram contra a Câmara Municipal ou contra as construções ilegais que ali se iam fazendo, provocando um sentimento de permissibilidade tal que se gerou hoje um conflito de competência sobre parte da ilha entre a dita Câmara Municipal e a Recorrida.

J) Gerou-se, em boa verdade, uma aparência de legalidade em toda aquela situação ilegal que, passados 30 anos de passividade por quem lhe devia por cobro, só se podia prever que acabasse no ponto em que está hoje: criou-se um precedente administrativo, uma norma consuetudinária de competência que, se não pode criar direito proprio sensu, cria, por certo, a confiança legítima e digna de tutela por parte do Direito.

K) O Recorrente, cidadão britânico, residente em Londres, dirigiu-se, em 2014 - bem depois do dito costume estar formado - à Câmara Municipal de Olhão para adquirir autorização para construção de uma moradia na ilha da Armona.

L) A Câmara Municipal averbou o nome do Recorrente em Alvarás já emitidos desde finais dos anos 80 do século passado o seu nome, transferindo a titularidade dos direitos neles firmados.

M) O mesmo Recorrente seguiu os trâmites indicados e pagou o que lhe era exigido pela CMO a título de taxas, impostos e licenças para poder começar a construir, iniciando um procedimento de licenciamento urbanístico para edificação - como manda a Lei - obtendo aprovação por parte do Executivo olhanense.

N) Já iniciada a construção, foi o Recorrente surpreendido com uma ordem de embargo e com um procedimento contra-ordenacional por parte do INCF, l.P., seguidos de uma ordem de demolição por parte da Entidade ora Recorrida; O) O investimento de confiança feito, gerador de incontestável boa-fé, foi frustrado por um comportamento claramente em venire contra factum proprium por parte da APA que durante 30 anos nada fez para repor a legalidade - quando em bom tempo o podia ter feito, impedindo a criação do costume a que se fez referência.

P) Para travar os efeitos da ordem de demolição - que criaria uma situação de facto consumado o Recorrente dirigiu ao TAF de Loulé um requerimento cautelar para suspensão da eficácia do acto administrativo que ordenava a demolição.

Q) Notificado da sentença que indeferiu o decretamento da dita providência, vem o ora Recorrente interpor recurso para o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, uma vez que considera que a sentença recorrida padece de erros vários na aplicação do Direito.

R) Em matéria de periculum in mora, o não decretamento da providência inutilizaria por completo a pretensão de não demolição do edificado por motivos de tutela da boa-fé, com base no mecanismo do art. 162.º, n.º 3, do CPA. Gerar-se-ia um facto consumado que impediria por completo a tutela jurisdicional da pretensão do Recorrente. Por isto mesmo, é incontestável que se verifica o periculum in mora.

S) Em matéria de fumus boni juris, o art. 162.º, n.º 3, do CPA, especialmente no momento presente em que a redacção do artigo não exige qualquer passagem do tempo mas apenas a concorrência dos princípios da boa-fé, justiça e proporcionalidade em caso de situações de facto criadas à sombra de actos nulos, como é aqui o caso - à luz da lei os Alvarás da Câmara Municipal de Olhão são nulos por incompetência absoluta -, a pretensão do Recorrente tem fundamento bastante à luz do art. 120.º, n.º 1, 2ª parte, do CPTA para ser decretada a providência cautelar.

T) Finalmente, no que toca à ponderação de interesses exigida pelo art. 120.º, n.º 2, do CPTA, exige-se para o decretamento da providência cautelar que os efeitos do seu não decretamento para os interesses públicos e privados em causa devidamente sopesados cause mais prejuízo do que se fosse decretada a dita providência.

U) Claramente, in casu, e atendendo à premência do periculum in mora que aqui se verifica, se não fosse decretada a providência, o Recorrente ficaria bem mais prejudicado no seu interesse em manter a edificação do que ficaria o interesse público - que não se descortina concreto e específico como exige a doutrina e jurisprudência mas tão só aquele interesse público geral de reposição da legalidade.

V) Finalmente, requer-se que seja atribuído, com base nos mesmos motivos pelos quais deve a providência cautelar ser decretada, efeito suspensivo ao presente recurso porque, muito embora o art. 143.º, n.º 2, al. b) do CPTA atribua efeito meramente devolutivo ao presente recurso, a verdade é que, atentos os contornos do presente caso, se deve fazer uma extensão teleológica dos n.ºs 3 a 5 daquele artigo para que se atribua ao presente recurso efeito suspensivo.

W) De facto, se assim não se entender, do mesmo modo em que se originará com o não decretamento da providência cautelar uma situação de facto consumado ou de difícil reparação que inutilizaria por completo a tutela dos interesses do Recorrente na acção principal - que já corre no TAF de Loulé com o n.º 121117.0BELLE-A - também teria exactamente o mesmo efeito intolerável à luz do direito fundamental plasmado nos arts. 20.º e 268.º, n.º4, da Constituição da República a não atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso.

X) Por outro lado, não colhem também as teorias correntes na doutrina e jurisprudência, que negam a possibilidade de aplicação dos n.ºs 3 a 5 do art. 143.º do CPTA à atribuição de efeito suspensivo aos recursos que por lei só o têm meramente devolutivo, uma vez que assentam na ideia de que haveria uma mera repetição de ponderação de interesses quando na verdade o juiz ad quem não está sujeito aos juízos do tribunal a quo pelo que perde todo o significado uma tal argumentação.

Y) Por este motivo, e porque caso contrário estar-se-ia a restringir por completo o direito constitucionalmente consagrado ao recurso jurisdicional e votando ainda o interesse do Recorrente a uma mera summaria cognitio própria da tutela cautelar sem nunca haver um judicial due process que possa ser apelidado de tal, é forçoso que se defira o requerimento de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso.

Z) Face ao exposto, e porque se encontram reunidos os pressupostos para decretamento da tutela cautelar de suspensão da eficácia do acto demolitório da Requerida, deve a sentença em crise ser revogada e substituída por uma outra que decrete a providência requerida, bem como deve ser deferido o requerimento de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso.

Contra-alegou a recorrida pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Sul e neste notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu...

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