Acórdão nº 2141/06.1 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Os B…………. Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 25/05/2016, que no âmbito da ação administrativa especial instaurada pelo G… ………. Clube contra a Federação Portuguesa de Futebol, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a contrainteressada, Os B………….., ……………….., SAD, julgou a ação procedente, declarando a nulidade do ato impugnado, consubstanciado no Acórdão de 22/08/2006, do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, que aplicou a sanção de descida de divisão ao G………………… Clube, na época desportiva de 2006/2007, por prática de infração consistente no recurso aos tribunais, nos termos do n.º 1 do artigo 63.º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

* A Federação Portuguesa de Futebol veio (a fls. 2513 – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores) informar que renuncia ao recurso da decisão proferida.

* Formula a aqui Recorrente, Os B…………., Sociedade ………………… SAD, nas respetivas alegações (cfr. fls. 2544 e segs.), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1.ª A CRP prevê a possibilidade de «auto-justiça» ou «justiças privadas», ou seja, a possibilidade da composição não jurisdicional de litígios, isto é, fora dos tribunais (cf. artigo 202.º/4).

  1. O ato impugnado não afeta nem viola a garantia constitucional nem qualquer direito fundamental de acesso aos tribunais na medida em que se encontra inserido na reserva de jurisdição das instâncias desportivas.

  2. Tendo sido nesse contexto que a Comissão Disciplinar da LPFP e posteriormente o Conselho de Justiça da FPF apreciaram e deliberaram sobre a matéria sub judice.

  3. Como associação de direito privado, a vida social interna da Liga não se distingue da vida associativa de qualquer outra associação, seja ela uma coletividade de bairro, seja uma qualquer associação de representatividade nacional.

  4. Isto é: trata-se de matéria regulada exclusivamente por normas de direito privado e, prima facie, pelos estatutos da agremiação.

  5. Sempre que as decisões ou deliberações dos órgãos jurisdicionais das federações desportivas incidam sobre questões de natureza técnica ou disciplinar que se traduzam em violação das leis do jogo, dos regulamentos ou das regras de organização das provas – a lei afirma o princípio de que tais decisões ou deliberações são insuscetíveis de recurso fora das instâncias desportivas.

  6. É, pois, inequívoco que o legislador quis subtrair à apreciação de entidades estranhas às instâncias desportivas as questões de natureza disciplinar, apenas ressalvando aquelas que consubstanciem infração à ética desportiva nos domínios da dopagem, corrupção e violência.

  7. Ao ressalvar a inimpugnabilidade judicial as decisões disciplinares sobre questões de ética desportiva relativas a dopagem, corrupção e violência, o legislador mais não fez do que tipificar, no âmbito disciplinar, os casos excecionais em que está em causa o exercício de poderes públicos.

  8. Por sua vez, a Lei de Bases do Desporto (LBD) - Lei n.º 30/2004, de 21.7 -, em vigor à data dos factos, através do seu artigo 46°, vem estabelecer, sem novidade, o princípio geral de acesso aos tribunais para a resolução dos conflitos desportivos.

  9. Contudo, sob a reserva de que só são impugnáveis contenciosamente as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo.

  10. E, no seguimento da solução da Lei anterior, o artigo 47.º/1 da LBD afirma que não são suscetíveis de impugnação fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.

  11. Sendo que o artigo 47.º/2, da LBD precisa que questões estritamente desportivas “[são] aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito emergentes da aplicação das leis de jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas”.

  12. Acresce que, na parte final daquele preceito, por via da novel referência às “questões de facto e de direito emergentes dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas”, estabelece-se um alargamento da esfera de reserva absoluta da jurisdição desportiva - sendo esse, aliás, o entendimento da Doutrina que sobre a matéria se tem debruçado.

  13. Desta forma, restringiu-se ainda mais a possibilidade de acesso aos tribunais em matéria desportiva, traduzindo, por isso, a letra do artigo com fidelidade o propósito do legislador.

  14. Trazendo para o âmbito da “reserva de jurisdição” as regras de organização das respetivas provas e, ainda, acrescentamos nós, os regulamentos.

  15. Assim, considerar que “o ato de inscrição de um jogador, ou de recusa dessa inscrição, escapa da densidade máxima desportiva ou às infrações às regras do jogo” é fazer tábua rasa não só do conteúdo do previsto no artigo 47.º/2, LBD mas também do facto de o indeferimento da pretensão do Recorrido por parte da Liga se ter prendido com uma questão técnica: o jogador que o Clube queria ver inscrito na competição profissional havia sido amador na época anterior.

  16. Tal questão consiste numa questão estritamente desportiva.

  17. Trata-se assim de um dos erros de julgamento de que padece a Sentença ora recorrida, ao limitar-se a incluir a questão atinente às “leis do jogo” (onde se opera o confronto desportivo) nas matérias previstas no artigo 47.º/ 2, da LBD.

  18. Por outro lado, não se alcança o entendimento com base no qual os regulamentos e regras de organização das respetivas provas incluem, por exemplo, a nomeação dos árbitros mas não a definição de quais os jogadores que devem estar inscritos e, nesta medida, participarem na Primeira Liga.

  19. É, assim, inconstitucional, por violação do disposto no artigo 202.º/4, da CRP, a interpretação dos arts. 46º e 47.º/1 e 2 da Lei de Bases do Desporto, e bem assim do 63.º/1 do Regulamento de Disciplina da LPFP, perfilhada na sentença recorrida, de que a negação da possibilidade de inscrição, na Liga Profissional, de um jogador contratado para prestar os seus serviços enquanto jogador profissional de futebol não está abrangida pela proibição de submissão e não fica sujeita à sanção prevista nos feridos preceitos.

  20. Acresce serem inimpugnáveis por falta de definitividade e, em consequência, lesividade.

  21. O artigo 46.º da LBD, quando dispõe que “as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo são impugnáveis”, implica necessariamente que a impugnabilidade dessas decisões e deliberações só se verifica quando se estejam esgotados os meios internos (do associativismo desportivo) de impugnação administrativa.

  22. Ambos os atos cuja suspensão o G.... ........... procurou obter através de processo cautelar estavam sujeitos a impugnação administrativa necessária perante o Conselho de Justiça da FPF.

  23. Porém o G…….. não impugnou graciosamente qualquer dos atos cuja suspensão pretendeu obter nos tribunais comuns, isto não obstante estar perante in casu de recursos administrativos necessários.

  24. Daí que ambos os atos suspendendos fossem, em qualquer caso, inimpugnáveis por falta de lesividade, porquanto não foram, internamente, esgotados até à exaustão os meios de impugnação.

  25. Assim, o Acórdão do Conselho de Justiça da FPF, impugnado na presente ação e declarado nulo pela sentença recorrida, não padece de qualquer vício que afete a sua validade, com todas as legais consequências daí emergentes.”.

Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida.

* O ora Recorrido, G….. …………. Clube notificado apresentou contra-alegações (cfr. fls. 2599 e segs.), formulando as seguintes conclusões: “I.

O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 25.05.2016, a qual julgou procedente a Acção Administrativa Especial instaurada pelo Autor, ora Recorrido, declarando nulo o Acto Administrativo Impugnado, consubstanciado no Acórdão de 22.08.2006, do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, que aplicou a pena disciplinar de descida de divisão ao Autor/Recorrido, na época desportiva 2006/2007.

II.

Trata-se de Recurso Jurisdicional que causa a maior perplexidade e estranheza, já que, nos presentes autos, e após prolação de Sentença, as Entidades Demandadas (Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Federação Portuguesa de Futebol) renunciaram à interposição de Recurso Jurisdicional. A renúncia à interposição de Recurso Jurisdicional por parte da Federação Portuguesa de Futebol demonstra e atesta que a Entidade Administrativa que foi Autora do Acto Administrativo Impugnado reconheceu e conformou-se com a declaração de ilegalidade do seu Acto Administrativo, ilegalidade, essa, consubstanciada em nulidade. III.

Nessa medida, e desde logo, levanta-se uma Questão Prévia de (i)legitimidade da Recorrente para interposição de Recurso Jurisdicional, Recorrente essa que é Contra-Interessada, ilegitimidade que se funda na manifesta aceitação, pela Autora do Acto Administrativo Impugnado, da decisão de ilegalidade que recaiu sobre o Acto Administrativo por si proferido e prática de actos e operações materiais para seu início de execução – sob a forma de discussão e decisão para alargamento do quadro competitivo, de modo a incluir o G.... ........... Futebol Clube.

IV.

Nesse sentido e perante tal início de execução, a procura de revisão da sentença deixa de ter utilidade material e jurídica, passando a Recorrente, caso o queira, a ter de se debruçar sobre os concretos actos de execução, pois que, sendo os termos da execução uma prerrogativa da Entidade Demandada, poderá essa pronunciar-se e...

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