Acórdão nº 626/10.4BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução19 de Setembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I.

RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA (adiante recorrente) recorreu para este Tribunal Central Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a oposição judicial à execução fiscal nº1503.2006/01064681 e apensos, deduzida por J...

(adiante recorrido), contra si revertida para cobrança de dívidas provenientes de coimas fiscais, IMI, IVA, IRS e IRC, referentes aos exercícios de 2004 a 2008, no valor global de €244.714,80, instaurados contra a sociedade «... Engenharia e Arquitectura, Lda».

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «i.

Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença, que se julgou procedente, por provada, a presente Oposição deduzida por J..., e, em consequência, julgar extinto o processo executivo em relação ao Oponente. Contudo, salvo o devido respeito, entendemos que não faz, uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito no que concerne à aplicação dos artigos 23º, nº 2 da LGT e 153º, nº2 do CPPT.

Enquadrando.

ii.

Veio o Oponente alegar da sua ilegitimidade enquanto revertido, em virtude de a devedora Originária, para além de ser detentora de bens, este não ter culpa na insuficiência do património da mesma.

iii.

Neste seguimento, vem a douta sentença concluir que "o SF ... não poderia ter desconsiderado os créditos em discussão judicial e face à inexistência de outros bens penhoráveis (como o órgão da execução assegurou que inexistiam), deveria ter determinado a suspensão do processo de execução fiscal." (sublinhado nosso).

Não podemos concordar com tal conclusão da douta sentença.

Se não vejamos, iv.

O artigo 23º da LGT estabelece no seu nº1 que "a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal"; dispõe no nº2 que "a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão"; e no nº3 prescreve-se que "caso, no momento da reversão, não seja possível determinara suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei." v.

Por sua vez, o nº2 do artigo 153º do CPPT preceitua que "o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido", vi.

Do carácter subsidiário da responsabilidade tributária, imposto no nº3 do artigo 22º da LGT, decorre que a execução fiscal só pode ser revertida contra o responsável subsidiário depois de excutidos os bens do devedor originário. Daqui resulta, por um lado, que o órgão de execução fiscal pode exigir a prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários, satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e apenas irá exigi-la do devedor subsidiário no caso de se provar a inexistência ou insuficiência de bens daqueles e, por outro, que o devedor subsidiário pode recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiver sido excutido todos os bens daqueles devedores, vii.

Impõe-se, assim, que o nº2 do artigo 153º do CPPT, seja lido em conjugação com o artigo 23º da LGT, o que condiciona a reversão à verificação a uma das seguintes situações: (i) inexistência de bens penhoráveis na esfera patrimonial do devedor originário; (ii) fundada insuficiência dos bens do devedor originário para satisfação da dívida exequenda.

viii.

Logo, verificando-se que os devedores (principal e solidário) não têm bens, o órgão pode e deve reverter imediatamente a execução contra os responsáveis subsidiários, pois nada há para excutir. Questão diversa e que suscita maior dificuldade surge quando os bens desses devedores, apesar de existirem, não são suficientes para pagar a dívida exequenda e acrescido.

ix.

Nesta última situação, perante os termos em que a matéria se encontra definida pelo legislador, torna-se complexo compatibilizar o benefício da excussão com a reversão, pois a aplicação do conceito indeterminado "insuficiência" pode não ditar a medida exacta da responsabilidade do devedor subsidiário. Uma interpretação do conceito que tenha como resultado a penhora e venda de bens do revertido de valor superior à medida da sua responsabilidade pode ser inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição do excesso.

x.

Todavia, da interpretação conjugada do n°2 e 3 do artigo 23º da LGT, resulta que é possível emitir o despacho de reversão em momento prévio à excussão dos bens do devedor originário.

xi.

Com efeito, a letra da lei não deixa margem para dúvidas quanto a essa possibilidade quando integra as expressões "bens penhoráveis" e "sem prejuízo do benefício da excussão" no nº2 do artigo 23º, o que só faz sentido se a reversão ocorrer antes da excussão: de igual modo, a possibilidade de "suspensão" da reversão prevista no nº3 do mesmo artigo só se compreende na situação em que, antes da excussão, já houve reversão, caso contrário seria desprovida de sentido útil.

xii.

A forma que a lei encontrou para proteger este direito do responsável subsidiário foi a suspensão da reversão quando "não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar".

xiii.

Assim, apurada e provada a insuficiência dos bens do devedor originário, havendo apenas uma "duvida residual" quanto ao exacto montante dessa insuficiência, o órgão de execução fiscal pode avançar para a reversão, embora com suspensão da execução quanto ao revertido até que seja excutido o património daquele.

xiv.

Como refere Paulo Marques, «resulta da lei que a reversão em execução fiscal pode ser decidida contra os responsáveis subsidiários, mesmo sem o património do devedor originário ainda estar excutido, bastando que existam fundadas razões para se poder concluir que os bens penhorados ao devedor originário sejam insuficientes para pagar a totalidade da dívida, não se exigindo o cálculo com absoluta exactidão dessa insuficiência patrimonial. A dúvida sobre o quantum a pagar pelo responsável subsidiário deve constituir uma dúvida residual em termos de manifesta insuficiência patrimonial do devedor originário (ou solidário). Isto significa que o órgão de execução fiscal deve aferir a priori a insuficiência de bens do devedor principal e dos responsáveis solidários, permanecendo somente a dúvida sobre o exacto montante dessa mesma insuficiência» (cfr. Responsabilidade Tributária dos Gestores e dos Técnicos Oficiais de Contas, Coimbra Editora, pág. 144).

xv.

Constatada a impossibilidade de aferir com precisão o quantitativo da insuficiência patrimonial, se determine oficiosamente a suspensão da execução quanto à penhora e venda dos bens do responsável subsidiário. Mas, havendo já a certeza quanto à insuficiência dos bens do devedor originário, o interesse público na interrupção da prescrição (cfr. nº3 do artº48º da LGT) ou o interesse particular do revertido em impugnar, desde logo, a dívida cuja responsabilidade lhe é atribuída (cfr. nº4 do art.º22° da LGT), pode justificar que a reversão ocorra antes da excussão, sem que tal exceda os limites da proporcionalidade, o que certamente acontecerá se a suspensão da reversão atingir, desde logo, a penhora dos bens do responsável subsidiário.

xvi.

Aqui chegados e feito o respectivo enquadramento legal da responsabilidade subsidiária, com o devido respeito, concluímos que não andou bem a douta sentença ao decidir que "o SF ... não poderia ter desconsiderado os créditos em discussão judicial e face à inexistência de outros bens penhoráveis (como o órgão da execução assegurou que inexistiam), deveria ter determinado a suspensão do processo de execução fiscal." (sublinhado nosso) xvii.

Ora, face ao que foi dito carece de base legal a referida suspensão do processo de execução fiscal, até porque os requisitos desta estão bem definidos no artigo 169º do CPPT, situação diferente, caso se determine oficiosamente a suspensão da execução quanto à penhora e venda dos bens do responsável subsidiário e nunca o processo de execução fiscal no seu todo! xviii.

A lei tributária é clara quanto à atribuição à responsabilidade dos membros dos órgãos sociais prevista no artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT) de carácter subsidiário em relação às sociedades e entes fiscalmente equiparados originariamente devedores - cfr. o nº1 do artigo 24º da LGT -, como o é ao fazer depender a reversão contra o responsável subsidiário da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários (artigo 23°, nº2 da LGT) e ao atribuir-lhes o benefício da excussão.

xix.

Ora, o benefício da excussão traduz-se no direito do responsável subsidiário de se opor a que a execução dos seus bens se efectue enquanto não forem penhorados e vendidos todos os bens do devedor principal, mas não obsta a que a reversão da execução fiscal contra si possa efectuar-se em momento anterior a essa venda desde que os bens penhoráveis do devedor principal (e eventuais responsáveis solidários) sejam fundadamente insuficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido (artigos 23º nº2 da LGT e 153º nº2 do CPPT) - cfr. o Acórdão deste STA de 22 de Junho de 2011, rec. nº167/11.

xx.

Assim, a completa excussão dos bens do devedor originário não é necessariamente prévia ao...

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