Acórdão nº 09627/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 13 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução13 de Julho de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório P… S.A., inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa de improcedência da reclamação judicial por si deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças … - pelo qual lhe foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado no âmbito do processo de execução fiscal contra si instaurado para cobrança coerciva de dívidas de IRS-, interpôs o presente recurso jurisdicional.

Tendo alegado, aí concluiu nos seguintes termos: «l.

O presente recurso tem como objecto a douta sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o despacho de 09-11-2015 proferido pelo Sr. Chefe deste Serviço de Finanças que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado em 14-10-2015 para suspensão do processo de execução fiscal n°… e apensos, no valor de €19.864,04.

II.

O ato de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia é um ato administrativo em matéria tributária que, enquanto tal, segue o regime estabelecido na LGT, nomeadamente o disposto no artigo 60° da LGT (neste sentido, vide DULCE NETO em voto de vencido no acórdão do STA de 07-03-2012, proc. n°0185/12).

III.

A LGT determina que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal - como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia - seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final - cfr. artigo 60°, n°1, alínea b), da LGT.

IV.

Nos n.°s 2 e 3 do mesmo artigo 60.° da LGT são indicadas situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia, porém neste elenco não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

V.

A Recorrente devia assim ter sido notificada para exercer o direito de audição prévia, previamente à emissão do despacho reclamado.

VI.

Não se venha invocar a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia, pois dessa forma está-se a revogar a citada disposição da LGT, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.

VII.

Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia prevista no CPA - o que por dever de patrocínio se concebe, embora sem conceder -, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de atos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão.» -cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op cit.

VIII.

Por outro lado, não poderá igualmente colher o entendimento de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respetivos elementos de prova documental, acabe por desempenhar a função de audição prévia do contribuinte ou por precludir a necessidade de realização da mesma, no sentido de atenuar «a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça» - cfr. Ac. STA de 26.9.2012.

IX.

Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de uma petição devidamente fundamentados e instruídos com prova documental à Administração Tributária e Aduaneira, teria de se aplicar esta interpretação. O que significaria que sempre que os contribuintes apresentassem tais petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respectivo indeferimento pela Administração Tributária e Aduaneira, virem participar na formação da decisão e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração Tributária e Aduaneira e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.

X.

Acresce que, apesar de o pedido de dispensa de prestação de garantia dever ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cfr. artigo 170°, n°3, do CPPT), o certo é que com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional nas situações em que esses outros meios de prova se mostrassem imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte. Dê-se como exemplo situações em que os factos alegados pelo contribuinte para demonstrar, por exemplo, a falta de culpa na insuficiência de bens para prestar garantia ou o prejuízo irreparável que lhe advirá da prestação de uma garantia (n°4, do artigo 52° da LGT), não se alcançam unicamente através de meios documentais, carecendo-se, por exemplo, de prova testemunhal. Acresce que poderão surgir novos elementos sobre os quais o contribuinte nunca se pronunciou, em violação, inclusivamente, do princípio do contraditório em matéria de procedimento e processo tributário consagrado no artigo 45° do CPPT.

XI.

O contribuinte tem de ter a possibilidade de, conhecendo a apreciação da Administração Tributária e Aduaneira feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia, vir juntar novos elementos e sobre as mesmas se pronunciar.

XII.

Esta é a solução que se impõe no apuramento da verdade material e, bem assim, que melhor se coaduna com o preceituado no n°5 do artigo 267° da CRP e no artigo 45° do CPPT.

XIII.

Refira-se ainda que o fundamento apontado, no despacho reclamado, para indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia em causa foi a falta de produção de prova.

XIV.

Ora, em sede de audição prévia, poderia a Recorrente ter obviado, mediante a junção dos elementos de prova que a Administração reputava por necessários, a essa decisão tomada com fundamentos meramente formais, que em nada contribui para a realização, administrativa, da justiça e que se revela não adequada e não proporcional.

XV.

Face ao exposto, impõe-se a anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição ilegal da audição prévia, por violação do disposto nos artigos 267°, n°5, da CRP, 60° da LGT e 45° do CPPT.

XVI.

O PER mencionado no pedido de dispensa de prestação de garantia - que é do conhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira e que inclusivamente foi aprovado com o seu acordo - faz prova do preenchimento dos pressupostos previstos no n°2 do artigo 54° da LGT.

XVII.

Desde logo, a existência de um PER comprova a situação económica difícil da Reclamada.

XVIII.

Acresce que do balanço a fls. 8 e 9 do PER resulta evidente o seguinte: a) que a Reclamante não dispõe de imóveis susceptíveis de hipoteca, b) que a Reclamante não dispõe de ativos fixos tangíveis de valor suficiente para oferecer como garantia; c) que o passivo da Reclamante tem vindo a acrescer nos últimos quatro exercícios, sendo bastante elevado no exercício de 2014 (2.829.803,00); d) que nos últimos 4 exercícios fiscais os resultados líquidos foram bastante deficitários, tendo sido de -76.514 (negativo) em 2011, de 4.576 em 2012, de 4.733 em 2013 e de-233.794 (negativos) em 2014; e) que a Reclamante não dispõe de meios económicos suficientes que lhe permitam obter garantias junto dos bancos, os quais, conforme resulta do PER (fls. 36), são inclusivamente são credores de dívidas da Reclamante.

XIX.

Desta informação é possível concluir que Reclamante não dispõe património, nem de meios económicos suficientes para prestar garantia no presente processo de execução fiscal.

XX.

Acresce que no PER estão descritas as razões que conduziram à insuficiência patrimonial da Reclamante (fls. 4 a 10), donde resulta claro que essa insuficiência patrimonial não se deveu a qualquer responsabilidade da Reclamante, mas antes a uma conjuntura económica nacional e internacional que afetou os seus clientes e por conseguinte a Reclamante.

XXI.

Fica, assim, claro que a Reclamante, ao remeter no pedido de dispensa de prestação de garantia para o PER donde resulta evidente a falta de meios económicos para prestar a garantia e a ausência de responsabilidade da Reclamante na insuficiência patrimonial fez prova do preenchimento dos pressupostos previsto no n°4, do artigo 52° da LGT, carecendo de fundamento o despacho reclamado.

XXII.

A douta sentença recorrida, ao ter decidido em sentido diverso, padece de erro de julgamento da matéria de facto e de direito.

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao recurso e ser revogada a sentença recorrida».

A Recorrida notificada da admissão do recurso, não apresentou contra-alegou.

Neste Tribunal Central, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no qual se pronunciou, a final, no sentido da manutenção do decidido.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza do processo (artigos 657.º do Código de Processo Civil e 278.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário), cumpre apreciar e decidir, submetendo-se, agora, e para esse efeito, os autos à conferência.

  1. Objecto de recurso Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

    Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente, esse objecto, assim delimitado, pode ser, expressa ou tacitamente, restringido nas conclusões da alegação (artigo 635.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil)...

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